Mortes e prisões na Venezuela de Maduro não são suficientes para assustar Lula

Mortes e prisões na Venezuela de Maduro não são suficientes para assustar Lula

Afirmação de que está tudo normal na Venezuela sugerem que espanto com ameaça de banho de sangue não era para valer

Porto Velho, Rondônia - Quando o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que, se perdesse as eleições, haveria um banho de sangue em seu país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se disse assustado. Declarou, ainda, que o colega venezuelano precisava aprender a respeitar os resultados das eleições, porque só assim o país voltaria à normalidade.

Pois as eleições aconteceram sob o olhar próximo e atento de seu assessor especial Celso Amorim e Maduro declarou vitória quase que imediatamente sem sequer tornar públicas as atas de votação das seções eleitorais. A oposição também reivindicou a vitória, com base em um acervo de atas que conseguiram ao longo da votação e disponibilizaram de forma um tanto caótica na internet.

Nos dias seguintes, o país mergulhou em protestos e conflitos violentos que foram duramente reprimidos pela ditadura. O saldo já é de 12 mortos e pelo menos 84 feridos e 749 presos (o número de mortos é calculado por organizações sociais, o de feridos, com base em boletins de hospitais e o de presos foi fornecido pelo próprio governo).

Um líder oposicionista que já foi deputado foi sequestrado em casa pela polícia e o governo de Maduro se prepara para prender também a líder María Corina Machado e o candidato de oposição, Edmundo González Urrutia.

Sete embaixadores de nações que pediram a divulgação das atas eleitorais foram expulsos da Venezuela, que também retirou seus representantes do exterior.

Pode-se chamar esse quadro de crise, de caos, ou mesmo de "situação difícil", como fez Amorim, que desembarcou em Brasília na última terça-feira a tempo de acompanhar o telefonema do presidente brasileiro com o dos Estados Unidos, Joe Biden, a respeito da situação na Venezuela.

Só não dá para dizer o que disse Lula à afiliada da TV Globo no Mato Grosso ontem mesmo.

"Estou convencido de que é um processo normal, tranquilo. O que precisa é que as pessoas que não concordam tenham o direito de se expressar e dizer que não concordam e que o governo tem o direito de provar que está certo".

Lula ainda completou. "Não tem nada de grave, não tem nada de assustador. A imprensa faz parecer como se fosse a Terceira Guerra Mundial"

Curioso que lá atrás, a ameaça de um banho de sangue tenha deixado Lula assustado, e agora, quando ele veio, o presidente considere tudo normal e tranquilo. Parece que a declaração saiu da mesma gaveta mental de onde, no passado, o Lula tirou que a Venezuela é uma democracia porque faz muitas eleições, ou que o conceito de democracia é relativa.

Jogo de cena

Desse jeito, não há como não pensar que o espanto na semana passada serviu como jogo de cena para dar ao presidente a legitimidade de passar pano para Maduro, quando ele de fato cumprisse sua ameaça.

Depois da entrevista, interlocutores de Lula no Itamaraty se apressaram em garantir que a posição do Brasil de exigir as atas eleitorais não muda e que o presidente apenas teria sido infeliz no uso das expressões "normal" e "tranquilo".

Segundo esses auxiliares e diplomatas, o Brasil não pode ser agressivo em relação a Maduro, sob pena de perder as condições de negociar uma saída da crise. De fato, romper relações não ajuda a negociar. Lula, porém, não é um neófito. Ele sabe melhor do que ninguém que há diversas formas de fazer isso sem relativizar a ditadura ou minimizar o que está se passando nas ruas de Caracas.

Também há interlocutores de Lula ponderando que ele tentou se equilibrar entre a necessidade de pedir transparência nas eleições e a nota divulgada pela executiva nacional do PT que considerou a eleição na Venezuela "pacífica, democrática e soberana".

O PT diz ter a certeza de que "Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolás Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela".

Com base em que chegou a essa conclusão, não se sabe.

Se quisesse, porém, Lula poderia simplesmente discordar ou desautorizar o partido, da mesma forma que vários parlamentares petistas que se manifestaram contra Maduro ao longo do dia de ontem.

Não seria nem a primeira vez que Lula desconsidera a posição do PT em favor de seus próprios interesses. Se ele não o faz, talvez seja porque concorda com o partido. Pelo jeito, o que ele não quer é trair suas lealdades – que, como se vê, não são exatamente com os mortos, feridos e presos em protestos pela democracia, e sim com Maduro e a carcomida ditadura venezuelana.


Fonte: O GLOBO

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