Venezuela relata apagão nacional no mesmo dia em que candidato da oposição pode ser alvo de mandado de prisão

Venezuela relata apagão nacional no mesmo dia em que candidato da oposição pode ser alvo de mandado de prisão

Administração chavista atribuiu a falha a uma 'sabotagem do sistema' e 'tentativa de golpe de Estado'; opositores responsabilizam o governo pela falta de investimento e corrupção

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa para a mídia ao lado após comparecer perante o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) — Foto: Federico Parra/AFP

Porto Velho, Rondônia - Um apagão registrado na madrugada desta sexta-feira deixou a Venezuela no escuro, incluindo a capital, Caracas, informou o governo do presidente Nicolás Maduro, que atribuiu a falha a uma "sabotagem do sistema e tentativa de golpe de Estado". 

O apagão nacional que, segundo o jornal espanhol El País, atingiu 80% do país, correu no mesmo dia em que o candidato opositor, Edmundo González Urrutia, pode enfrentar um mandado de prisão. O diplomata, que alega ter vencido as eleições presidenciais de 28 de julho, foi convocado a prestar depoimento nesta sexta — e, caso não compareça, como fez nas outras duas audiências em que foi convocado na última semana, o Ministério Público afirmou que emitirá um mandado.

— Houve sabotagens elétricas na Venezuela, sabotagens contra o sistema elétrico nacional, que afetaram quase todo o território nacional. Os 24 estados estão relatando, de maneira total ou parcial, a perda do funcionamento elétrico — afirmou o ministro da Comunicação, Freddy Ñáñez, ao canal estatal VTV. — Vivemos isso em 2019, e sabemos o quanto nos custou recuperar o sistema elétrico nacional desde então. Hoje estamos enfrentando isso com protocolos antigolpe porque é o que temos na Venezuela desde antes de 28 de julho, durante 28 de julho e nestes pouco mais de 30 dias que se passaram.

Os apagões são frequentes na Venezuela há uma década. O pior deles ocorreu em março de 2019 e se prolongou por pelo menos cinco dias, deixando o país no escuro. Regiões como Táchira e Zulia, outrora capital do petróleo, enfrentam cortes de eletricidade diariamente. O governo venezuelano normalmente atribui essas falhas a planos orquestrados pelos EUA e pela oposição para derrubá-lo. Dirigentes opositores e especialistas contrários à tese das sabotagens, porém, responsabilizam o governo pela falta de investimento, imperícia e corrupção.

'Perseguição política'

Após as eleições de 28 de julho, Maduro foi proclamado pela autoridade eleitoral como presidente reeleito para um terceiro mandato de seis anos com 52% dos votos, frente a 43% de González Urrutia. Horas após o primeiro boletim, manifestações estouraram em Caracas e outras cidades do país, inclusive em bairros pobres e historicamente chavistas. Enquanto os órgãos oficiais se recusam a divulgar as atas das mesas de votação, a oposição alega ter comprovantes de que González derrotou Maduro por ampla margem (67% contra 30%).

Agora, o Ministério Público do país investiga o ex-diplomata por supostamente ter cometido "usurpação de funções" e "falsificação de documento público" — crimes que, em teoria, podem acarretar a pena máxima de 30 anos de prisão. González, que completou 75 anos nesta quinta-feira, está escondido há três semanas e, nas últimas duas vezes em que foi intimado, disse que não compareceria ao tribunal porque a intimação "não tem garantias de independência" e do "devido processo legal".

"Se o senhor não comparecer perante esta promotoria na data indicada", diz a intimação, "será considerado que há risco de fuga (...) e de obstrução, de modo que o mandado de prisão correspondente será processado", continua o documento, que tem como foco o site no qual a oposição publicou as alegadas cópias das atas. O chavismo considera que os comprovantes divulgados foram "forjados", embora o Centro Carter, um dos poucos observadores internacionais do processo eleitoral venezuelano, tenha dito que as atas coletadas pelos opositores são "consistentes". O órgão já afirmou que González Urrutia venceu de maneira clara e "por uma margem intransponível".

Não está claro como o procedimento seguirá em meio ao apagão nacional. O ex-diplomata ainda não se pronunciou sobre a mais recente intimação, embora já tenha dito que o procurador-geral, Tarek William Saab, é um "acusador político". Não está especificado em que qualidade González foi convocado: a de acusado, testemunha ou perito, segundo a lei venezuelana, e juristas já classificaram o procedimento como irregular.

"A Plataforma Unitária Democrática da Venezuela denuncia ante o país e o mundo a perseguição judicial à qual está submetida nosso candidato presidencial Edmundo González Urrutia, que ganhou de forma esmagadora a última eleição presidencial do último 28 de julho", escreveu principal coalizão opositora no X. "A reiterada convocação do Ministério Público busca justificar um mandato de execução contra nosso candidato vencedor, para acentuar sua perseguição", acrescentou.

Além de pedir a prisão de González, Maduro solicitou o mesmo para María Corina Machado, a líder da oposição que foi impedida de concorrer na eleição presidencial após decisão do Tribunal Supremo da Venezuela, que em janeiro ratificou a inabilitação política da opositora por 15 anos. O mandatário chavista responsabiliza a dupla por atos de violência nos protestos pós-eleitorais, que deixaram 27 mortos, incluindo dois militares, quase 200 feridos e mais de 2,4 mil detidos, sendo pelo menos 100 deles menores de idade.

Nesta terça-feira, María Corina afirmou que seu advogado foi preso. Nas redes sociais, ela disse que "o regime de Nicolás Maduro sequestrou" seu "amigo e companheiro de causa Perkins Rocha", que é também seu "advogado pessoal, coordenador jurídico e representante do [partido] Vem Venezuela no CNE (Conselho Nacional Eleitoral)". De acordo com o partido opositor, Perkins foi levado "à força" por "indivíduos não identificados" em Caracas.

Na última sexta-feira, os Estados Unidos condenaram a decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, que um dia antes validou a contestada reeleição de Maduro, afirmando que todas as evidências apontam para a vitória de González. Em comunicado, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Vedant Patel, disse que a medida do órgão "carece totalmente de credibilidade" e que "a vontade do povo venezuelano deve ser respeitada".

Na sequência, dez países latino-americanos condenaram a decisão da Justiça venezuelana. Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai emitiram um comunicado conjunto, que ainda contou com assinatura dos EUA. As nações disseram rejeitar "categoricamente o anúncio" do TSJ, "que indicou ter concluído uma suposta verificação dos resultados do processo eleitoral de 28 de julho, emitido pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), e que pretende validar os resultados sem apoio do órgão eleitoral".

(Com AFP)


Fonte: O GLOBO

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