Caso queimadas continuem a se repetir, o aumento da poluição do ar em todo o país poderá deixar de ser excepcional para se tornar frequente, diz Inpe
Porto Velho, Rondônia - O impacto das queimadas na vida dos brasileiros é ainda maior do que o imaginado. Uma condição climática extraordinária faz com que a fumaça dos incêndios alcance mais de 80% do Brasil, ou cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados. É o caso desta semana e já ocorreu outras vezes desde agosto, afirma a especialista em química da atmosfera e dispersão de poluentes Karla Longo, cientista do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe).
Ela explica que isso acontece porque o mesmo extremo associado à seca faz com que a pluma poluente se espalhe por uma área maior e persista por mais tempo.
Por muitos anos, se sofre com a poluição do ar extrema das queimadas na Amazônia, no Pantanal e no Centro-Oeste, diz Longo. Mas o realmente excepcional deste ano é que, com a mudança do clima, a fumaça tem tomado outro rumo e se espalhado pelo Brasil, destaca ela.
Cidades como São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro ganharam os literais ares dos campos e florestas em chamas dos grandes biomas. Um problema que os moradores de cidades como Corumbá (MS) e Rio Branco (AC) conhecem de longa data e tem sido negligenciado.
Como essa condição está ligada ao aquecimento do Atlântico que, por sua vez, tem a marca das mudanças climáticas, se as queimadas continuarem a se repetir, o aumento da poluição do ar em todo o país poderá deixar de ser excepcional para se tornar frequente, alerta a cientista.
À poluição das grandes queimadas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado e na Bolívia se soma à emitida por milhares de focos locais. A pluma regional também bloqueia a dispersão de poluentes urbanos. E tudo isso se mistura no ar que as pessoas respiram na maioria das cidades do Brasil. Esta semana apenas parte do Nordeste e do extremo Norte não respiraram ar com os poluentes das queimadas.
E, pela primeira vez, a fumaça vinda da Amazônia e do Pantanal chegou ao sul da Bahia. Karla Longo diz que o número de queimadas é obviamente elevado, perto das máximas históricas na Amazônia e no Pantanal e acima delas em São Paulo.
— Mas o que está realmente extraordinário este ano é o padrão da pluma. O Brasil está praticamente todo envolto em fumaça. É insano ver a fumaça chegar à Bahia. As queimadas estão muito graves, mas não são inéditas, são negligenciadas e resultado de ação humana. Devem ser combatidas, sobretudo, com prevenção — enfatiza a cientista, uma das desenvolvedoras do sistema de modelagem numérica de qualidade do ar para a América do Sul do Inpe.
O caminho da fumaça é o mesmo dos chamados rios voadores da Amazônia. São canais de ar, os jatos de baixos níveis, que existem normalmente na atmosfera, e na estação chuvosa distribuem umidade. Porém, na seca e com incêndios, eles carregam fumaça.
Os jatos atravessam a Amazônia e, ao se encontrarem com os Andes, contornam o Brasil, vão descendo pelo Pantanal e outras partes do Centro-Oeste, chegando à Região Sul. Depois, seguem para o Atlântico, com a fumaça se dissipando ao longo desse caminho. Karla Longo observa que em alguns anos a fumaça da destruição na Amazônia chegou a atingir a Antártica.
É devido a essa rota dos ventos que, só raramente, mesmo havendo queimadas, a fumaça é percebida com tamanha intensidade em outras partes. Este ano, porém, os ventos têm feito, literalmente, uma curva e circulado. Com isso, alcançam o Sudeste e uma grande parte do Centro-Oeste.
Por trás desse padrão está um sistema atmosférico chamado Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS). Se trata de uma área de alta pressão, onde o ar é comprimido, empurrado para baixo e aquecido nesse processo. A alta pressão também impede a formação de nuvens.
É normal que durante o inverno o ASAS se aproxime do continente. Porém, este ano seus efeitos foram mais intensos e atingiram uma região muito maior. Karla Longo observa que isso se fez notar no fato de que o Brasil inteiro teve temperaturas acima da média climatológica e menos chuva.
A presença de frentes frias faz com que a pluma se desvie em direção ao Atlântico. E, uma vez sobre o oceano, a pluma tem frequentemente recirculado e voltado para o continente.
Com isso, a fumaça não apenas tem se espalhado por uma área maior, quanto perdurado por mais tempo. A qualidade do ar despenca porque se estima que fumaça gerada por uma queimada permaneça na atmosfera por até dez dias.
Isso significa dizer que estão presentes no ar respirado pelas pessoas as minúsculas partículas altamente nocivas à saúde chamadas PM 2.5, oriundas de restos de tudo o que foi queimado.
Porém, tem mais. Além da fumaça visível, a pluma carrega gases poluentes invisíveis, como o monóxido de carbono e os precursores de ozônio. Também transporta CO2, o principal gás do efeito estufa. Esses gases podem permanecer de meses a anos na atmosfera.
— São efeitos de longo prazo. Já passou da hora do Brasil priorizar o combate de queimadas. A situação deve melhorar até o fim do mês no Sudeste. Mas a Amazônia não terá alívio em breve. A previsão é que a estiagem na Região Norte se mantenha pelo menos até o final de outubro — ressalta a cientista.
Fonte: O GLOBO
Fumaça dos incêndios chega a mais de 80% do território brasileiro em variados graus, sendo que o verde indica locais com poluição do ar mais moderada — Foto: Inpe
Porto Velho, Rondônia - O impacto das queimadas na vida dos brasileiros é ainda maior do que o imaginado. Uma condição climática extraordinária faz com que a fumaça dos incêndios alcance mais de 80% do Brasil, ou cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados. É o caso desta semana e já ocorreu outras vezes desde agosto, afirma a especialista em química da atmosfera e dispersão de poluentes Karla Longo, cientista do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe).
Ela explica que isso acontece porque o mesmo extremo associado à seca faz com que a pluma poluente se espalhe por uma área maior e persista por mais tempo.
Por muitos anos, se sofre com a poluição do ar extrema das queimadas na Amazônia, no Pantanal e no Centro-Oeste, diz Longo. Mas o realmente excepcional deste ano é que, com a mudança do clima, a fumaça tem tomado outro rumo e se espalhado pelo Brasil, destaca ela.
Cidades como São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro ganharam os literais ares dos campos e florestas em chamas dos grandes biomas. Um problema que os moradores de cidades como Corumbá (MS) e Rio Branco (AC) conhecem de longa data e tem sido negligenciado.
Como essa condição está ligada ao aquecimento do Atlântico que, por sua vez, tem a marca das mudanças climáticas, se as queimadas continuarem a se repetir, o aumento da poluição do ar em todo o país poderá deixar de ser excepcional para se tornar frequente, alerta a cientista.
À poluição das grandes queimadas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado e na Bolívia se soma à emitida por milhares de focos locais. A pluma regional também bloqueia a dispersão de poluentes urbanos. E tudo isso se mistura no ar que as pessoas respiram na maioria das cidades do Brasil. Esta semana apenas parte do Nordeste e do extremo Norte não respiraram ar com os poluentes das queimadas.
E, pela primeira vez, a fumaça vinda da Amazônia e do Pantanal chegou ao sul da Bahia. Karla Longo diz que o número de queimadas é obviamente elevado, perto das máximas históricas na Amazônia e no Pantanal e acima delas em São Paulo.
— Mas o que está realmente extraordinário este ano é o padrão da pluma. O Brasil está praticamente todo envolto em fumaça. É insano ver a fumaça chegar à Bahia. As queimadas estão muito graves, mas não são inéditas, são negligenciadas e resultado de ação humana. Devem ser combatidas, sobretudo, com prevenção — enfatiza a cientista, uma das desenvolvedoras do sistema de modelagem numérica de qualidade do ar para a América do Sul do Inpe.
O caminho da fumaça é o mesmo dos chamados rios voadores da Amazônia. São canais de ar, os jatos de baixos níveis, que existem normalmente na atmosfera, e na estação chuvosa distribuem umidade. Porém, na seca e com incêndios, eles carregam fumaça.
Os jatos atravessam a Amazônia e, ao se encontrarem com os Andes, contornam o Brasil, vão descendo pelo Pantanal e outras partes do Centro-Oeste, chegando à Região Sul. Depois, seguem para o Atlântico, com a fumaça se dissipando ao longo desse caminho. Karla Longo observa que em alguns anos a fumaça da destruição na Amazônia chegou a atingir a Antártica.
É devido a essa rota dos ventos que, só raramente, mesmo havendo queimadas, a fumaça é percebida com tamanha intensidade em outras partes. Este ano, porém, os ventos têm feito, literalmente, uma curva e circulado. Com isso, alcançam o Sudeste e uma grande parte do Centro-Oeste.
Por trás desse padrão está um sistema atmosférico chamado Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS). Se trata de uma área de alta pressão, onde o ar é comprimido, empurrado para baixo e aquecido nesse processo. A alta pressão também impede a formação de nuvens.
É normal que durante o inverno o ASAS se aproxime do continente. Porém, este ano seus efeitos foram mais intensos e atingiram uma região muito maior. Karla Longo observa que isso se fez notar no fato de que o Brasil inteiro teve temperaturas acima da média climatológica e menos chuva.
A presença de frentes frias faz com que a pluma se desvie em direção ao Atlântico. E, uma vez sobre o oceano, a pluma tem frequentemente recirculado e voltado para o continente.
Com isso, a fumaça não apenas tem se espalhado por uma área maior, quanto perdurado por mais tempo. A qualidade do ar despenca porque se estima que fumaça gerada por uma queimada permaneça na atmosfera por até dez dias.
Isso significa dizer que estão presentes no ar respirado pelas pessoas as minúsculas partículas altamente nocivas à saúde chamadas PM 2.5, oriundas de restos de tudo o que foi queimado.
Porém, tem mais. Além da fumaça visível, a pluma carrega gases poluentes invisíveis, como o monóxido de carbono e os precursores de ozônio. Também transporta CO2, o principal gás do efeito estufa. Esses gases podem permanecer de meses a anos na atmosfera.
— São efeitos de longo prazo. Já passou da hora do Brasil priorizar o combate de queimadas. A situação deve melhorar até o fim do mês no Sudeste. Mas a Amazônia não terá alívio em breve. A previsão é que a estiagem na Região Norte se mantenha pelo menos até o final de outubro — ressalta a cientista.
Fonte: O GLOBO
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