Boicote a agência da ONU pode piorar crise humanitária em Gaza; entenda por que Israel quer fechamento da UNRWA

Boicote a agência da ONU pode piorar crise humanitária em Gaza; entenda por que Israel quer fechamento da UNRWA

Estado judeu acusa UNRWA de empregar militantes do Hamas, incluindo terroristas que participaram do atentado de 7 de outubro, além de legitimar narrativa pró-palestina, como a do direito ao retorno

Líderes da maior agência da ONU na Faixa de Gaza, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês), alertaram que podem ficar sem os fundos necessários para manter suas atividades humanitárias em fevereiro, à medida em que um número crescente de países suspendem suas doações e que alegações sobre a influência do Hamas na organização ganham força.

A Áustria anunciou a suspensão de repasses à agência, juntando-se a um grupo de 13 países, nesta segunda-feira, após um dossiê sobre o envolvimento de funcionários da UNRWA com o Hamas ser divulgado. A Comissão Europeia, o braço Executivo da União Europeia (UE), defendeu a realização de uma auditoria na organização, que chegou a demitir parte dos trabalhadores apontados por Israel como membros do grupo terrorista.

De acordo com a acusação de Israel, pelo menos 12 funcionários da agência participaram diretamente no pior atentado da história do país. As alegações incluem provas de que um trabalhador da UNRWA raptou uma mulher e outro participou de um massacre em um kibutz. As Nações Unidas estão investigando as acusações, que foram tornadas públicas pela primeira vez na sexta-feira. Nove funcionários já foram demitidos.

Ainda de acordo com informações repassadas por militares do Estado judeu, 10% dos 13 mil funcionários da agência em Gaza (1,3 mil pessoas) seriam membros do Hamas. Israel alega que chegou ao número por meio do cruzamento de uma lista de funcionários da UNRWA com um diretório de membros do Hamas que os soldados encontraram em um computador durante uma operação recente dentro de Gaza.

O país há muito questiona a atuação da agência exclusiva aos palestinos (e não a da agência geral para o tema, o ACNUR), classificando seus métodos como antiquados, sobretudo o fato de oferecer o status de refugiado a todos os palestinos, mesmo os que não estão instalados em campos de refugiados — algo que o governo israelense diz prolongar a guerra de independência de 1948 e legitimar o chamado "direito ao retorno" por gerações.

— A manutenção da UNRWA, bem como do status diferenciado de refugiados para os palestinos, tem se mostrado ineficaz há décadas porque oferece uma única solução, que hoje tem se demonstrado politicamente inviável. 

Se os palestinos fossem submetidos à mesma definição de refugiados aplicada a todas as demais nacionalidades, eles estariam debaixo do mandato do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e teriam outras possibilidades — disse Igor Sabino, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil. 

—A população inicial de refugiados que era entre 600.000 e 800.000 pessoas em 1948, após a criação do Estado de Israel, hoje é de cerca de 6 milhões. A maioria dessas pessoas vive em situação de extrema pobreza.

Palestinos participam de ato pela continuidade do financiamento internacional à UNRWA — Foto: AFP

Apesar disso, membros da comunidade internacional temem que um colapso da agência deixe um vazio administrativo e logístico no enclave palestino, podendo repercutir como uma crise humanitária.

A UNRWA desempenha um papel crucial em Gaza — distribuindo alimentos, água e medicamentos — e não está claro quem preencheria o vazio caso ela deixasse de existir. A maior parte dos 2,2 milhões de habitantes de Gaza foram deslocados de suas casas pelo conflito, e muitos estão abrigados em centros e escolas geridos pela agência, que ajuda a distribuir a ajuda que chega a Gaza todos os dias.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, planeja reunir-se na terça-feira com representantes dos países que são os principais doadores da UNRWA e instá-los a mantê-la funcionando.

Refúgio palestino

Com a guerra árabe-israelense de 1948, que consolidou a fundação do Estado de Israel, entre 700 mil e 750 mil palestinos que viviam na região, até então um protetorado britânico, deslocou-se para países árabes vizinhos, em um êxodo ao qual se referem como "nakba", palavra árabe para catástrofe. 

Uma vez em países como Egito, Líbano, Jordânia e Síria — e Gaza e Cisjordânia, que ficaram sob domínio de alguns desses países — os palestinos não foram incorporados às comunidades locais e nem receberam nacionalidade em seus novos lares — segundo analistas, por um cálculo político da Liga Árabe, que pretendia manter os palestinos como uma forma de contestar o território de Israel.

Em um contexto de pós-Segunda Guerra Mundial, diante de um vácuo legal (o estatuto do refugiado só foi criado em 1951) e diante da situação de vulnerabilidade extrema a qual os palestinos estavam expostos, a ONU criou a UNRWA em 49 para auxiliar os cidadãos sem pátria. Foi quando começaram a ser erguido os campos.

Com Cisjordânia e Gaza sob domínio de Jordânia e Egito, respectivamente, a UNRWA começou a trabalhar na região no pós-Guerra. Isso não mudou quando Israel passou a administrar civilmente as regiões, após conflitos nas décadas seguintes. O status dos palestinos também não mudou após 1995, quando o controle dos territórios foi repassado à Autoridade Nacional Palestina.

Uma das atribuições da UNRWA é o gerenciamento de campos de refugiados, alocados na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria e Jordânia. Antes da guerra, havia 27 desses campos nos enclaves palestinos, com cerca de 1,5 milhão de pessoas vivendo ali — embora a agência reconheça 5,9 milhões de palestinos espalhados pelo mundo como refugiados. (COM NYT)


Fonte: O GLOBO

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