Unidade estadual, o Cristalino II chegou a ter seu decreto de criação anulado pela justiça, mas processo foi suspenso após recurso
Fogo começou há mais de 20 dias em uma fazenda ao lado do parque Cristalino II — Foto: Divulgação / Observa MT
O Mato Grosso é o estado com mais focos de calor no Brasil desde o início do ano: 21% das 159 mil queimadas registradas em 2024 pelo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com dados reunidos pelas ONGs ambientais Oberva MT e Instituto Centro de Vida, 9.440 hectares foram queimados dentro do Parque Cristalino II até o domingo (8). A efeito de comparação, a unidade de conservação mais desmatada no Brasil em 2023 foi a APA Triunfo do Xingu (PA), que perdeu 24 mil hectares ano passado.
Fogo está próximo à fazenda que pede a extinção do decreto de criação do parque — Foto: Divulgação / Observa MT
Na quinta-feira passada (5), as ONGs pediram, por requerimento, que o governo estadual inclua o Parque Cristalino II como território da Amazônia no plano de prevenção e combate a incêndios, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à União. A decisão do ministro Flavio Dino diz que tanto o governo federal quanto os estados apresentem planos de combate ao desmatamento. Nesta terça-feira (10), o governo federal prometeu apresentar seu plano.
Desde agosto, as queimadas voltaram a atingir o Parque Cristalino II, que abrange 118 mil hectares entre os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo, a partir de propriedades ao leste da unidade, próximo ao rio Nhandu. Além da floresta protegida, as chamas ainda devastaram milhares de hectares do entorno. Ao lado do Cristalino II, fica o Cristalino I, em um território um pouco menor, também sofrendo com as queimadas. O fogo neste ano está mais intenso do que em 2022, última vez que houve grande devastação.
Incêndios no Parque Cristalino II — Foto: Divulgação
— Além da mortes de árvores e animais, há uma imensa perda de habitat natural para a fauna, imensa poluição atmosférica para as cidades e impactos diretos sobre o aquecimento global — afirma Edilene Amaral, consultora jurídica do Observa-MT, uma das ONGs que assinou o requerimento para o governo.
Briga na justiça
Em 2022, a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo Ltda conseguiu na Justiça que o decreto de criação do parque, de 2011, fosse extinto. Logo após a decisão, cerca de 5 mil hectares de área da unidade foram desmatados, e em seguida o decreto voltou a valer, após recurso do Ministério Público do Mato Grosso (MPMT). A devastação de agora já é pelo menos 40% pior do que em 2022.
Há décadas, aquela região é alvo do interesse de setores do agronegócio, mineração, extração de madeira e da especulação imobiliária. O escritório Lopes Cesco & Saraiva, que defende a Sociedade Triângulo, diz que o decreto de criação do parque não obedeceu às regras federais, pois não teria ocorrido audiências públicas obrigatórias, estudos técnicos prévios ou a regularização fundiária. Segundo os advogados, o parque teria sido criado em uma área onde já vivia 1.200 famílias.
No final de 2021, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso anulou pela primeira vez o decreto de criação do parque. Meses após a decisão, o estado de Mato Grosso não se manifestou, o que impediu recursos e tornou a exclusão do parque definitiva, em abril de 2022. Depois o MPMT conseguiu evitar a extinção, com apresentação de embargos de declaração no processo.
Em abril deste ano, uma nova decisão voltou a anular o decreto de criação do Cristalino II, já que o Tribunal rejeitou o recurso do MPMT. Dessa vez, o Governo estadual pediu uma conciliação, o que foi aceito pelo tribunal, que então suspenseu o processo. Mas até hoje não foi marcada a audiência de conciliação.
— É um escárnio o que está acontecendo no Cristalino. Todo o contexto indica a omissão e a negligência do poder público na proteção do Parque, que segue com incêndios de grandes proporções ainda descontrolados. É um escândalo mesmo — afirma a advogada do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Bruna Bolzani.
Fonte: O GLOBO
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