Após 1º semestre de alívio, consumidor terá aperto no crédito e inflação mais alta

Após 1º semestre de alívio, consumidor terá aperto no crédito e inflação mais alta

Parada no ciclo de queda de juros e preços maiores devem reduzir fôlego para consumo, dizem economistas

Porto Velho, Rondônia - A manutenção da taxa básica de juros (a Selic) pelo Banco Central (BC) em 10,5%, a segunda consecutiva, deverá produzir um aperto no crédito – que é, afinal, um dos objetivos da autoridade monetária quando mantém os juros elevados – num momento em que os empréstimos fecharam o primeiro semestre com ritmo de crescimento próximo a 10% sobre 2023.

Puxado pela queda nas taxas aos tomadores finais e por alguma melhora nos níveis de endividamento, o saldo das operações de crédito – tudo o que os tomadores devem às instituições financeiras – teve em junho uma alta de 9,9% no acumulado em 12 meses, informou o BC semana passada.

Em janeiro, a alta foi de 7,7%, na mesma base de comparação, sinalizando para uma aceleração do crescimento ao longo do primeiro semestre. E foi um dos elementos por trás do avanço da demanda doméstica na primeira metade do ano, especialmente do consumo das famílias.

Quando se considera as concessões de crédito, ou seja, os desembolsos de empréstimos efetivamente injetados na economia, houve um avanço 9,3% no acumulado em 12 meses no total, com alta de 7,3% nas operações com empresas e de 11,0% nas com famílias. Considerando apenas o "crédito livre", que não segue condições específicas determinadas em lei, o salto nessa base de comparação até junho ficou em 6,6% para as empresas e 16,5% para as famílias.

Agora, com a perspectiva de que os juros fiquem estabilizados neste segundo semestre, economistas ouvidos pelo GLOBO esperam um ritmo igual ou mais lento na alta das concessões, o que deverá arrefecer a demanda. Esse ritmo mais lento deverá atuar na contrabalança do mercado de trabalho, que segue surpreendendo positivamente na geração de empregos e no avanço da renda.

Juros menores até junho

Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), estima que as taxas médias para os tomadores finais até seguirão em queda, mas em ritmo bem inferior ao visto até aqui.

Em junho, a taxa média para as pessoas físicas com recursos livres – usada por economistas como referência para os juros tomados pela maioria das pessoas – ficou em 51,7% ao ano. É muito, mas está abaixo dos 54,2% ao ano de dezembro e dos 59,1% de junho de 2023. Para as empresas, a média ficou em 20,9% ao ano em junho, ante 22,8% um ano antes.

Bentes estima que ainda haverá alguma queda nessa taxa média para as pessoas físicas até dezembro, para em torno de 49% ao ano:

– É um cenário mais positivo? Até é, mas acho que não é suficiente para acelerar as vendas do varejo, não. Diante de um cenário com inflação de alimentos mais forte e juros com uma queda bem suave, é mais fácil revisar o desempenho do varejo para baixo do que para cima.

Emprego, renda, crédito e inflação

Segundo o economista da CNC, a dinâmica do consumo é marcada, principalmente, por três fatores: emprego e renda no mercado de trabalho, crédito e inflação.

Além da freada no crédito esperada para este segundo semestre, o alívio na inflação também parece ter ficado para trás, lembra Bentes. Ou seja, mesmo que os principais preços da economia não voltem a subir muito, o efeito do barateamento de alguns produtos e serviços, que pode abrir espaço para as famílias aumentarem o consumo, estaria perto do fim.

Para a economista Anna Carolina Gouveia, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apesar do crescimento do crédito e do impulso que o consumo das famílias deu à economia no primeiro semestre, ainda há entraves, que aparecem no Índice de Confiança do Consumidor (ICC), calculado pela entidade.

Situação financeira difícil

Anna Carolina chama a atenção, especialmente, para o subíndice que mede a percepção dos consumidores sobre sua situação financeira atual, que ficou em torno de 71 pontos em julho. São quase 30 pontos abaixo do nível de neutralidade (100 pontos) e abaixo também o ICC agregado, que ficou em 92,9 pontos em julho.

– Temos um cenário de situação financeira que é muito complexo e muito difícil para os consumidores, com um nível de endividamento muito elevado. Mesmo que ele tenha tido uma queda gradativa, ainda é muito elevado – afirma Anna Carolina, apontando a percepção sobre a situação financeira como um dos responsáveis para o ICC ter se mantido mais ou menos estável desde dezembro, quando se esperava um melhora.

Segundo o BC, o endividamento total das famílias com empréstimos financeiros ficou em 47,5% da renda total do país em junho. Em dezembro, era 47,7% e, em junho de 2023, 48,5%.

A economista do FGV Ibre lembra que o endividamento também é afetado pelo fim das quedas nas taxas de juros. E os dados de julho do ICC já mostram algum recuo, por enquanto apenas entre os consumidores de renda mais alta, no subíndice referente à intenção de compras de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos, os mais comprados a prazo.

Bancos com espaço para emprestar mais

Já na visão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da Febraban, entidade que representa os bancos no país, é possível que o ritmo de crescimento do crédito se mantenha até o fim do ano.

Isso porque o pior do endividamento e da inadimplência parece ter ficado para trás, ao mesmo tempo em que o avanço do emprego e da renda no mercado de trabalho sustenta a demanda por empréstimos, mesmo que os juros parem de cair.

– O endividamento deu uma melhorada, e tem o ciclo de expansão da renda – diz Sardenberg, lembrando que os bancos têm espaço para emprestar mais.

Circulação nas rudas do Saara, polo de comércio popular no centro do Rio: para Febraban, ciclo positivo de emprego e renda poderão sustentar expansão do crédito — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Um ponto positivo no caso do crédito para as empresas, completa Sardenberg, é que os piores temores do primeiro semestre de 2023, de que os problemas da Americanas e da Light poderiam contaminar o mercado como um todo, não se confirmaram:

– Os bancos estão em boas condições de ampliar o crédito, diminuíram as provisões (valores que separam em seus balanços para enfrentar calotes) e têm folga de capital.

Além disso, a ação do governo federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul, após as enchentes registradas em abril, via empréstimos do BNDES, também poderá impulsionar o crescimento do crédito até o fim do ano, lembra o economista Luiz Castelli, também da Febraban.


Fonte: O GLOBO

Postar um comentário

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem