Número de focos de incêndio entre janeiro e a última segunda-feira foi o maior para este período desde 2010
Pessoas caminham sob a areia quente de bancos de areia no leito do Rio Madeira para buscar água em meio à seca mais severa em quase 60 anos — Foto: Michael Dantas/AFP
Porto Velho, Rondônia - A seca deste ano é a mais extensa já registrada no Brasil, a mais intensa em partes da Amazônia e deve superar em severidade a do Pantanal em 2021, até agora a mais extrema desse bioma. O número de focos de incêndio entre janeiro e segunda-feira chegou a 164.543, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foi o maior para este período desde 2010 e o quinto desde o início da série histórica, em 1998 — o pior ano foi 2007, com 184.010 focos.
A gravidade e extensão do fenômeno foram detalhadas em uma nota técnica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A nota lembra que ele começou no segundo semestre de 2023. Segundo o Cemaden, estão sob algum grau de seca 5 milhões de km², ou 59% do país. Até então, a estiagem mais ampla registrada era a de 2015-2016, com 4,6 milhões de km² (54% do território). A terceira mais ampla foi a de 1997-1998, que afetou 3,6 milhões de km² (42%).
Cientistas destacam que as secas têm se tornado mais extremas e mais frequentes. O Pantanal sofre com chuvas abaixo do esperado desde a década de 1980 e está sob seca desde 2019, com agravamento em 2021 e agora em 2024. Fenômeno semelhante ocorre na Amazônia, onde se alternam cheias e secas extremas nas últimas duas décadas.
O climatologista da USP Tercio Ambrizzi diz que as secas extremas devem se tornar mais frequentes, em especial no Norte e no Nordeste, segundo todos os modelos climatológicos. Para Ambrizzi, 2025 deve manter a tendência, mesmo com uma La Niña (associada a períodos frios) em formação.
Previsão para Setembro: sem sinal de chuva no Brasil — Foto: Arte O Globo
É consenso entre cientistas e destaque da nota do Cemaden que as mudanças climáticas e o desmatamento aumentam o risco e a severidade das secas. O desmatamento degrada uma fonte importante de umidade do ar e do solo, o que resulta na redução das chuvas.
O Cemaden destaca que a estiagem este ano afetou gravemente uma faixa ocupada por Acre, Amazonas, Mato Grosso, São Paulo e o Triângulo Mineiro, todos com municípios há 12 meses consecutivos em seca. “Regiões mais ao Norte e ao Sul apresentam uma condição mais favorável, com menos de 30 dias consecutivos sem chuva”, informa a nota.
Na história
As séries históricas de dados meteorológicos são incompletas e não cobrem todo o país. O Brasil teve antes secas muito graves, mas regionais, a maioria delas no Norte e no Nordeste. A estiagem que mais matou na história foi no Nordeste, de 1877 a 1879. Calcula-se que meio milhão de pessoas morreram de fome, sede e de doenças.
Em partes do Cerrado, como o Norte de Minas, essa é a pior seca em 700 anos, segundo um estudo da USP publicado este ano na revista Nature Communications. Os pesquisadores compararam dados atuais com os da estação meteorológica de Januária desde 1915, e reconstituíram condições climáticas do passado por análises da composição química de rochas de cavernas e fósseis de árvores.
Cientistas explicam que uma soma de fatores causou a aridez iniciada no ano passado. A estação chuvosa de 2023 foi fraca no Centro-Oeste e no Norte em função tanto do El Niño (aquecimento do Pacífico) quanto do aquecimento do Oceano Atlântico. A umidade do solo e da vegetação não foi reposta e os aquíferos deixaram de ser recarregados. O calor acentuou a evaporação.
Para piorar, a estação seca de 2024 começou mais cedo, em abril. E a partir de maio deixou de chover em municípios do Sudeste, do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste.
Guimba não queima
A quantidade de queimadas este ano já representa o dobro na comparação com 2023, num crescimento puxado por todos os biomas, à exceção do Pampa, no Sul. O clima está favorável à propagação do fogo, mas para que os incêndios comecem é preciso haver intenção, frisam especialistas. Fontes acidentais, como bitucas de cigarro, cacos de vidro e latinhas não têm qualquer importância nas queimadas.
— É muito conveniente colocar a conta na mão do clima. Se estamos nessa situação é porque tem gente ateando fogo — afirma Karla Longo, especialista em queimadas e transporte de poluentes do Inpe.
O especialista em ecologia do fogo Christian Berlinck, do ICMBio, frisa que para começar um incêndio é necessária uma fonte de calor de aproximadamente 300°C. Poucos cigarros ultrapassam a temperatura de150°C, a maioria não chega a 100°C. Estudos do grupo de Berlinck mostram que um em cada cem cigarros alcança temperatura suficiente para iniciar um foco de fogo, ainda que pequeno. O mesmo acontece com cacos de vidro ou reflexos de latas.
— É muito difícil um incêndio começar com um cigarro. A grande maioria, tendendo a 100%, é causada por um isqueiro ou fósforo e alimentada por querosene ou gasolina, alguém que quis atear. E não existe incêndio natural em período seco no Brasil porque não há raios — explica.
A estação chuvosa já está atrasada na América do Sul, como previsto. Ao menos para esta e as próximas duas semanas, a previsão é que o calor continue com intensidade na maior parte do Brasil, segundo o Cemaden.
Os mapas de previsão retratam praticamente o país inteiramente seco até o dia 23. É quase certo que a chuva não virá antes do início de outubro para quase todo o país, à exceção do Rio Grande do Sul e de partes do extremo Norte da Amazônia, afirma o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador de Operações do Cemaden.
Autoridade climática
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou ontem o Amazonas e anunciou em encontro com prefeitos que vai criar uma Autoridade Climática para enfrentar as tragédias provocadas pelas mudanças ambientais. A criação era uma promessa de campanha assumida na adesão de Marina Silva, atual ministra do Meio Ambiente, à candidatura de Lula. (colaborou Sérgio Roxo)
Fonte: O GLOBO
Pessoas caminham sob a areia quente de bancos de areia no leito do Rio Madeira para buscar água em meio à seca mais severa em quase 60 anos — Foto: Michael Dantas/AFP
Porto Velho, Rondônia - A seca deste ano é a mais extensa já registrada no Brasil, a mais intensa em partes da Amazônia e deve superar em severidade a do Pantanal em 2021, até agora a mais extrema desse bioma. O número de focos de incêndio entre janeiro e segunda-feira chegou a 164.543, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foi o maior para este período desde 2010 e o quinto desde o início da série histórica, em 1998 — o pior ano foi 2007, com 184.010 focos.
A gravidade e extensão do fenômeno foram detalhadas em uma nota técnica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). A nota lembra que ele começou no segundo semestre de 2023. Segundo o Cemaden, estão sob algum grau de seca 5 milhões de km², ou 59% do país. Até então, a estiagem mais ampla registrada era a de 2015-2016, com 4,6 milhões de km² (54% do território). A terceira mais ampla foi a de 1997-1998, que afetou 3,6 milhões de km² (42%).
Cientistas destacam que as secas têm se tornado mais extremas e mais frequentes. O Pantanal sofre com chuvas abaixo do esperado desde a década de 1980 e está sob seca desde 2019, com agravamento em 2021 e agora em 2024. Fenômeno semelhante ocorre na Amazônia, onde se alternam cheias e secas extremas nas últimas duas décadas.
O climatologista da USP Tercio Ambrizzi diz que as secas extremas devem se tornar mais frequentes, em especial no Norte e no Nordeste, segundo todos os modelos climatológicos. Para Ambrizzi, 2025 deve manter a tendência, mesmo com uma La Niña (associada a períodos frios) em formação.
Previsão para Setembro: sem sinal de chuva no Brasil — Foto: Arte O Globo
É consenso entre cientistas e destaque da nota do Cemaden que as mudanças climáticas e o desmatamento aumentam o risco e a severidade das secas. O desmatamento degrada uma fonte importante de umidade do ar e do solo, o que resulta na redução das chuvas.
O Cemaden destaca que a estiagem este ano afetou gravemente uma faixa ocupada por Acre, Amazonas, Mato Grosso, São Paulo e o Triângulo Mineiro, todos com municípios há 12 meses consecutivos em seca. “Regiões mais ao Norte e ao Sul apresentam uma condição mais favorável, com menos de 30 dias consecutivos sem chuva”, informa a nota.
Na história
As séries históricas de dados meteorológicos são incompletas e não cobrem todo o país. O Brasil teve antes secas muito graves, mas regionais, a maioria delas no Norte e no Nordeste. A estiagem que mais matou na história foi no Nordeste, de 1877 a 1879. Calcula-se que meio milhão de pessoas morreram de fome, sede e de doenças.
Em partes do Cerrado, como o Norte de Minas, essa é a pior seca em 700 anos, segundo um estudo da USP publicado este ano na revista Nature Communications. Os pesquisadores compararam dados atuais com os da estação meteorológica de Januária desde 1915, e reconstituíram condições climáticas do passado por análises da composição química de rochas de cavernas e fósseis de árvores.
Cientistas explicam que uma soma de fatores causou a aridez iniciada no ano passado. A estação chuvosa de 2023 foi fraca no Centro-Oeste e no Norte em função tanto do El Niño (aquecimento do Pacífico) quanto do aquecimento do Oceano Atlântico. A umidade do solo e da vegetação não foi reposta e os aquíferos deixaram de ser recarregados. O calor acentuou a evaporação.
Para piorar, a estação seca de 2024 começou mais cedo, em abril. E a partir de maio deixou de chover em municípios do Sudeste, do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste.
Guimba não queima
A quantidade de queimadas este ano já representa o dobro na comparação com 2023, num crescimento puxado por todos os biomas, à exceção do Pampa, no Sul. O clima está favorável à propagação do fogo, mas para que os incêndios comecem é preciso haver intenção, frisam especialistas. Fontes acidentais, como bitucas de cigarro, cacos de vidro e latinhas não têm qualquer importância nas queimadas.
— É muito conveniente colocar a conta na mão do clima. Se estamos nessa situação é porque tem gente ateando fogo — afirma Karla Longo, especialista em queimadas e transporte de poluentes do Inpe.
O especialista em ecologia do fogo Christian Berlinck, do ICMBio, frisa que para começar um incêndio é necessária uma fonte de calor de aproximadamente 300°C. Poucos cigarros ultrapassam a temperatura de150°C, a maioria não chega a 100°C. Estudos do grupo de Berlinck mostram que um em cada cem cigarros alcança temperatura suficiente para iniciar um foco de fogo, ainda que pequeno. O mesmo acontece com cacos de vidro ou reflexos de latas.
— É muito difícil um incêndio começar com um cigarro. A grande maioria, tendendo a 100%, é causada por um isqueiro ou fósforo e alimentada por querosene ou gasolina, alguém que quis atear. E não existe incêndio natural em período seco no Brasil porque não há raios — explica.
A estação chuvosa já está atrasada na América do Sul, como previsto. Ao menos para esta e as próximas duas semanas, a previsão é que o calor continue com intensidade na maior parte do Brasil, segundo o Cemaden.
Os mapas de previsão retratam praticamente o país inteiramente seco até o dia 23. É quase certo que a chuva não virá antes do início de outubro para quase todo o país, à exceção do Rio Grande do Sul e de partes do extremo Norte da Amazônia, afirma o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador de Operações do Cemaden.
Autoridade climática
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou ontem o Amazonas e anunciou em encontro com prefeitos que vai criar uma Autoridade Climática para enfrentar as tragédias provocadas pelas mudanças ambientais. A criação era uma promessa de campanha assumida na adesão de Marina Silva, atual ministra do Meio Ambiente, à candidatura de Lula. (colaborou Sérgio Roxo)
Fonte: O GLOBO
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