Passageiros que escaparam à colisão na cordilheira tiveram que comer partes dos corpos dos companheiros mortos, à espera de socorro
Da queda de um avião nos Andes, em outubro de 1972, sobreviveram apenas 29 dos seus 45 ocupantes. Mas apenas 16 entre aqueles que milagrosamente escaparam à colisão na cordilheira coberta de neve conseguiram ser resgatados, 72 dias depois. À espera do socorro, eles tiveram que comer partes dos corpos dos companheiros mortos. Hoje, 14 ainda são vivos.
O avião fretado partira de Montevidéu, no Uruguai, rumo a Santiago, no Chile, levando 19 integrantes do time de rugby Old Christians Club, juntamente com amigos, parentes e cinco membros da tripulação. A maior parte dos passageiros estava na casa dos 20 anos de idade e hoje, cinquenta e um anos depois da tragédia, passaram dos 70.
Reunião de sobreviventes da tragédia dos Andes — Foto: Reprodução/Instagram
Resgatados da montanha, os sobreviventes retomaram a vida, formaram-se na faculdade, constituíram família. Alguns deles passaram a falar sobre o acidente, como porta-vozes do Milagre dos Andes. Os relatos subsidiaram a elaboração de dezenas de livros e filmes sobre o caso, a exemplo de "Sociedade da Neve", do cineasta espanhol J.A. Bayona. Indicada ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, a produção estreou este mês na Netflix.
Sobreviventes da tragédia dos Andes em Festival de Cinema de Veneza — Foto: Reprodução/Instagram
Veja o destino de alguns dos sobreviventes da tragédia:
Dois dos sobreviventes — José Luis Iniciarte e Javier Methol — faleceram anos após o resgate nos Andes. Methol faleceu em junho de 2015. Ele era casado com Liliana Menthol, que também viajava com o grupo e não resistiu a uma avalanche no local. Já Iniciarte morreu em julho do ano passado. Ao longo da vida, ele se tornara um dos maiores produtores de leite do Uruguai.
Fernando Parrado perdeu a mãe, Eugenia, e a irmã, Suzy, na tragédia dos Andes. Depois do resgate, ele voltou a Montevidéu e tornou-se um dos rostos mais conhecidos do grupo. Trilhou carreira no automobilismo, com atuação na equipe Alfa Romeo por torneios da Europa, até se lançar como apresentador e produtor de televisão.
Roberto Canessa, além de retomar carreira no rugby (e chegar até à seleção nacional do esporte), ele se formou em Medicina. Especializou-se em cardiologia infantil e passou a lecionar em universidades. Em 1994, concorreu nas eleições presidenciais pelo Partido Azul, mas saiu derrotado. É um dos rostos mais conhecidos entre os sobreviventes.
Carlos Páez Rodríguez atuou como técnico agrônomo e publicitário. Ao longo das últimas décadas, relatou a luta contra o vício em drogas e álcool.
Antonio Vizintin virou palestrante e empresário, no segmento da indústria química. Roberto François, o Bobby, manteve um rancho, no qual atua com agropecuária.
Primos de Eduardo, Adolfo Strauch hoje é fazendeiro e cria gado e Daniel Fernández, formado em agronomia, virou empresário em ramos como tecnologia.
Gustavo Zerbino também chegou a ser escalado para a seleção nacional de rugby e virou cartola do esporte, à frente da Unión de Rugby del Uruguay. Zerbino atuou, ainda, no ramo farmacêutico e tabalhou como presidente de uma empresa química.
Alfredo Delgado virou advogado. Já Roy Harley, engenheiro industrial. Eduardo Strauch, por sua vez, enveredou pela arquitetura e pelas artes plásticas.
Álvaro Mangino chegou a morar no Brasil durante anos. De volta ao país natal, tornou-se conselheiro do time de rugby Old Christians Club. Ramón Sabella foi viver no Paraguai e passou a atuar como empresário e palestrante.
José Pedro Algorta formou-se em Economia e se mudou para a Argentina antes de abrir uma consultoria e voltar para o país natal.
O que restou no local no acidente
O Vale das Lágrimas, cenário do acidente em que uma aeronave transportando 45 pessoas despencou no Chile e onde os sobreviventes permaneceram por semanas, ainda fascina turistas de todo o mundo. Mesmo 51 anos mais tarde, aventureiros se arriscam a explorar a Cordilheira dos Andes, tentando replicar o mesmo caminho que Roberto Canessa e Nando Parrado trilharam até encontrar ajuda. Em expedições ao longo de todos esses anos, amigos, familiares e turistas conseguiram trazer de volta alguns pertences dos passageiros, mas ainda há muitos itens enterrados no local.
Aqueles que conseguiram ou menos tentaram percorrer os mesmos 38 quilômetros concordam: sobreviver demandou um esforço surpreendente, sobretudo considerando que Canessa e Parrado tiveram que enfrentar o frio e a fome, além de lidar com a decisão de devorar os mortos para não morrer de inanição.
A sociedade da neve: desastre de avião que chocou o mundo há 50 anos é contado com apoio de sobreviventes em filme da Netflix — Foto: Divulgação
Por conta do percurso desafiador e das condições atmosféricas extremas dos Andes, muitos objetos pessoais dos passageiros, assim como peças da aeronave, permanecem no local e se tornaram um verdadeiro santuário para as vítimas.
Demais itens, recolhidos pelas Forças Armadas ou em expedições posteriores de amigos e familiares dos passageiros, foram destinados ao Museu dos Andes, no Uruguai.
Ao jornal argentino Clarín, o guia mexicano Ricardo Peña disse ter encontrado, em sua primeira visita ao Vale, em 2005, o blazer de Eduardo Strauch, um dos sobreviventes. Também descobriu uma bolsa enterrada na neve, com US$ 100 e um passaporte.
Mas a maior parte da fuselagem da aeronave, que serviu de abrigo aos sobreviventes durante 72 dias, ficou enterrada no gelo.
Segundo o jornal, no local do acidente, as equipes de resgate encontraram um trem de pouso com duas rodas (que segue no mesmo lugar), parte dos assentos, um apoio de braço, as capas dos assentos com que os sobreviventes se cobriram e algumas roupas, como calças, meias e camisas.
O suporte onde ficava localizada a antena Collins, que captava sinais de rádio chilenos, também permanece no mesmo lugar. Subindo a montanha, restaram alguns pedaços da fuselagem e do trem de pouso dianteiro, fora parte das janelas e da hélice.
Fonte: O GLOBO
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