Com os dois empatados nas pesquisas, tanto no voto popular quanto nos estados mais decisivos para o Colégio Eleitoral, a expectativa é de recorde de audiência
Porto Velho, Rondônia - É só voltar dez semanas na folhinha. Para quem duvida se debates televisivos, na era do “corte” e da “economia da atenção”, ainda podem decidir disputas eleitorais, o último 27 de junho é prova cabal. Foi o dia em que a incapacidade do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de elaborar seu raciocínio seguidas vezes sepultou, na prática, no evento da CNN, sua reeleição.
Nesta terça-feira, a partir das 22h, em Filadélfia, sua substituta no Partido Democrata, a vice-presidente Kamala Harris, 59 anos, também enfrentará, por uma hora e 30 minutos, o ex-presidente Donald Trump, 78, do Partido Republicano, no confronto, na rede ABC, entre os principais candidatos a comandar a Casa Branca a partir de janeiro. Com os dois empatados nas pesquisas, tanto no voto popular quanto nos estados mais decisivos para o Colégio Eleitoral, a expectativa é de recorde de audiência. Sem outros duelos previstos, o desta noite é tratado por estrategistas democratas e republicanos como o último ato capaz de mudar sensivelmente o rumo da corrida. Um tudo ou nada a 55 dias do pleito.
Disputa por indecisos
Quando os moderadores, os jornalistas David Muir e Linsey Davis, iniciarem as perguntas — com temas que devem incluir economia, política de imigração, segurança nacional, direito ao aborto, defesa da democracia, China, e guerras em Gaza e na Ucrânia — Kamala e Trump se enfrentarão pela primeira vez. A rigor, os dois sequer foram apresentados.
Os democratas creem que Trump repetirá, em linhas gerais, o roteiro de seus desempenhos anteriores, desde 2016. E buscará executar sua estratégia central — ligar Kamala, que ele carimbará como radical de esquerda, a aspectos impopulares do governo Biden, entre eles a inflação alta, hoje abaixo de 3%, mas que chegou a 9%, e a entrada recorde de imigrantes não documentados no país — em meio a tiradas de gosto duvidoso, afim de desconcentrar a adversária.
De forma reservada, um estrategista republicano em um estado decisivo disse ao GLOBO que o ex-presidente deve seguir “até a pagina dois” o roteiro combinado de centrar seus ataques no que a campanha detecta serem inconsistências políticas da adversária, e não questionar sua identidade racial ou debochar de sua gargalhada. Ele entendeu — “acreditamos”, sublinhou — que a disputa hoje é pelo voto dos indecisos, não mais o da base trumpista.
“O problema é que muitos independentes estão cansados de Trump, evitam ter de pensar nele”, disse Susan Glasser no episódio sobre o debate do podcast “The political scene”, da revista New Yorker. “Mas hoje serão forçados a encará-lo. Para Kamala, deixá-los ver de perto como Trump foi se degradando pode ser, por si só, uma vantagem”, acrescentou a jornalista que escreveu com o marido, Peter Baker, do New York Times, o obrigatório “The divider: Trump in the White House, 2017-2021”.
Liberdades na mesa
As outras interrogações da noite estão no lado democrata. Kamala terá mais uma oportunidade de se reapresentar aos americanos, inclusive de, no mesmo ambiente, desenhar para os espectadores a diferença entre personagens que tiveram papéis opostos no sistema judicial — a ex-procuradora contra o único ex-presidente americano condenado por um crime.
Também poderá testar o alcance, cara a cara com Trump, da tentativa de sua campanha de tirar dos republicanos a bandeira da “defesa da liberdade”, conceito caro, mostram as pesquisas, aos americanos. Inclusive na discussão sobre o direito ao aborto, retirado das mulheres americanas em 2022 por decisão da Suprema Corte com maioria conservadora por conta das indicações de Trump. O tema estará nas urnas em dois estados decisivos, Arizona e Nevada.
— Desde os anos Reagan [1981-1989], os republicanos se apresentam como “o partido da liberdade”, definida em sentido libertário, como, por exemplo, o porte de armas. Já os democratas apontavam para o perigo dessas liberdades individuais usurparem o direito coletivo. Com o aborto, no entanto, viraram a mesa e passaram a disputar um conceito especialmente caro aos eleitores independentes — disse o cientista político Josh Pasek, diretor-associado do Instituto de Pesquisas e Dados da Universidade do Michigan.
Também há preocupação entre os governistas sobre como Kamala poderá reduzir o efeito da provável sucessão de notícias falsas ditas por Trump, como no debate contra Biden. O formato na ABC prevê microfones desligados quando o adversário estiver com a palavra e não há tempo definido para os moderadores checarem o que será apresentado como fato. O National Constitution Center, com a carga simbólica de sediar a organização dedicada ao estudo da Carta Magna americana, estará vazio, com exceção de poucos convidados das campanhas, que, no entanto, não poderão se comunicar com os candidatos, nem mesmo durante os três intervalos.
Idade como arma
Uma possível, ainda que arriscada, estratégia, apontam observadores privilegiados da corrida eleitoral, seria Kamala elevar o volume na já repetida, pela campanha democrata, diminuição moral do republicano. Tratar o espectador como testemunha do que qualificam como o ocaso do líder popular, na linha do que antecipou Susan Glasser, da New Yorker. Enfatizar a diminuição de velocidade, a repetição de palavras e a confusão mental de Trump. Virar, nas palavras de um estrategista democrata que não assume autoria da frase por receio de irritar a atual Casa Branca, “o feitiço contra o feiticeiro”, referência aos ataques contra Biden.
Mas Trump não é Biden. E, apesar do aumento do ânimo no flanco democrata desde a mudança na cabeça da chapa, a mais recente pesquisa de peso, a da Universidade Siena para o New York Times, divulgada no último domingo, mostrou o republicano um ponto percentual à frente de Kamala (48% a 47%).
Tão significativos foram outros dois dados da enquete — um mostra 28% dos entrevistados não sabendo o suficiente sobre a vice, contra 9% do ex-presidente; outro registra 53% dos eleitores certos de que o republicano representa mudança e apenas 25% que ela virá com a democrata. E 60% dos entrevistados dizem querer o novo. Por um lado, Kamala ainda tem margem para usar o debate de hoje para se redefinir. Por outro, não conseguiu se desvencilhar do peso de Biden na reta final da disputa.
Fonte: O GLOBO
A campanha de Kamala Harris arrecadou em agosto quase o triplo da quantia coletada pelo ex-presidente Donald Trump — Foto: Stephen Maturen e Ting Shen/Getty Images via Bloomberg
Porto Velho, Rondônia - É só voltar dez semanas na folhinha. Para quem duvida se debates televisivos, na era do “corte” e da “economia da atenção”, ainda podem decidir disputas eleitorais, o último 27 de junho é prova cabal. Foi o dia em que a incapacidade do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de elaborar seu raciocínio seguidas vezes sepultou, na prática, no evento da CNN, sua reeleição.
Nesta terça-feira, a partir das 22h, em Filadélfia, sua substituta no Partido Democrata, a vice-presidente Kamala Harris, 59 anos, também enfrentará, por uma hora e 30 minutos, o ex-presidente Donald Trump, 78, do Partido Republicano, no confronto, na rede ABC, entre os principais candidatos a comandar a Casa Branca a partir de janeiro. Com os dois empatados nas pesquisas, tanto no voto popular quanto nos estados mais decisivos para o Colégio Eleitoral, a expectativa é de recorde de audiência. Sem outros duelos previstos, o desta noite é tratado por estrategistas democratas e republicanos como o último ato capaz de mudar sensivelmente o rumo da corrida. Um tudo ou nada a 55 dias do pleito.
Disputa por indecisos
Quando os moderadores, os jornalistas David Muir e Linsey Davis, iniciarem as perguntas — com temas que devem incluir economia, política de imigração, segurança nacional, direito ao aborto, defesa da democracia, China, e guerras em Gaza e na Ucrânia — Kamala e Trump se enfrentarão pela primeira vez. A rigor, os dois sequer foram apresentados.
Os democratas creem que Trump repetirá, em linhas gerais, o roteiro de seus desempenhos anteriores, desde 2016. E buscará executar sua estratégia central — ligar Kamala, que ele carimbará como radical de esquerda, a aspectos impopulares do governo Biden, entre eles a inflação alta, hoje abaixo de 3%, mas que chegou a 9%, e a entrada recorde de imigrantes não documentados no país — em meio a tiradas de gosto duvidoso, afim de desconcentrar a adversária.
De forma reservada, um estrategista republicano em um estado decisivo disse ao GLOBO que o ex-presidente deve seguir “até a pagina dois” o roteiro combinado de centrar seus ataques no que a campanha detecta serem inconsistências políticas da adversária, e não questionar sua identidade racial ou debochar de sua gargalhada. Ele entendeu — “acreditamos”, sublinhou — que a disputa hoje é pelo voto dos indecisos, não mais o da base trumpista.
“O problema é que muitos independentes estão cansados de Trump, evitam ter de pensar nele”, disse Susan Glasser no episódio sobre o debate do podcast “The political scene”, da revista New Yorker. “Mas hoje serão forçados a encará-lo. Para Kamala, deixá-los ver de perto como Trump foi se degradando pode ser, por si só, uma vantagem”, acrescentou a jornalista que escreveu com o marido, Peter Baker, do New York Times, o obrigatório “The divider: Trump in the White House, 2017-2021”.
Liberdades na mesa
As outras interrogações da noite estão no lado democrata. Kamala terá mais uma oportunidade de se reapresentar aos americanos, inclusive de, no mesmo ambiente, desenhar para os espectadores a diferença entre personagens que tiveram papéis opostos no sistema judicial — a ex-procuradora contra o único ex-presidente americano condenado por um crime.
Também poderá testar o alcance, cara a cara com Trump, da tentativa de sua campanha de tirar dos republicanos a bandeira da “defesa da liberdade”, conceito caro, mostram as pesquisas, aos americanos. Inclusive na discussão sobre o direito ao aborto, retirado das mulheres americanas em 2022 por decisão da Suprema Corte com maioria conservadora por conta das indicações de Trump. O tema estará nas urnas em dois estados decisivos, Arizona e Nevada.
— Desde os anos Reagan [1981-1989], os republicanos se apresentam como “o partido da liberdade”, definida em sentido libertário, como, por exemplo, o porte de armas. Já os democratas apontavam para o perigo dessas liberdades individuais usurparem o direito coletivo. Com o aborto, no entanto, viraram a mesa e passaram a disputar um conceito especialmente caro aos eleitores independentes — disse o cientista político Josh Pasek, diretor-associado do Instituto de Pesquisas e Dados da Universidade do Michigan.
Também há preocupação entre os governistas sobre como Kamala poderá reduzir o efeito da provável sucessão de notícias falsas ditas por Trump, como no debate contra Biden. O formato na ABC prevê microfones desligados quando o adversário estiver com a palavra e não há tempo definido para os moderadores checarem o que será apresentado como fato. O National Constitution Center, com a carga simbólica de sediar a organização dedicada ao estudo da Carta Magna americana, estará vazio, com exceção de poucos convidados das campanhas, que, no entanto, não poderão se comunicar com os candidatos, nem mesmo durante os três intervalos.
Idade como arma
Uma possível, ainda que arriscada, estratégia, apontam observadores privilegiados da corrida eleitoral, seria Kamala elevar o volume na já repetida, pela campanha democrata, diminuição moral do republicano. Tratar o espectador como testemunha do que qualificam como o ocaso do líder popular, na linha do que antecipou Susan Glasser, da New Yorker. Enfatizar a diminuição de velocidade, a repetição de palavras e a confusão mental de Trump. Virar, nas palavras de um estrategista democrata que não assume autoria da frase por receio de irritar a atual Casa Branca, “o feitiço contra o feiticeiro”, referência aos ataques contra Biden.
Mas Trump não é Biden. E, apesar do aumento do ânimo no flanco democrata desde a mudança na cabeça da chapa, a mais recente pesquisa de peso, a da Universidade Siena para o New York Times, divulgada no último domingo, mostrou o republicano um ponto percentual à frente de Kamala (48% a 47%).
Tão significativos foram outros dois dados da enquete — um mostra 28% dos entrevistados não sabendo o suficiente sobre a vice, contra 9% do ex-presidente; outro registra 53% dos eleitores certos de que o republicano representa mudança e apenas 25% que ela virá com a democrata. E 60% dos entrevistados dizem querer o novo. Por um lado, Kamala ainda tem margem para usar o debate de hoje para se redefinir. Por outro, não conseguiu se desvencilhar do peso de Biden na reta final da disputa.
Fonte: O GLOBO
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