A gente não quer só equilíbrio para o Brasileirão

A gente não quer só equilíbrio para o Brasileirão

Deveríamos incentivar a redução de gastos dos clubes e trabalhar para aumentar o faturamento da primeira divisão

Costumamos celebrar a primeira divisão brasileira como a mais competitiva do mundo, apoiados no argumento de que temos mais de uma dezena de clubes considerados grandes. Acalme-se, não venho aqui para contrariar a afirmação. Pelo contrário. 

Tenho duas boas notícias. A primeira é que o Brasil continua a ter o campeonato mais equilibrado, em comparação às principais ligas europeias. E a segunda é que o ano de 2023 foi um dos mais competitivos no retrospecto do Brasileirão.

Para esse tipo de cálculo, existe o Índice Herfindahl-Hirschman. Podemos chamá-lo de HHI, na sigla em inglês, para facilitar a vida. O método foi elaborado pelos economistas Orris Herfindahl e Albert Hirschman para calcular a concentração econômica em mercados variados, não necessariamente no futebol. Eles se baseiam no “market share” — percentual de clientes que cada companhia tem sobre o total de consumidores — para determinar se o setor tem pouca ou muita concorrência.

Ao adaptar o conceito para o futebol, tratamos os pontos conquistados por cada clube em um campeonato como o market share deles em relação à performance. O legal deste método é que não se trata de contar a repetitividade de campeões ao longo do tempo, um exercício útil, mas limitado, e sim avaliar a performance de todos os 20 participantes da competição. Se a distribuição do número de pontos entre os clubes for concentrada ou espaçada, por meio disso apuramos a competitividade.

Em 2023, a primeira divisão brasileira registrou 0,527 no HHI. Quanto mais próximo de zero, mais equilibrado é o campeonato. Quanto mais próximo de um, menos equilibrado. Em ordem crescente, então, a Espanha é a que mais se aproxima do Brasil, com 0,543. A Inglaterra ficou com 0,557, enquanto a Itália vem depois dela com 0,558. A França tem o campeonato menos competitivo entre esses, com 0,562. Como a Alemanha tem 18 clubes na elite, e não 20, o HHI dela não é comparável.

Já na comparação do Brasil com o Brasil, ano a ano, não vou descrever todos os números para não poluir demais o texto, então façamos o resumo assim: 2018, 2019, 2021 e 2022 são os anos em que a competitividade foi mais baixa. Ou seja, houve maior concentração de pontos entre aqueles que terminaram no topo da tabela, enquanto os rebaixados ficaram mais e mais distantes deles. Em 2023, o Brasileirão interrompeu a tendência de desequilíbrio e registrou um HHI mais baixo.

Parece economês demais para o futebol, e admito que talvez seja, mas a checagem dos nossos mitos tem suas utilidades. Por exemplo: na briga para a fundação da liga entre blocos de clubes, dirigentes e assessores defendem que o Brasil precisa equilibrar as cotas para se tornar mais competitivo. Também defendo o reequilíbrio da verba da transmissão, por outros motivos, mas o argumento é frágil. A Inglaterra é referência na divisão da grana e, apesar isso, é mais desequilibrada do que nós.

Na real, além da preocupação com a repartição do dinheiro, deveríamos dar ênfase em outras duas necessidades: incentivar a redução de gastos dos clubes, com um sistema de fair play financeiro, e trabalhar para aumentar o faturamento da primeira divisão, como um todo, por meio da internacionalização e da busca por patrocínios coletivos. Não basta só dividir melhor, é preciso união para ganhar mais. Diriam os Titãs: a gente não quer só equilíbrio, quer equilíbrio, diversão e arte.


Fonte: O GLOBO

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