Lar de uma estação ferroviária e por onde passa uma rodovia chamada de 'Estrada da Vida', cidade pode dar aos russos um caminho para a conquista da região de Donetsk
Pessoas embarcam em trem para deixar a região de Donetsk, diante do avanço de forças russas — Foto: Genya SAVILOV / AFP
Porto Velho, Rondônia - No último domingo, o comando militar da Rússia anunciou a conquista de Novohrodivka, no Leste da Ucrânia e que, antes do início da guerra, tinha pouco mais de 14 mil habitantes. Apesar de servir como mais um feito a ser vendido pelos propagandistas do Kremlin, a tomada confirmou que os russos caminham a passos largos rumo ao seu grande alvo neste fim de ano: Pokrovsk, cidade estratégica para a guerra, e cuja queda pode abrir caminho para a tomada da região de Donetsk.
Antes da guerra, Pokrovsk tinha cerca de 60 mil habitantes, e era conhecida como uma espécie de porta de entrada da região de Donetsk para cidades do oeste, como as da vizinha região de Dnipropetrovsk (hoje sob controle ucraniano). A estação de trem — construída no século XIX — fornece ligação com ferrovias que, hoje, servem para enviar suprimentos aos poucos bolsões de resistência da Ucrânia na área.
Uma rodovia, a T-05-04, por vezes chamada de “Estrada da Vida”, margeia Pokrovsk, e é usada para suprir as posições defensivas com armamentos, mantimentos e equipamentos. Outras quatro rodovias importantes de Donetsk e para o leste ucraniano passam por ali.
— É uma ameaça muito séria, porque depois de dois anos de guerra, o inimigo tem a capacidade e a determinação de romper a linha de frente e não em um ou dois lugares, mas em vários (lugares) para ameaçar a logística — disse ao Kyiv Independent um comandante de companhia de infantaria da Ucrânia no Leste do país. — Qualquer rota logística bloqueada afeta a situação na frente, porque todas as estradas são importantes e realizam tarefas estratégicas, e várias tarefas logísticas são atribuídas a elas.
Mapa da incursão russa nos arredores de Pokrovsk, na Ucrânia — Foto: Editoria de Arte
Em agosto, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que os russos estavam “usando tudo que tinham” em seus ataques na direção de Pokrovsk, “concentrando o maior número de homens, de armas e bombas guiadas a laser”. Ele ainda reconheceu que a situação “é muito difícil”, uma avaliação repetida por seus comandantes e analistas.
No fim de semana, além do anúncio sobre Novohrodivka, observadores independentes apontaram para a tomada de dois vilarejos pelos russos, Nevelske and Vodiane, no que parece ser a confirmação de uma estratégia para limitar o acesso das tropas ucranianas em Pokrovsk ao exterior. Segundo Mykhailo Samus, vice-diretor do Centro de Estudos do Exército, Conversão e Desarmamento na Ucrânia, uma instituição independente, essa é uma forma de "fortalecer os flancos" ao longo do principal eixo de ataque rumo à cidade, limitando o espaço para ataques das forças de Kiev.
— A rota deles para Pokrovsk depende desses flancos — disse Samus, ouvido pelo New York Times.
Caso conquiste Pokrovsk, a Rússia terá, como primeiro efeito, a capacidade de restringir as linhas de suprimento ucranianas em cidades ainda sob poder de Kiev, como Chasiv Yar, Selydove e Toretsk, todas em Donetsk. As forças serão obrigadas a usar estradas locais ao invés da T-05-04, as tornando alvos mais fáceis para os drones russos.
Em um segundo momento, a Rússia poderá expandir a linha de frente em Donetsk, usando as vias recém-dominadas a seu favor para impulsionar batalhas em outras partes da região que ainda não foram conquistadas — segundo estimativas, Moscou domina 80% do território de Donetsk, incluindo as áreas que já não respondiam a Kiev desde fevereiro de 2014, quando teve início a guerra civil no país. Uma linha de frente maior exigiria algo que os ucranianos não tem em abundância neste momento: recursos.
— Quanto mais os russos avançam, mais eles desbloqueiam toda a linha de frente para se mover, mais recursos serão necessários para os ucranianos conterem — afirmou Pasi Paroinen, do grupo de análise de inteligência finlandês Black Bird, ao jornal Kyiv Independent.
Em uma manobra para tentar minar os planos russos, Zelensky autorizou, no começo do mês passado, uma ousada incursão na região de Kursk, na Rússia, na primeira invasão estrangeira do país desde a Segunda Guerra Mundial. As forças ucranianas chegaram a ocupar uma cidade na fronteira, por onde passa um importante gasoduto. O líder da Ucrânia, além de tentar obter uma carta a ser usada em eventuais negociações de paz, queria forçar os russos a realocar militares que combatem nos arredores de Pokrovsk para defender seu próprio território, atrasando assim a ofensiva.
Os russos não morderam a isca. De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, a defesa de Kursk está sendo feita por voluntários e por militares vindos de áreas onde não há combates intensos, ou mesmo da África. As linhas em Pokrovsk, apontou o Instituto, não só permaneceram intactas como ganharam reforços em tropas e armas.
— A liderança russa não sente uma ameaça estratégica da incursão do exército ucraniano na região de Kursk — disse ao Novaya Gazeta Europa o analista militar israelense David Sharp. — Está claro que os ucranianos não têm o poder de ameaçar o centro regional ou isolar as tropas russas na região de Kharkiv (nordeste). Isso significa que o pior já aconteceu.
Mapa de situação da guerra na Rússia — Foto: Editoria de Arte
A operação em Kursk, afirmam analistas, utilizou recursos que poderiam estar sendo empregados na defesa de Donetsk. A invasão foi realizada por tropas de forças especiais, e usou recursos cuja falta está sendo sentida nos combates. Em relatório, o Insituto para o Estudo da Guerra afirmou que “os impactos mais amplos da incursão ucraniana na região de Kursk na guerra e qualquer solução diplomática prevista para a guerra ainda não estão claros, e as avaliações desses impactos são prematuras”.
— O inimigo enfraqueceu-se em áreas-chave, o nosso exército acelerou as suas operações ofensivas — disse o presidente russo, Vladimir Putin, na semana passada.
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante evento em Vladivostok — Foto: Vyacheslav PROKOFYEV / POOL / AFP
Mas uma eventual conquista de Pokrovsk, se acontecer, não deve ser tão rápida como espera o Kremlin. A Ucrânia fortaleceu suas posições nos arredores da cidade, e os comandantes sinalizam que poderão lutar “por meses” caso os russos consigam romper os cordões de defesa — um cenário similar ao visto em Adviivka e Bakhmut, que caíram após um longo e exaustivo período de combates, ao custo de milhares de vidas nas linhas de frente.
A chegada do outono no Hemisfério Norte, com terrenos hoje estáveis transformados em lamaçais, deve reduzir ou até paralisar os avanços da Rússia: serão semanas até que o terreno congele e permita, minimamente, avanços mais contundentes. Neste período, a expectativa é de que as forças ucranianas sejam alvo de ataques com mísseis e drones.
A defesa de Pokrovsk também dará sinais sobre o estado das forças ucranianas. Segundo Paroinen, caso os russos avancem sem dificuldades e tomem a cidade sem a resistência esperada, esse será um sinal de alerta máximo para Kiev e seus aliados no exterior.
— Se cair rapidamente, então isso realmente nos diz que a situação está muito ruim — disse Paroinen ao Kyiv Independent. — Eu ficaria mais observando o quão rápido, quão rápido as coisas se desenrolam e tirando algumas conclusões daí, sobre o quão ruim a situação está.
Fonte: O GLOBO
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