Para Octavio Amorim Neto, incertezas no Congresso em 2024 não seriam brecadas por reforma em Esplanada já dominada por partidos à direita do PT
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou o primeiro ano de seu terceiro mandato emparedado pelo Centrão e já sob a expectativa de uma reforma ministerial nos próximos meses. Mas integrantes do Palácio do Planalto têm sinalizado que eventuais alterações na Esplanada dos Ministérios perderam força já nas primeiras semanas de 2024, à exceção da confirmação de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça e Segurança Pública no lugar de Flávio Dino.
Mesmo que ampliasse a participação do bloco na Esplanada, Lula dificilmente mudaria de forma substancial o quadro político atual a ponto de diminuir o clima de incertezas no Congresso.
A análise é do cientista político Octavio Amorim Neto. Em entrevista à equipe do blog, o professor da Fundação Getúlio Vargas salienta que Lula se tornou ainda mais vagaroso na deliberação de temas da arena política:
“Lula é hoje muito mais lento ao tomar decisões. Ele não pode ter pressa. Administrar o tempo é fundamental em qualquer negociação. Quem é mais apressado tem menos margem de barganha, o que é tudo que o presidente quer evitar”.
O próprio embarque do Republicanos e do PP, partidos que fizeram parte da coligação de Jair Bolsonaro em 2022 no governo, se arrastou por quase três meses, entre julho e setembro de 2023. A costura foi consolidada pela nomeação de Silvio Costa Filho (Republicanos) para o Ministério de Portos e Aeroportos e André Fufuca (PP) para o dos Esportes.
Nas contas de Amorim Neto, siglas que estão à direita do PT dominam 10 dos 38 ministérios que compõem até o momento o governo Lula 3, incluindo pastas estratégicas para o desempenho do governo, como Agricultura, Minas e Energia e Cidades.
Todas pertencem ao Centrão. Em outras palavras, o bloco já dispõe de uma participação relevante na Esplanada dos Ministérios e, mesmo assim, Lula tem que negociar com os parlamentares na hora de votar suas pautas no Legislativo.
O acadêmico considera que o Centrão mantém larga margem de barganha graças ao controle sobre o orçamento e a resiliência eleitoral e política da extrema direita.
“O Executivo sob Lula 3 não é mais tão dominante quanto foi nos outros dois mandatos dele. A negociação hoje com o Congresso é muito mais dura. É muito mais difícil aprovar uma medida provisória atualmente, por exemplo. O Legislativo está mais forte do ponto de vista orçamentário, e os ministérios perderam certo valor como mecanismo de troca”, afirma Amorim Neto, em referência à disputa pelo orçamento impositivo e o sistema de emendas que sucedeu o chamado orçamento secreto.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, aprovada no último dia 19, garante o maior valor destinado a emendas parlamentares na história do país: R$ 53 bilhões. Em média, cada deputado terá à sua disposição em 2024 R$ 38 milhões em emendas, e um senador, R$ 70 milhões.
Além disso, as emendas de comissão foram turbinadas após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar o orçamento secreto inconstitucional por não estarem sujeitas aos mesmos mecanismos de transparência das demais. Em 2024, elas saltarão de R$ 300 milhões para R$ 11 bilhões.
“Há também o fato que o núcleo duro do apoio do Lula - o PT e alguns partidos de esquerda que são muito leais a Lula - são minoritários no Congresso. Com uma extrema direita popular no Brasil, a direita tradicional, que é o Centrão, tem condição de barganhar com o governo de forma muito mais dura, como, por exemplo, ameaçar bandear para o lado do bolsonarismo”, diz o cientista político.
“O fenômeno de uma extrema direita muito forte do ponto de vista partidário e viável nas eleições presidenciais do Brasil condicionará a política do Congresso durante todo o governo Lula”.
Amorim Neto observa que Lula concluiu o primeiro ano de seu novo mandato com quase um terço de seus ministérios sob o comando de partidos à direita do PT.
Para isso, o professor da FGV levou em conta os partidos historicamente identificados com o Centrão, como o MDB, PSD, União Brasil, Republicanos e PP.
O cientista político pondera que, apesar do estresse incessante na articulação política, a estratégia de Lula funcionou. Na sua avaliação, a aprovação da reforma tributária e do arcabouço fiscal foram vitórias cruciais para o governo em 2023. Mas não não podem ser atribuídos especificamente aos esforços de ministros de direita ou centro-direita.
Pelo contrário. Em diversos momentos, como na reprovação do escolhido por Lula para a Defensoria Pública da União (DPU) e a derrubada do veto do presidente ao marco temporal, a coalizão não se traduziu em lealdade no Congresso.
“Mesmo com ministérios, esses partidos têm votado contra o governo”, observa Amorim Neto. “O grande instrumento pelo qual o Centrão consegue extrair do Planalto suas demandas é justamente criar incertezas grandes às vésperas da votação. Sem essa dinâmica, não há mecanismos para jogar duríssimo contra o governo”.
O exemplo mais sintomático é o União Brasil, que a despeito de comandar três ministérios não tem retribuído as expectativas do Planalto. No episódio mais recente, as bancadas da legenda na Câmara dos Deputados e no Senado Federal votaram majoritariamente pela derrubada de vetos de Lula ao projeto de desoneração da folha de diferentes setores da economia e ao marco temporal.
Para o cientista político, essa dinâmica deve ter efeitos na próxima eleição presidencial. Embora Lula não tenha anunciado publicamente uma candidatura à reeleição, o PT defende oficialmente que o petista tente um quarto mandato.
“Com esse jogo, o Centrão está dizendo que apoiará o governo entre 2023 e 2025 se receber aquilo que espera. Mas, ao mesmo tempo, deixa claro que, mesmo se tiver as expectativas correspondidas, terá plena liberdade para escolher um candidato que não o Lula em 2026. É uma política mais volátil e plenamente consonante com esses novos parâmetros”, observa.
Na atual conformação do ministério de Lula, o PSD controla três pastas (Agricultura, Minas e Energia e Pesca), mesmo número do MDB (Planejamento, Transportes e Cidades) e o União Brasil (Turismo e Comunicações). Republicanos e PP controlam um ministério cada um (Portos e Aeroportos e Esportes, respectivamente).
O levantamento de Amorim Neto não considera o ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, o ex-governador do Amapá Waldez Góes, que se licenciou do PDT e assumiu a pasta na cota do União Brasil por ter sido indicado pelo senador Davi Alcolumbre (AP), filiado ao partido.
Também não leva em conta estatais como a Caixa Econômica Federal, que viu a presidente indicada por Lula, Rita Serrano, ser substituída por um aliado do dirigente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o economista Carlos Vieira. Há ainda outros exemplos, como a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal historicamente disputada pelo Centrão e cujo orçamento previsto para 2024 é de R$ 2 bilhões.
No ano passado, o Palácio do Planalto criou uma nova diretoria no organograma da estatal para acomodar o Republicanos. Em outro aceno ao Centrão, a Codevasf ganhou um incremento do governo Lula de R$ 600 milhões no orçamento a apenas dois meses do fim do ano – o que dá a dimensão da pressão provocada pelas incertezas fabricadas pelo bloco.
Ao todo, há 11 partidos representados na Esplanada, além de outras legendas que controlam cargos de segundo e terceiro escalão, como PV, Avante, Solidariedade, Podemos e Patriota.
Além de partidos, Amorim Neto também situa no campo da direita ministros sem filiação partidária como o da Defesa, José Múcio Monteiro, e o do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marcos Antonio Amaro dos Santos – totalizando 12 ministros de fora da órbita da esquerda, ou 31,6% da Esplanada de Lula 3.
Amaro, general da reserva, foi nomeado para substituir o também general Gonçalves Dias após a divulgação de imagens do interior do Palácio do Planalto durante a intentona bolsonarista em 8 de janeiro.
A despeito de pressões de aliados para manter o GSI sob o comando de um civil como o então ministro interino, Ricardo Cappelli, Lula decidiu manter a pasta sob o comando militar.
Antes de ser indicado para o Tribunal de Contas da União (TCU) no segundo governo Lula, Múcio foi deputado federal com passagem pelo PTB, PSDB e pelo antigo PFL e é amigo pessoal de Bolsonaro.
Fonte: O GLOBO
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