PF reúne provas de financiamento e contraria tese de organização espontânea dos atos golpistas

PF reúne provas de financiamento e contraria tese de organização espontânea dos atos golpistas

Os passos mais recentes das investigações revelam o avanço sobre patrocinadores e mentores da investida antidemocrática

Os passos mais recentes da Polícia Federal nas investigações sobre a ofensiva antidemocrática revelam o avanço sobre financiadores e mentores da tentativa de golpe de Estado que culminou na invasão e depredação das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), pareceres da Procuradoria-Geral da República (PGR) e relatórios da PF apresentam documentos, mensagens e outras provas que contrariam a tese de uma organização espontânea, defendida por investigados.

Na última semana, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que determinou a operação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados, trouxe os indícios mais fortes até o momento de uma organização com antecedência. As apurações indicam o conhecimento prévio e apoio de alguns dos nomes mais próximos ao então presidente.

Segundo a investigação, os atos partiram da “arregimentação e do suporte direto” do grupo ligado a Bolsonaro, suspeito de participar da tentativa de ruptura constitucional. A linha foi reforçada por conversas e áudios obtidos pela PF. Um dos diálogos mostra o major Rafael Martins de Oliveira, que foi preso, pedindo orientações ao tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, sobre recursos financeiros para levar “pessoas” do Rio a Brasília e locais para a realização das manifestações. A conversa ocorreu dias antes de atos bolsonaristas convocados em novembro de 2022.

Pedido de R$ 100 mil

Martins queria saber se deveria direcionar o ato à Praça dos Três Poderes e pergunta se as Forças Armadas permitiriam a permanência de manifestantes nesses locais. Mauro Cid responde: “CN e STF” , em referência ao Congresso e ao Supremo, e em seguida diz “vão”, sinalizando anuência dos militares. O ato acabou ocorrendo em frente ao Quartel-General do Exército.

Em outro diálogo, Cid pede uma estimativa com hotel, alimentação e material. “100 mil?”, pergunta, explicando: “Para trazer um pessoal do Rio”. Martins responde que está com as necessidades iniciais e que “aquele valor de 100 se encaixa nessa estimativa”. Ao encaminhar um arquivo, sugere: “Depois apaga”.

No parecer, a PGR destacou que as investigações indicam que Martins “atuou de forma direta no direcionamento dos manifestantes para os alvos de interesse dos investigados” e realizou a “coordenação financeira e operacional para dar suporte aos atos antidemocráticos e arregimentar integrantes das Forças Especiais do Exército, para atuar nas manifestações, que, em última análise, não se originavam da mobilização popular”.

A suspeita é que os R$ 100 mil solicitados a Cid tenham se destinado a um grupo de oficiais das Forças Especiais do Exército, os “kids pretos”, com quem auxiliares de Bolsonaro se reuniram nos meses que antecederam o 8 de Janeiro. Esse grupo de militares teria incitado as invasões das sedes dos três Poderes e direcionado a multidão.

A defesa de Bolsonaro afirma que ele nunca “atuou ou conspirou” contra a democracia, enquanto os advogados de Cid alegam que nenhum valor foi pago e que ele explicará as mensagens à PF se for intimado para um novo depoimento. A defesa de Oliveira não foi localizada. Em nota no dia da operação, o Exército disse que acompanha o caso “prestando todas as informações necessárias às investigações”.

Em outra frente do financiamento, um áudio enviado por Cid, no dia 16 de novembro, reforçou o papel de empresários do agronegócio. Na gravação, ele afirma que “empresários do agro” que “estão financiando, colocando carro de som em Brasília” tiveram bens bloqueados e foram chamados a depor. Na época, Moraes havia determinado o bloqueio de contas ligadas a 43 empresários, além de marcar os depoimentos.

Outro diálogo descoberto no curso das investigações vai na mesma linha. Uma das investigadas, que esteve no QG do Exército, abordou o apoio de empresários do setor para três mil ônibus direcionados a Brasília às vésperas dos atos de 8 de janeiro:

“Pessoal do agro lá de Goiânia, dos arredores de Brasília e tudo. O agro botou aí um apoio aí pra três mil ônibus. Não sei como que eles vão sair. Pessoal tá combinando de chegar em diversos horários... O negócio tá grande. Tá bonito”.

Em outra operação, um empresário do setor logístico também foi alvo. Segundo as investigações, ele teria financiado ônibus para levar manifestantes a Brasília e participado ativamente da orientação de movimentos golpistas junto a outras lideranças.

A participação de empresários no apoio aos golpistas acampados nos quartéis também foi apontada por CPI no Congresso. O relatório final apresentado pela comissão relatou o financiamento por meio do fornecimento de alimentos, água e até banheiros químicos. De acordo com o colegiado, um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) identificou que 103 ônibus que chegaram a Brasília foram contratados por 83 empresários e 13 organizações empresariais, principalmente das regiões Sul e Sudeste. Em outro exemplo, um pastor de Santa Catarina também chegou a ser preso, suspeito de financiar os atos, mas depois foi solto por decisão do STF.

O braço da apuração sobre incitadores e financiadores alcançou também o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição na Câmara. Para a PGR, ele tinha o “poder de ordenar movimentações antidemocráticas” no Rio. As investigações mostraram ligação do parlamentar com Carlos Victor de Carvalho, apontado como uma liderança de grupos de extrema direita em Campos dos Goytacazes, no Norte fluminense. Ele chegou a ser preso sob suspeita de financiar ônibus que foram a Brasília, mas foi solto.

Em uma mensagem enviada a Jordy, em 1º de novembro de 2022, em meio ao bloqueio de rodovias em todo o país, Carvalho se refere ao deputado como “meu líder”, pede direcionamento e diz que Jordy tem “poder de parar tudo”.

'Grupos financiados'

“As condutas dos investigados noticiadas pela Polícia Federal ocorreram no curso dos atos antidemocráticos, nos quais grupos — financiados por empresários — insatisfeitos com o legítimo resultado do pleito, com violência e grave ameaça às pessoas, passaram a bloquear o tráfego em diversas rodovias do país, com o intuito de abolirem o estado democrático de direito, pleiteando um ‘golpe militar’ e o retorno da Ditadura”, escreveu Moraes na decisão da operação que atingiu Jordy e outros alvos.

O deputado negou ter incitado ou financiado qualquer ato golpista e afirmou que foi alvo de uma ação “autoritária”. A defesa de Carvalho disse que ele não cometeu qualquer irregularidade, que sequer estava em Brasília no 8 de Janeiro e apenas participou da campanha eleitoral de Jordy.

Até o momento, as condenações relacionadas aos atos antidemocráticos atingiram apenas executores. Em dezembro passado, a PGR apresentou a primeira denúncia contra um financiador. O acusado é um morador de Londrina (PR) que teria fretado quatro ônibus para o transporte de 108 apoiadores de Bolsonaro para Brasília, em contratos no valor total de R$ 59,2 mil. Em janeiro, em entrevista ao GLOBO, Moraes reforçou que o inquérito está avançando para descobrir financiadores e mentores dos ataques:

— A ordem de vários financiadores era que deveriam vir, invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma GLO (decreto de Garantia da Lei e da Ordem) para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam convencer o Exército a aderir ao golpe.




Fonte: O GLOBO

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