Rodovias, portos, saneamento e linhas de transmissão de energia são os destaques das concessões previstas para este ano
A agenda de 2024 das privatizações de infraestrutura promete contratar pelo menos R$ 173 bilhões em investimentos para os próximos anos. Estão no radar leilões de, no mínimo, 56 concessões e parcerias público-privadas (PPPs) federais e estaduais. Para especialistas e executivos, as concessões encontram agora um cenário menos incerto do que um ano atrás.
Serviços de água e esgoto — projetos, geralmente, estaduais —, trechos rodoviários, arrendamentos portuários e linhas de transmissão de eletricidade são os destaques nas licitações previstas para este ano.
O total de projetos foi compilado pelo GLOBO a partir de informações do BNDES — que trabalha na modelagem de 138 concessões e PPPs, com um potencial de mobilizar R$ 268 bilhões em obras — e dos ministérios dos Transportes, de Portos e Aeroportos e de Minas e Energia. Foram considerados os maiores investimentos — no caso do BNDES, apenas os aportes em três projetos de saneamento.
Na “fábrica de projetos” do banco de fomento, a perspectiva é que neste ano sejam escolhidos operadores para administrar o saneamento em 75 cidades de Sergipe (aporte total calculado em R$ 6,2 bilhões), em 48 municípios de Rondônia (R$ 6,7 bilhões) e em Porto Alegre (R$ 5,3 bilhões).
Previsão de concessões — Foto: Editoria de Arte
Se der tempo de fazer o leilão do projeto para operar água e esgoto de 185 cidade de Pernambuco, poderiam ser contratados mais R$ 16,5 bilhões em obras, valor não contabilizado na compilação.
— O banco tem se pautado por tentar soluções mais inclusivas o possível, com modicidade tarifária (privilegiando tarifas baixas) — afirma Luciene Machado, superintendente de Estruturação de Projetos do BNDES, destacando que o modelo de dividir estados em blocos geográficos tem esse objetivo.
'Ruídos no saneamento'
No caso do saneamento, ainda em 2022, o gabinete de transição do novo governo do PT começou a falar em mudanças no marco legal do setor, aprovado pelo Congresso em 2020, para incentivar a participação privada. Feitas em abril, as alterações facilitaram as PPPs e deram uma sobrevida à prestação de serviços pelas companhias estaduais, o que foi alvo de críticas.
Especialistas creem que as mudanças poderão atrasar investimentos, mas, para Marilene Ramos, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do grupo Águas do Brasil, o resultado final ficou melhor do que o inicialmente sinalizado.
— Pensando de forma pragmática, na verdade, quem quer fazer a concessão plena, regionalizada, tem os instrumentos. O que se abriu foi uma brecha para quem já não queria fazer (concessões) — resume Marilene, ressaltando que há demanda de cidades médias que podem fazer concessões por conta própria.
No setor elétrico, as linhas de transmissão serão novamente o destaque — em dezembro, a licitação mais recente contratou R$ 21,7 bilhões em obras. Segundo o Programa de Expansão da Transmissão (PET), do Ministério de Minas e Energia (MME), serão contratados mais R$ 24,7 bilhões em duas licitações este ano. A próxima, prevista para março, prevê a construção e a operação de 6,5 mil quilômetros de linhões, em 15 lotes, com investimento de R$ 20,5 bilhões, informou o MME.
Segundo José Guilherme Souza, chefe da área de infraestrutura da Vinci Partners, gestora que administra R$ 65 bilhões em investimentos, “demorou um tempo” até o novo governo se ajustar e organizar a governança das concessões de infraestrutura, mas “algumas coisas começaram a entrar nos eixos”.
— No meio disso tudo, o setor de energia elétrica não para — disse Souza, ressaltando que a Vinci manterá o foco de seus investimentos nas áreas em que já atua: energia elétrica, saneamento e transporte.
Para Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, a perspectiva é de mais investimentos em infraestrutura em 2024, mas o crescimento poderia ser maior:
— Se houvesse um ambiente um pouco melhor, se tivesse menos ruído no setor de saneamento básico, poderíamos dar um salto um pouco mais ambicioso (nos investimentos).
No caso das rodovias, o Ministério dos Transportes anunciou neste mês que pretende fazer leilões de 13 trechos este ano, contratar R$ 122 bilhões em investimentos. No rol de projetos está a BR-040, que liga o Rio a Brasília e será agora dividida em três concessões.
Dúvidas sobre apetite
Ainda pairam dúvidas sobre o tamanho do apetite de operadores e investidores. Ano passado, foi cancelada a licitação de um trecho da BR-381, entre Belo Horizonte e Governador Valadares, em Minas Gerais, diante da falta de interessados.
Para Henrique Lago, sócio da área de infraestrutura do escritório Mattos Filho, mesmo assim, as rodovias, ao lado dos arrendamentos portuários, serão os destaques nas concessões de infraestrutura este ano, após um “freio de arrumação” em 2023.
Já o Ministério de Portos e Aeroportos, recriado no novo governo do PT, tirou o foco da privatização da operação — ou seja, da venda de companhias docas estatais, como a Autoridade Portuária de Santos, que administra o maior terminal da América Latina —, mas não desistiu de conceder áreas dos portos a operadores privados.
A demanda se deve à força das exportações de matérias-primas. Tanto que o ministério prevê para este ano leilões de 15 arrendamentos em diversos terminais portuários, que deverão contratar R$ 8 bilhões em investimentos.
No caso das rodovias, segundo Lago, uma particularidade é que o mercado tem operadores consolidados, como CCR, EcoRodovias e Arteris, e muitos projetos são em trechos estudados há anos. Assim, os investidores têm mais informações para decidir — o presidente do Grupo CCR, Miguel Setas, disse ao GLOBO que mira um “crescimento seletivo em ativos novos e existentes” de rodovias.
Com tantas rodovias concedidas no país, um próximo passo poderá ser o desenho de concessões menores, com investimento não tão elevado, para atrair operadores de médio porte, ou contratos com menos obras de ampliação e mais manutenção, diz Luciene, do BNDES.
Pablo Sorj, também da área de infraestrutura da consultoria jurídica Mattos Filho, ressalta duas outras tendências. Uma é a perspectiva de mais operações de fusões e aquisições, ou seja, as empresas podem buscar oportunidades adquirindo concessões já em operação ou as companhias donas delas — o que foi confirmado por Setas, da CCR, para o caso dos aeroportos. A segunda tendência é que as empresas recorram, cada vez mais, à emissão de títulos de dívida (debêntures) como fonte de financiamento.
BNDES muda seu papel
O BNDES tem lançado cada vez mais mão desses títulos para financiar os projetos. Ano passado, foram R$ 14,5 bilhões por essa via, um movimento de continuidade em relação à gestão anterior do banco, mas, ao mesmo tempo, há sinais de mudança.
Nos primeiros governos do PT, o BNDES era protagonista como fonte de financiamentos de baixo custo para garantir a viabilidade econômica das concessões.
Desde 2018, com o fim dos juros subsidiados, aprovado no governo Temer e consolidado no governo Bolsonaro, o banco focou na estruturação dos projetos e passou a atuar como coordenador dos financiamentos, tentando atrair outros bancos e investidores, e como assessor financeiro do governo ou ministério responsável pela concessão.
Com a volta do PT, o sinal é de mais financiamentos, mas a volta de juros subsidiados depende de aprovação no Congresso. Segundo o ex-ministro Nelson Barbosa, diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, “a área de crédito e financiamento voltou a ter uma prioridade grande”.
Ano passado, o banco liberou R$ 57,4 bilhões para infraestrutura, 24% acima de 2022, como antecipou O GLOBO, mas isso não significa pisar no freio da estruturação.
— Não há oposição: ou estruturo projeto ou faço financiamento. Podemos fazer os dois, o BNDES tem capacidade de fazer os dois bem, como estamos vendo neste ano — afirma Barbosa, ressaltando a intenção de buscar mais projetos para estruturar.
Fonte: O GLOBO
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