Terapia gênica para anemia falciforme

Terapia gênica para anemia falciforme

A alternativa, submetida à avaliação da FDA, consiste em usar a edição de genoma para religar o gene da hemoglobina fetal

A FDA (agência regulatória de medicamentos dos EUA) está prestes a aprovar a primeira terapia baseada em modificação genética para tratar da anemia falciforme. A tecnologia CRISPR, que permite fazer “recortes” com precisão no DNA, pode corrigir esta doença, que apesar de ser rara, é também a doença genética mais conhecida do mundo. Na anemia falciforme, uma mutação altera a hemoglobina, proteína presente nas hemácias (células do sangue), responsável por transportar oxigênio. 

Em pessoas com a doença, , as hemácias, normalmente parecidas com um disco flexível, ficam rígidas e assumem um formato que lembra a lâmina de uma foice (daí o nome, “falciforme”). Além de transportar menos oxigênio, as hemácias falciformes se rompem mais facilmente, entopem vasos sanguíneos, e duram menos, uma média de 10-20 dias comparados aos 120 dias de hemácias saudáveis.

As pessoas com essa mutação genética apresentam sintomas graves como maior frequência de anemia, derrames, dano a órgãos vitais, e dor intensa. É uma doença debilitante, que afeta o convívio social, educação e trabalho, com longos períodos de hospitalização e redução da expectativa de vida em até 20 anos. 

A doença é mais comum em pessoas de origem africana, asiática e do oriente médio. A estimativa é que afeta milhões no mundo todo. O único tratamento existente até agora era o transplante de medula, mas isto exige encontrar um doador compatível, e passar por tratamentos de quimioterapia e imunossupressão.

A alternativa apresentada pelas empresas Vertex e CRISPR Therapeutics, submetida à avaliação da FDA, consiste em usar a edição de genoma para religar o gene da hemoglobina fetal. A ideia não é nova, mas a tecnologia certamente é. Já em 1948, a pediatra Janet Watson percebeu que crianças que vinham a desenvolver anemia falciforme tinham poucas hemácias defeituosas quando bebês. 

Ela atribuiu isso à presença da hemoglobina fetal, que não é afetada pela mutação e cuja produção é normalmente “desligada” conforme a criança cresce. Se for possível manter este gene ativo, temos como garantir uma produção perene de hemoglobina saudável. 

Foi essa aposta que as empresas fizeram. Não é uma cura completa, mas os resultados dos testes clínicos foram muito bem, e os voluntários relataram um desaparecimento quase total dos sintomas.

Apesar de promissor, o tratamento não é simples. Primeiro, é preciso remover células-tronco da medula de cada paciente, editar o gene com CRISPR, e depois devolver ao corpo do paciente milhões de células editadas, capazes de produzir a hemoglobina fetal. 

Ou seja, não há necessidade de doador, mas ainda assim é um transplante de medula, que requer hospitalização e sessões de quimioterapia. 

O custo previsto é da ordem de alguns milhões de dólares para um único paciente, colocando em xeque a possibilidade de tratar justamente as comunidades mais afetadas em países como os EUA, e em países em desenvolvimento, onde a anemia falciforme é mais prevalente. 

Mas pode-se argumentar que mesmo com o alto custo, o benefício se estende não só ao paciente, com alívio do sofrimento e a possibilidade de uma vida normal, mas ao sistema de saúde, que deixa de gastar com frequentes internações, transfusões de sangue e tratamentos dos sintomas.

Quem sabe com o tempo, a tecnologia, assim como tantas outras técnicas de biologia molecular que eram extremamente caras no passado, fica mais acessível? Até lá, pelo menos temos a boa notícia de que a ciência parece ter encontrado um caminho viável para lidar com a doença e que a edição de genoma traz a promessa de aliviar o sofrimento de quem nasceu com uma doença potencialmente grave e debilitante, e não tinha esperança de cura.


Fonte: O GLOBO

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