Estratégia do governo Lula para turbinar meta de arrecadação com Carf não funcionou

Estratégia do governo Lula para turbinar meta de arrecadação com Carf não funcionou

Retomada do chamado voto de minerva no órgão que julga pendências tributárias não rendeu retorno projetado pela equipe econômica

Porto Velho, Rondônia - A retomada do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), aprovada no Congresso há quase um ano com forte empenho da articulação política do governo Lula para ampliar a arrecadação neste ano e cumprir a meta do déficit zero, se revelou um fiasco.

Em agosto passado, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, anunciou uma meta de arrecadação de R$ 168 bilhões em 2024 em relação ao arrecadado em 2023 para viabilizar o déficit zero, dos quais R$ 55,6 bilhões deveriam vir do Carf, graças o dispositivo que assegura à União o voto de desempate em disputas tributárias com contribuintes. Até agora, porém, o voto de qualidade não rendeu nenhum centavo.

A preferência do Fisco no desempate de julgamentos de contenciosos com contribuintes era tida como uma carta na manga da equipe econômica para ampliar a receita do governo, embora o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha definido o objetivo como “desafiador”.

Ela se baseava no fato de que as disputas pendentes de solução no Carf somam R$ 1,1 trilhão – na maioria de empresas de grande porte e cifras bilionárias. Mas, na última segunda-feira (22), a equipe econômica de Lula se viu obrigada a reduzir a meta de arrecadação via Carf até dezembro para R$ 37,7 bilhões.

Da nova projeção, R$ 19,8 bilhões têm origem em um acordo com a Petrobras, controlada pelo governo, para encerrar seus litígios no Carf.

O acerto, referendado pelo Conselho de Administração da companhia, foi a primeira decisão de grande porte da nova CEO, Magda Chambriard, que no seu discurso de posse se comprometeu a seguir a visão de Lula para a Petrobras. Se não fosse pela petroleira, a projeção do Carf seria de apenas R$ 17,9 bilhões – ou 32% da meta original, que já tinha sido recebida com muito ceticismo no mercado no ano passado.

Na última segunda-feira, ao apresentar a revisão das cifras, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, declarou que a frustração pela projeção não atingida se deu em função de burocracias e do prazo para os recursos em ações julgadas a favor do Fisco com perdão de multas e juros. O trâmite pode chegar a até seis meses.

Por esse motivo, ainda de acordo com Barreirinhas, o governo passou a contar com os valores no segundo semestre, considerando processos julgados a partir de fevereiro, quando o colegiado passou a julgar os casos relacionados à arrecadação extra. O secretário não descartou, inclusive, uma reavaliação da projeção no próximo relatório bimestral de receitas e despesas da Fazenda.

Só que esse risco não era desconhecido pelo governo. Tributaristas já vinham alertando para o fato de que essa meta dificilmente seria cumprida justamente em razão dos recursos e protelações permitidos pela lei, como já publicamos no blog.

A expectativa do governo na época era de que os estímulos ao pagamento das multas previstos na lei que restaurou o voto de qualidade, como o parcelamento de multas em até 12 meses e o perdão de multas e juros, evitariam a judicialização. Mas especialistas do setor viram excesso de otimismo por parte do Fisco, já que outras iniciativas similares do Carf no passado, como o Programa Litígio Zero, não tiveram efeito.

Contingenciamento

A revisão da arrecadação é um grande revés para Fernando Haddad, que anunciou na semana passada um contingenciamento de R$ 15 bilhões para adaptar as contas ao arcabouço fiscal, e agora trava dentro do governo uma disputa sobre quais setores sofrerão os maiores cortes.

Se a meta de arrecadação com o voto de qualidade tivesse sido cumprida, o governo teria garantida uma receita de R$ 17,9 bilhões que não vieram. Agora, terá de cortar na carne para respeitar o arcabouço, tarefa nada simples em ano eleitoral.

O cenário deve se tornar ainda mais desafiador, já que no relatório bimestral atualizado de receitas e despesas da Fazenda, divulgado na última segunda, o governo projetou um crescimento de R$ 11,3 bilhões nos gastos com a Previdência e previu um rombo de R$ 32,6 bilhões, valor acima do teto de R$ 28,8 bilhões estimado para que o déficit zero seja cumprido.

Nós procuramos o Ministério da Fazenda e questionamos por que o voto de qualidade não viabilizou a meta fixada no orçamento deste ano, mas não recebemos retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.

Também fizemos as mesmas indagações à Receita Federal, que reiterou as declarações do secretário Robinson Barreirinhas na coletiva de imprensa da última segunda-feira.

Conforme publicamos no blog em setembro do ano passado, a projeção do governo era encarada com forte ceticismo entre analistas e advogados tributaristas que lidam com processos do Carf. Entre os principais motivos estava a falta de clareza sobre os critérios técnicos para a fixação da meta de R$ 55,6 bilhões e, em especial, os prazos de recursos de contribuintes em casos favoráveis ao Fisco.

A expectativa era que o valor de R$ 1,1 trilhão represado em 2023 deslanchasse com decisões em série do Carf em prol do governo. Isso porque, por lei, o conselho deve julgar os casos priorizando as maiores cifras.

O objetivo de retomar o voto de qualidade, abertamente admitido por Haddad, também foi alvo de questionamentos, uma vez que o Carf é um conselho independente e não um órgão arrecadatório. Por esse motivo, o dispositivo havia sido extinto pelo Congresso em 2020, durante o governo Jair Bolsonaro.

O conselho é composto por 130 conselheiros, entre representantes da União, como auditores fiscais da Receita, e dos contribuintes, em geral na figura de confederações de setores econômicos e sindicatos.


Fonte: O GLOBO

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