Técnicos da Fazenda dizem que, pelas condições previstas na negociação, União vai pagar R$ 6 bilhões por cada cadeira no conselho
Porto Velho, Rondônia - A negociação comandada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para aumentar a participação do governo na Eletrobras está dividindo o governo Lula. O Ministério da Fazenda de Fernando Haddad não concorda com os termos acertados até agora para o acordo, por considerar que, do jeito que está, ele é ruim para a União e só beneficia a própria empresa.
Pelas contas da Fazenda, custaria ao governo R$ 12 bilhões obter duas vagas extras no conselho de administração da companhia – ou seja, R$ 6 bilhões por cadeira – ou seja, muito dinheiro em troca de pouco poder.
Por causa do impasse, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Eletrobras pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para prorrogar por mais 45 dias o prazo final para o fechamento do acordo.
A questão está no STF porque a AGU entrou com uma ação pedindo a revisão da privatização realizada por Jair Bolsonaro em 2022, alegando que seria inconstitucional o governo ter 43% das ações da Eletrobras e apenas 10% do poder de mando. Em abril, o ministro Kassio Nunes Marques, relator do processo, abriu um prazo de 90 dias para as partes chegar a um acordo.
As condições negociadas – e os motivos para o impasse – foram expostas nesta quinta-feira ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma reunião no Palácio do Planalto, da qual a Fazenda não participou.
Segundo o que foi acertado até agora entre o time do ministro Alexandre Silveira e o jurídico da Eletrobras, a União, que hoje tem apenas um dos nove conselheiros da companhia, passaria a ter três cadeiras de um novo conselho com dez integrantes. Hoje são sete conselheiros independentes, mais um do governo e o CEO, atualmente comandada por Ivan Monteiro. A União também ganharia uma vaga no conselho fiscal.
Em contrapartida, a Eletrobras anteciparia ao governo pagamentos para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em razão de um compromisso assumido na época da privatização. Além disso, devolveria as ações que detém na Eletronuclear à União, que pagaria cerca de R$ 6 bilhões pelos papéis.
O Tesouro também assumiria o papel de avalista dos empréstimos de R$ 6 bilhões da Eletronuclear com a Caixa Econômica Federal o BNDES para construir a usina de Angra 3. Hoje, quem garante esses empréstimos é a Eletrobras.
Esse último ponto é o que mais preocupa a Fazenda. A construção da usina de Angra 3, que está parada, deve custar R$ 21 bilhões, dos quais a Eletrobras hoje tem que pagar um terço, proporcionalmente à sua participação na empresa. Com a saída da Eletrobras de Angra, vista no mercado como um mico histórico, todo o ônus passaria para a União.
O time de Silveira, porém, afirma que as garantias só seriam executadas caso a Eletronuclear quebre ou não consiga honrar os empréstimos, e que o governo está trabalhando para financiar toda a obra de Angra 3 no mercado privado.
Outro ponto em que os técnicos da Fazenda não veem vantagem para a União no acordo com a Eletrobras é a antecipação dos pagamentos da CDE. Isso porque, segundo eles, o governo já tem duas propostas de instituições financeiras para comprar esses mesmos créditos nas mesmas condições que a Eletrobras.
Para completar, o valor estimado por Silveira em R$ 17 bilhões seria convertido em um desconto nas contas de luz nos anos de 2025 e 2026. Mas, para a Fazenda, seria um benefício artificial, uma vez que depois disso as contas de luz voltariam a aumentar. Pelo que está valendo hoje, a Eletrobras paga as parcelas da CDE até 2047.
O MME também contesta essa visão. Auxiliares de Silveira dizem as propostas de agentes do mercado são de antecipar apenas R$ 7 bilhões em créditos, enquanto a Eletrobras adiantaria ao governo R$ 25 bilhões entre 2025 e 2026.
Para essa ala do governo, com três cadeiras no conselho da Eletrobras – e mais uma no conselho fiscal, segundo o que está sendo discutido hoje – o governo teria condições de participar das discussões da empresa, influenciando mesmo sem ter maioria.
Reedição de embates
Na prática, a disputa entre a ala de Haddad e a de Silveira reedita embates já vistos na discussão sobre os dividendos da Petrobras e a sucessão na companhia, assim como a divergência em torno dos subsídios para usinas térmicas, inicialmente apoiados pelo Ministério de Minas e Energia. O tom adotado nos bastidores indica ainda que essa é uma briga que ainda vai se esticar por algum tempo.
Nesse caso, porém, ganhar espaço na Eletrobras é uma prioridade do próprio Lula, que passou a campanha de 2022 questionando a privatização e chegou a dizer que, se eleito, “rediscutiria” a privatização da Eletrobras pelo rival.
Desde que tomou posse, o presidente já classificou a desestatização como “bandidagem” e “crime de lesa pátria”. Mas desfazê-la não é uma alternativa viável, uma vez que o estatuto da companhia prevê que, para reestatizá-la, o governo teria que pagar 200% a mais pelas ações – a chamada cláusula “poison pill”, que forçaria uma operação na casa de centenas de bilhões de reais.
Foi por isso que Lula optou por pleitear ir ao Supremo para pedir mais espaço no conselho de administração. Seria uma forma de poder dizer que o governo voltou a ser “dono da Eletrobras”.
É com essa diretriz em mente que vem trabalhando Silveira, que já se notabilizou por ser quem "coloca o bode na sala" para cumprir as metas estabelecidas pelo presidente da República, mesmo que não sejam bem vistas nem no mercado e nem no governo.
Para a Fazenda, porém, o governo estaria pagando caro demais por muito pouco poder. A Eletrobras, que hoje é uma companhia de capital e controle pulverizados, fez seu preço para ceder ao governo um espaço que nunca pretendeu entregar. É como se dissesse a Lula que, já que ele faz tanta questão de entrar no conselho, que pague bem por isso. Agora cabe ao presidente decidir se esse é um preço que vale a pena.
Procurados, nem a Eletrobras e nem a Advocacia-Geral da União quiseram comentar o assunto.
Fonte: O GLOBO
Porto Velho, Rondônia - A negociação comandada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para aumentar a participação do governo na Eletrobras está dividindo o governo Lula. O Ministério da Fazenda de Fernando Haddad não concorda com os termos acertados até agora para o acordo, por considerar que, do jeito que está, ele é ruim para a União e só beneficia a própria empresa.
Pelas contas da Fazenda, custaria ao governo R$ 12 bilhões obter duas vagas extras no conselho de administração da companhia – ou seja, R$ 6 bilhões por cadeira – ou seja, muito dinheiro em troca de pouco poder.
Por causa do impasse, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Eletrobras pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para prorrogar por mais 45 dias o prazo final para o fechamento do acordo.
A questão está no STF porque a AGU entrou com uma ação pedindo a revisão da privatização realizada por Jair Bolsonaro em 2022, alegando que seria inconstitucional o governo ter 43% das ações da Eletrobras e apenas 10% do poder de mando. Em abril, o ministro Kassio Nunes Marques, relator do processo, abriu um prazo de 90 dias para as partes chegar a um acordo.
As condições negociadas – e os motivos para o impasse – foram expostas nesta quinta-feira ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma reunião no Palácio do Planalto, da qual a Fazenda não participou.
Segundo o que foi acertado até agora entre o time do ministro Alexandre Silveira e o jurídico da Eletrobras, a União, que hoje tem apenas um dos nove conselheiros da companhia, passaria a ter três cadeiras de um novo conselho com dez integrantes. Hoje são sete conselheiros independentes, mais um do governo e o CEO, atualmente comandada por Ivan Monteiro. A União também ganharia uma vaga no conselho fiscal.
Em contrapartida, a Eletrobras anteciparia ao governo pagamentos para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em razão de um compromisso assumido na época da privatização. Além disso, devolveria as ações que detém na Eletronuclear à União, que pagaria cerca de R$ 6 bilhões pelos papéis.
O Tesouro também assumiria o papel de avalista dos empréstimos de R$ 6 bilhões da Eletronuclear com a Caixa Econômica Federal o BNDES para construir a usina de Angra 3. Hoje, quem garante esses empréstimos é a Eletrobras.
Esse último ponto é o que mais preocupa a Fazenda. A construção da usina de Angra 3, que está parada, deve custar R$ 21 bilhões, dos quais a Eletrobras hoje tem que pagar um terço, proporcionalmente à sua participação na empresa. Com a saída da Eletrobras de Angra, vista no mercado como um mico histórico, todo o ônus passaria para a União.
O time de Silveira, porém, afirma que as garantias só seriam executadas caso a Eletronuclear quebre ou não consiga honrar os empréstimos, e que o governo está trabalhando para financiar toda a obra de Angra 3 no mercado privado.
Outro ponto em que os técnicos da Fazenda não veem vantagem para a União no acordo com a Eletrobras é a antecipação dos pagamentos da CDE. Isso porque, segundo eles, o governo já tem duas propostas de instituições financeiras para comprar esses mesmos créditos nas mesmas condições que a Eletrobras.
Para completar, o valor estimado por Silveira em R$ 17 bilhões seria convertido em um desconto nas contas de luz nos anos de 2025 e 2026. Mas, para a Fazenda, seria um benefício artificial, uma vez que depois disso as contas de luz voltariam a aumentar. Pelo que está valendo hoje, a Eletrobras paga as parcelas da CDE até 2047.
O MME também contesta essa visão. Auxiliares de Silveira dizem as propostas de agentes do mercado são de antecipar apenas R$ 7 bilhões em créditos, enquanto a Eletrobras adiantaria ao governo R$ 25 bilhões entre 2025 e 2026.
Para essa ala do governo, com três cadeiras no conselho da Eletrobras – e mais uma no conselho fiscal, segundo o que está sendo discutido hoje – o governo teria condições de participar das discussões da empresa, influenciando mesmo sem ter maioria.
Reedição de embates
Na prática, a disputa entre a ala de Haddad e a de Silveira reedita embates já vistos na discussão sobre os dividendos da Petrobras e a sucessão na companhia, assim como a divergência em torno dos subsídios para usinas térmicas, inicialmente apoiados pelo Ministério de Minas e Energia. O tom adotado nos bastidores indica ainda que essa é uma briga que ainda vai se esticar por algum tempo.
Nesse caso, porém, ganhar espaço na Eletrobras é uma prioridade do próprio Lula, que passou a campanha de 2022 questionando a privatização e chegou a dizer que, se eleito, “rediscutiria” a privatização da Eletrobras pelo rival.
Desde que tomou posse, o presidente já classificou a desestatização como “bandidagem” e “crime de lesa pátria”. Mas desfazê-la não é uma alternativa viável, uma vez que o estatuto da companhia prevê que, para reestatizá-la, o governo teria que pagar 200% a mais pelas ações – a chamada cláusula “poison pill”, que forçaria uma operação na casa de centenas de bilhões de reais.
Foi por isso que Lula optou por pleitear ir ao Supremo para pedir mais espaço no conselho de administração. Seria uma forma de poder dizer que o governo voltou a ser “dono da Eletrobras”.
É com essa diretriz em mente que vem trabalhando Silveira, que já se notabilizou por ser quem "coloca o bode na sala" para cumprir as metas estabelecidas pelo presidente da República, mesmo que não sejam bem vistas nem no mercado e nem no governo.
Para a Fazenda, porém, o governo estaria pagando caro demais por muito pouco poder. A Eletrobras, que hoje é uma companhia de capital e controle pulverizados, fez seu preço para ceder ao governo um espaço que nunca pretendeu entregar. É como se dissesse a Lula que, já que ele faz tanta questão de entrar no conselho, que pague bem por isso. Agora cabe ao presidente decidir se esse é um preço que vale a pena.
Procurados, nem a Eletrobras e nem a Advocacia-Geral da União quiseram comentar o assunto.
Fonte: O GLOBO
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