Desde o escândalo Cambridge Analytica, que revelou uso de dados de usuários da plataforma em marketing político direcionado, 160 países já criaram leis de privacidade. Brasília está atrasada na regulação
Essa revelação, em 2018, obrigou um redesenho dos termos de serviço da plataforma e estimulou leis pelo mundo para regular a privacidade e o uso de dados pelas redes sociais.
O escândalo mostrou uma influência da rede na vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas e do Brexit, a campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia (UE), em 2016. E revelou como o cruzamento de informações que os usuários dão todos os dias às redes sociais pode ser usado para estratégias comerciais e políticas personalizadas, com forte poder de persuasão.
Identificados os perfis de eleitores indecisos, por exemplo, foi possível direcionar conteúdos aos mais suscetíveis a mudar de opinião ou a acreditar em teorias da conspiração.
De lá para cá, 160 países já têm regulamentos para proteger a privacidade de dados, segundo relatório do pesquisador David Banisar, da London School of Economics (LSE).
A Alemanha saiu na frente, mas a principal resposta ao escândalo veio da Regulação Europeia de Proteção de Dados (GDPR), que foi aprovada em maio de 2018 e serviu de base para a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil, dois anos depois. Em 2022, a UE proibiu a publicidade direcionada por definição de perfis a partir de opiniões políticas.
Marcha lenta no Brasil
Para especialistas, o maior risco agora está na moderação de conteúdo e no combate às notícias falsas, que podem ser turbinadas pela inteligência artificial (IA), gerando imagens e vídeos manipulados (deepfakes), desinformação e ataques de engenharia social mais sofisticados. A UE fechou em dezembro um acordo provisório com regras para disciplinar o uso de IA.
No Brasil, há quatro anos debatendo um projeto para regulamentar o uso de redes sociais, deputados e senadores querem avançar neste ano com o projeto de lei conhecido como PL das Fake News, às vésperas das eleições municipais. O avanço do uso de IA em casos recentes de notícias falsas assusta, mas também divide os políticos, usuários cada vez mais intensivos das redes. Além disso, as big techs fazem forte lobby contrário.
A Câmara chegou a aprovar a urgência do projeto, mas, após forte pressão da oposição e de big techs, a votação foi adiada. Há ainda muitos pontos sem consenso no texto, como o pagamento de artistas por conteúdos veiculados em streaming. Outro trecho em questão é sobre qual seria a agência responsável por regular as redes.
— Vamos voltar a falar sobre o tema na retomada das atividades da Câmara (após o recesso, nesta semana) — diz o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do PL das Fake News.
Durante as negociações, Orlando Silva chegou a aceitar a inclusão de um artigo para deixar explícito que a liberdade religiosa não será afetada pelo projeto. Apesar das divergências, mesmo entre parlamentares que defendem mais tempo de debate, há pontos de consenso.
O líder do PL, deputado Altineu Côrtes (RJ), já afirmou, por exemplo, que apoia que empresas de tecnologia remunerem veículos jornalísticos por seus conteúdos e a previsão de maior transparência aos anúncios veiculados nas plataformas.
Caso seja aprovado pela Câmara, o projeto precisará voltar ao Senado, onde foi aprovado em 2020, porque foi alterado pelos deputados. O senador Angelo Coronel (PSD-BA) será o relator do projeto, cujo texto original é de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
— Espero que avance sim. É uma necessidade óbvia — diz Vieira. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também pretende avançar com o tema logo após o recesso. Ele entende que é papel do Congresso tratar da regulação. Já no Senado, a intenção é avançar com a Comissão Temporária de Inteligência Artificial prorrogada no fim do ano passado e tida como uma das bandeiras do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
— A inteligência artificial é revolucionária do ponto de vista de inclusão e esses ajustes que são propostos, todos nasceram da necessidade do uso com civilidade, segurança, liberdade, mas também com um ponto de vista dos efeitos de uma rede social altamente influente na vida das pessoas — afirma o relator da comissão do Senado, senador Eduardo Gomes (PL-TO).
Há ainda em tramitação no Senado, o Código Eleitoral, um projeto de mais de 800 artigos que também prevê regulamentação do uso das redes em campanhas eleitorais, porém, ainda não há perspectiva desse projeto avançar.
Como O GLOBO publicou em janeiro, a temporada de fake news eleitoral já começou no país. Em ao menos três estados — Amazonas, Rio Grande do Sul e Sergipe —, a polícia investiga suspeitas de uso de inteligência artificial para criar áudios falsos de prefeitos que devem tentar a reeleição e de um deputado federal envolvido na pré-campanha da mulher do chefe de executivo municipal, que também deve buscar a recondução ao cargo.
Diante desses avanços em ano eleitoral, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, já sinalizou que o tema é prioridade. Ele pediu no início do ano para que o Congresso crie uma legislação específica para responsabilizar quem utiliza a tecnologia para tentar influenciar de forma irregular o voto de eleitores.
Moraes também defendeu a cassação e inelegibilidade de candidatos que utilizarem inteligência artificial para desvirtuar o debate eleitoral.
Fonte: O GLOBO
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