Relatório da OCDE com 174 nações indica que 54% têm alíquotas diferentes do IVA padrão. Países com menos exceções têm maior benefício econômico
A multiplicação de exceções na reta final da aprovação da Reforma Tributária no Senado — o texto ainda depende de novo aval da Câmara para ser promulgado — não é uma particularidade do Brasil. Mais da metade (54%) dos 174 países que adotam algum tipo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) têm taxas reduzidas ou isenções para setores ou produtos, mostra um relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No entanto, a comparação indica que a simplificação tributária tem maior impacto positivo para a economia quando há menos exceções.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO frisam que, apesar das brechas abertas no desenho original da reforma brasileira, o novo modelo ajudará a impulsionar o crescimento econômico, como aconteceu em outros países, conforme compilação feita pela LCA Consultores.
No entanto, estudos sobre a experiência internacional com o IVA (que, no Brasil será o resultado da fusão de cinco impostos sobre o consumo) sugerem maiores benefícios para o ambiente de negócios nos países com menos setores privilegiados.
Reformas recentes como as da Índica (2017) e em países da União Europeia (2016) mostram que o IVA é o melhor modelo de taxação de bens e serviços, mas o impacto positivo pode ser reduzido por tratamentos diferenciados para setores e produtos específicos.
Carga já é elevada
Segundo a consultora Melina Rocha, especialista em IVAs, estudos sobre o funcionamento desse tipo de imposto nas últimas décadas em diversos países confirmam que, quanto menos exceções, melhor para o crescimento econômico. Mas ela considera difícil dizer se as brechas introduzidas no Congresso deixarão o Brasil pior do que o padrão global:
— Diria que não está nem entre os piores nem entre os melhores.
Reformas recentes como as da Índica (2017) e em países da União Europeia (2016) mostram que o IVA é o melhor modelo de taxação de bens e serviços, mas o impacto positivo pode ser reduzido por tratamentos diferenciados para setores e produtos específicos.
Carga já é elevada
Segundo a consultora Melina Rocha, especialista em IVAs, estudos sobre o funcionamento desse tipo de imposto nas últimas décadas em diversos países confirmam que, quanto menos exceções, melhor para o crescimento econômico. Mas ela considera difícil dizer se as brechas introduzidas no Congresso deixarão o Brasil pior do que o padrão global:
— Diria que não está nem entre os piores nem entre os melhores.
— Foto: Editoria de Arte
Conforme Falilou Fall, economista sênior e chefe da equipe que analisa o Brasil na OCDE, pesquisas sugerem que exceções e taxas reduzidas não são o “caminho mais efetivo” para apoiar famílias de baixa renda ou estimular setores econômicos, mas a “realidade é frequentemente mais complexa”. E diz que não há um limite claro a partir do qual as exceções tiram os benefícios do IVA:
— Não há uma resposta única para definir se é apropriado introduzir exceções ou taxas reduzidas e, caso positivo, a quantos e quais bens e serviços.
Para cumprir o preceito de manter a arrecadação no mesmo nível de hoje, quanto mais alíquotas reduzidas e exceções, maior será a taxa padrão do IVA, cobrada sobre a maioria dos bens e serviços.
Mais alta do mundo
Com as mudanças feitas no Congresso, a soma do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) subnacional com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal poderá estrear já no posto de taxa padrão mais elevada do mundo — acima de 27,5%, nas contas do Ministério da Fazenda, embora a calibragem final ainda dependa de um período de testes.
Isso pode tornar o IVA brasileiro um dos mais altos do mundo. Entre os países da OCDE, o campeão é a Hungria, com 27% (veja no gráfico acima).
Por outro lado, as alíquotas reduzidas não são as únicas culpadas pelo recorde negativo, diz Melina. São fruto também da já elevada carga tributária brasileira, na comparação com economias emergentes, e de sua composição — os impostos sobre consumo pesam mais.
A carga de impostos no Brasil foi de 33,9% do PIB em 2021, ante 34,1% na média dos países da OCDE, segundo artigo publicado em julho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas quase a metade (15,1%) está nos tributos sobre o consumo, contra menos de um terço (10,8%) nos países mais ricos, que tributam mais a renda.
O que é a reforma tributária?
Efeito positivo
Apesar das inúmeras exceções e da elevada taxa padrão, o efeito positivo da reforma virá de outras frentes, dizem especialistas ouvidos pelo GLOBO.
Fall, da OCDE, ressalta que o modelo proposto pela reforma brasileira reduzirá “significativamente” a complexidade da tributação nacional. Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, avalia que a proposta de reforma manteve a correção dos principais problemas atuais, como impostos em cascata e a cobrança na origem.
A cobrança cumulativa responde por boa parte das distorções atuais, lembra Borges. Sem abater todos os impostos pagos nos insumos que compram, as empresas — principalmente as com longas cadeias de suprimentos, na indústria — têm uma carga maior do que as alíquotas indicam.
Parte dessa carga vai para o preço final, parte reduz o ganho da empresa. O resultado são produtos mais caros e menos disposição para investir. O IVA facilitará o abatimento.
— O Brasil ganhará competitividade no mercado internacional, e o custo de investimento cairá. Hoje, quando se compra um caminhão, um maquinário ou um trator, esses produtos já têm alíquotas reduzidas ou até zeradas. Parece que não tem nenhum tributo neles, mas tem — diz Borges.
A Índia — citada como exemplo para o Brasil, dadas as semelhanças entre o atual emaranhado tributário nacional e o sistema que foi reformado por lá — também adotou exceções no IVA ao aprovar sua reforma. Com quatro tipos de IVA e cinco taxas, o modelo foi alvo de críticas.
Canadá também negociou
Abrir brechas para exceções fez parte das negociações políticas para aprovar a reforma do Canadá — outro exemplo para o Brasil, por conta das semelhanças na organização federativa. As mudanças só foram aprovadas, em 1991, após técnicos cederem na adoção de taxação zero sobre bens considerados essenciais, como produtos de mercearia, conta Melina Rocha.
Para Romero Tavares, sócio da consultoria PwC nas áreas de política tributária e tributação internacional, a reforma da Índia transformou um sistema “péssimo” num ainda “ruim”. Mesmo assim, os resultados foram positivos. Um estudo acadêmico de 2022, liderado pela economista Nikita Singhal, diretora da gestora americana Lazard, concluiu que o IVA teve “efeito positivo considerável”.
Outro, liderado por Bibek Debroy, assessor do governo indiano, aponta que o IVA aumentou as transações comerciais entre as províncias locais de 55% do PIB, até 2018, para 70% hoje, aquecendo a economia.
— Tem um estudo que mostra um aumento de 3% no estoque de capital, que pode ter sido por causa da alocação mais eficiente de recursos, ou seja, essa liquidez maior do sistema (tributário) se reverteu em mais investimento produtivo — afirma Tavares.
O período de transição na Índia também serve de lição da experiência para o Brasil. Por lá, a entrada em vigor das novas regras foi acelerada. Por aqui, a versão da reforma aprovada no Senado prevê uma transição gradual até 2033.
Segundo Tavares, os efeitos colaterais da mudança são inevitáveis, mas um “tratamento de choque”, como na Índia, tende a ser pior, porque não dá tempo para empresas e investidores, já adaptados às distorções do atual sistema, se ajustarem.
Sistema 'mediano'
Comparando com o Brasil, as modificações feitas pelo Congresso na reforma farão com que o novo sistema sobre o consumo fique “mediano”, mas “muito melhor” do que o atual, que é “péssimo”, como era o da Índia.
A edição de 2020 da pesquisa Doing Business, do Banco Mundial — em que pese o fato de ter sido descontinuada por problemas metodológicos — coloca o Brasil na posição 184 de uma lista de 190 países na categoria “pagamento de tributos”.
Apenas um dos 38 países da OCDE não tributa o consumo com base em algum tipo de IVA: os EUA. Lá, reinam os impostos sobre vendas (sales tax, em inglês), com cada estado cobrando sua alíquota.
As taxas combinadas vão de 1,76% (no Alasca) a 9,55% (na Louisiana e no Tennessee), segundo a OCDE, que vê como um dos problemas do modelo o fato de o varejo ser responsável por repassar toda a arrecadação sobre o consumo aos governos.
Três desenhos para o imposto sobre consumo
Alemanha
A bandeira alemã do lado de fora do prédio do Reichstag, onde fica o Parlamento, em Berlim. — Foto: Krisztian Bocsi/Bloomberg
O IVA é de 19%. São isentos apenas serviços de relevância social, como postais, de saúde, educacionais e filantrópicos. Só há uma alíquota reduzida, de 7%, para alimentos, saneamento, itens para pessoas com deficiência, jornais e livros.
Índia
O prédio do antigo Parlamento em Nova Déli, na Índia — Foto: Prakash Singh/Bloomberg
A reforma de 2017 criou quatro IVAs (dois federais e dois provinciais), e cinco alíquotas. Na soma dos impostos, a taxa pode ser zero, 5%, 12%, 18% ou 28%. Para analistas, melhorou o caos tributário, mas o ideal seria uma simplificação maior.
Brasil
Plenário do Senado vota a Reforma Tributária — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
A reforma cria dois IVAs (federal e estadual) com dezenas de exceções, entre isenções, cashback, alíquota reduzida em 60% e regimes especiais. Beneficiados vão de time de futebol a remédio, de educação à cesta básica.
Fonte: O GLOBO
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Economia