Ministério dos Direitos Humanos já preparou retorno de colegiados que trata sobre crimes durante a ditadura, travado pelo governo para não desagradar militares
Em meio ao impasse sobre a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), o Ministério de Direitos Humanos, chefiado por Silvio Almeida, afirmou ao Ministério Público Federal (MPF) que a pasta já tomou todas as medidas para recriar o grupo. A decisão final, no entanto, cabe ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda não bateu o martelo sobre o tema.
Entre o vai e vem de pareceres entre órgãos do governo, há um desconforto entre Almeida e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, como informou o colunista Lauro Jardim.
Também cabe ao ministro palaciano analisar a recriação da comissão, tema incômodo às Forças Armadas, com quem o presidente tenta apaziguar os ânimos após as denúncias envolvendo oficiais em tramas golpistas e desconfiança pela proximidade de militares com o bolsonarismo.
Em ofício encaminhado ao MPF do Distrito Federal na semana passada, o Ministério dos Direitos Humanos diz que abriu procedimento administrativo interno, “em que foram elaboradas as análises técnicas e jurídicas, assim como a documentação preparatória com objetivo de instruir a retomada da CEMDP.” Também acrescentou que não havia mais “tarefas pendentes” na pasta em relação à recriação" do colegiado.
Criada em 1995 no governo Fernando Henrique e extinta no final de 2022, na gestão de Jair Bolsonaro, a comissão trata de desaparecimentos e mortes de pessoas em razão de atividades políticas durante a ditadura militar.
Queda de braço
Em março, o MPF recomendou ao governo que os trabalhos da comissão sejam retomados. O prazo para que o ministério respondesse terminou domingo. O órgão também orientou que sejam destinados recursos humanos e financeiros para o funcionamento da comissão “além de medidas que garantam a permanência da instância colegiada até que todas suas competências legais sejam finalizadas”.
Na última sexta-feira, a Casa Civil recebeu um parecer do Ministério da Justiça e Segurança Pública favorável à retomada da comissão. A pasta tinha até ontem para encaminhar o documento para a sua Secretaria de Assuntos Jurídicos. Após a análise, ele seguirá para despacho de Lula.
Almeida quer pressa na análise do processo de recriação pela Casa Civil, entre outros motivos, para cumprir uma promessa feita por ele em março do ano passado. Já Rui Costa não tem se movimentado para terminar a análise, segundo Lauro Jardim, porque o governo Lula não quer, neste momento, mexer num assunto que desagrada os militares. A questão enfrenta forte resistência nas Forças Armadas, ao ponto de o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo, declarar que o retorno do colegiado é “completamente desnecessário” e falar que não se pode “olhar o país pelo retrovisor”.
O parecer favorável ao retorno da comissão dado na sexta-feira pelo Ministério da Justiça foi um ato meramente burocrático. A medida já havia sido tomada na gestão de Flávio Dino, mas a Casa Civil pediu que a pasta, agora sob o comando de Ricardo Lewandowski, explicitasse novamente a sua posição, que foi a de ratificar a reinstalação da comissão, que visa a reconhecer vítimas da ditadura, localizar corpos desaparecidos e indenizar suas famílias.
No governo, considera-se que Almeida está “forçando a barra”, de acordo com palavras de um ministro que acompanha de perto o tema.
A posição oficial do Ministério da Defesa é favorável à recriação da comissão. Nos bastidores, porém, os militares de alta patente avaliam que “é melhor deixar as coisas se acalmarem” — ou seja, que as investigações e processos relativosao 8 de Janeiro sejam encerrados.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade registrou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas durante a ditadura. Um dos objetivos da nova comissão será retomar a identificação de ossadas encontradas no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo.
Fonte: O GLOBO
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