'Governo também tem culpa’, diz ministro do TCU sobre subsídios que surpreenderam Lula

'Governo também tem culpa’, diz ministro do TCU sobre subsídios que surpreenderam Lula

Vital do Rêgo, relator das contas do primeiro ano do terceiro mandato de Lula, defende limitar renúncias fiscais, diz acompanhar ‘com lupa’ o arcabouço fiscal e vê redução no déficit na Previdência se gasto com militares fosse considerado assistência social

Porto Velho, Rondônia - Sob pressão para equilibrar as contas públicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a ministros ter ficado “mal impressionado” com o aumento de subsídios na economia, que chegaram a R$ 519 bilhões em 2023. Para o ministro Vital do Rêgo, relator das contas do ano passado no Tribunal de Contas da União (TCU), a própria gestão do petista tem parte da responsabilidade pela situação.

Relatório da corte aponta que foram 32 desonerações tributárias instituídas ou prorrogadas no ano passado, somando R$ 213,6 bilhões em renúncias com validade até 2026. O governo foi autor de 14 delas. A prorrogação da desoneração sobre os combustíveis e o incentivo para compra de veículos sustentáveis são exemplos.

O parecer da prestação de contas de 2023 ainda destaca que Lula sancionou projetos do Congresso sem atender à devida adequação fiscal, mesmo após alertas em anos anteriores.

O relatório trouxe um alerta sobre renúncias fiscais. Em 2023, foram criadas 32. De quem foi a iniciativa?

Começa com o Executivo. Quando chega no Legislativo, o Legislativo entende por ampliar para outros setores. Até por força de lei constitucional, elas são originárias do Poder Executivo, mas são alteradas legitimamente pelo Congresso Nacional.

Desde a apresentação do relatório, o governo afirma ser necessário combater o elevado nível de renúncias fiscais. Há responsabilidade do governo na criação desses incentivos?

Exato, sempre pontuei que não cabe a mim dizer se deve ou não renunciar. Mas cabe a mim e ao tribunal analisar se aquela renúncia tem uma contrapartida, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Eu acho que a renúncia é uma política pública de incentivos em determinada área, então é normal, mas tem de ser compensada.

Então o senhor acha que o governo também tem culpa no cartório?

A mesma coisa que o Congresso. As responsabilidades são de ambos. Eles não podem renunciar ou desonerar sem ter mecanismo compensatório, está na lei, na LRF.

Como funcionaria o limite prudencial que o senhor colocou como sugestão no relatório?

Seria uma sugestão ao Congresso e ao governo para analisar a possibilidade de a equipe econômica criar um limite prudencial com um percentual de 2% de acordo com a arrecadação anual, com a receita corrente líquida.

Além disso, também tem uma sugestão de não criar ou ampliar renúncias enquanto tiver déficit primário?

Isso. Um outro estudo que a gente pediu foi uma clara menção aos resultados econômicos que a renúncia tem. O tribunal vai monitorar, essa é a nossa responsabilidade, quais são os efeitos dessas políticas tributárias para o cidadão brasileiro. Porque diminui a arrecadação, concentra responsabilidade para ser dividida por todos, a fim de beneficiar um setor específico.

Houve também um destaque no relatório para o déficit da Previdência e para o regime dos militares, que têm o maior déficit per capita. Qual seria a solução?

Os militares chamam de proteção social. Só que essa proteção social teria que estar no orçamento da assistência social, como a Previdência rural. Em 1988, todas as pessoas que moravam no campo foram automaticamente, a partir de 60 anos, aposentadas, sem nunca terem contribuído.

Em 2023, 60% do déficit do RGPS (Regime Geral da Previdência Social), que foi de R$ 315,7 bilhões, veio da previdência rural. Esse buraco do RGPS poderia ser cortado em mais da metade se esse custo fosse para assistência social. Esse é um dinheiro que o governo dá, como o Bolsa Família.

E os militares?

Tem R$ 49,7 bilhões de déficit da Previdência dos militares. Eu acho que o Congresso e o governo têm que dizer se é Previdência ou se é proteção social. Porque os militares entendem que é a proteção social, que eles são uma categoria diferenciada.

Então também não deveria estar no orçamento da Previdência?

Não. Assim já se chegaria à metade do déficit da previdência, de R$ 428 bilhões. Tem também o Fundo Constitucional do Distrito Federal, que são mais R$ 8 bilhões, e o regime dos servidores, mais R$ 54,8 bilhões. Se for discutir o déficit da Previdência sem separar as coisas e botar tudo no mesmo cesto, vai se continuar com a ideia de que a Previdência é deficitária.

Não adianta fazer reforma, porque só vai exigir do trabalhador que trabalhe ainda mais. Vai chegar ao ponto que o trabalhador vai ter de trabalhar até 80 anos para poder ter o direito à Previdência. Por que se estica a corda para ele trabalhar mais, para ele contribuir mais, sendo que é um problema contábil?

O senhor acha que a reforma realizada em 2019 foi suficiente?

Eu acho que a reforma está boa. O que não faz sentido é colocar na Previdência as coisas que são da assistência social, como os militares e o aposentado rural. A conta não fecha. Na última reforma, não enfrentaram os militares. O Brasil tem que entender o que quer.

Se quiserem colocar os militares na Previdência, então tem de cobrar a alíquota que cobra dos demais cidadãos. Se entender que é uma carreira que precisa ter um tratamento diferente, o Brasil tem que pagar por isso.

O senhor avalia que uma solução para a Previdência seria desvincular o salário mínimo das aposentadorias?

São o governo e o Congresso que têm de avaliar. É um custo altíssimo se for desvincular isso. Há um debate também sobre desvincular o Orçamento dos limites constitucionais de saúde e educação. Eu acho que houve uma maturidade no Brasil em termos de espaço fiscal que se chegou a essa vinculação. O Orçamento do Brasil é profundamente engessado.

Como o senhor avalia o cumprimento do governo do novo arcabouço fiscal? Há críticas sobre possíveis brechas em algumas medidas apoiadas pelo Executivo.

O tribunal acompanha com um olhar muito apurado a adequação de algumas iniciativas ao que se chama de arcabouço fiscal. Se não houver justificativas absolutamente plausíveis, que passem pelo tribunal o seu referendo, torna-se profundamente precipitado qualquer iniciativa que não seja construída em cima de fatos consolidados, inadiáveis, e com a anuência do tribunal de contas.


Fonte: O GLOBO

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