Além de ser o que menos fez alterações táticas no intervalo em toda a série A, treinador também é o segundo que mais leva tempo para realizar substituições
A hierarquia no futebol também é um traço que define times campeões. E, no duelo entre os líderes do Brasileiro, Botafogo e Palmeiras, hoje, o contraponto entre os técnicos Lucio Flavio e Abel Ferreira chama a atenção por esse atributo. A partida pode fazer a distância entre eles, hoje em seis pontos, cair para três ou chegar a nove.
No consolidado trabalho da SAF alvinegra desde o ano passado, o técnico com cara de interino foi a solução caseira encontrada para resolver a dificuldade do elenco para aceitar o português Bruno Lage, que começou a mudar demais a equipe. Do outro lado, o compatriota de Lage, com três anos de trabalho e muitos títulos, tem tamanho para barrar qualquer jogador sem consequências — o que não significa que, vez ou outra, Abel também não precise fazer a tradicional "gestão de elenco", como lembraram fontes ligadas ao clube alviverde.
Tal realidade leva a comportamentos distintos à beira do gramado. A impressão, após um mês de trabalho, é que Lucio Flavio apresenta dificuldade para ler o jogo e fazer alterações em busca de um plano B quando o time cai de produção. Mas, considerando-se que foi justamente a ideia de utilizar essa boa formação inicial que levou o profissional ao cargo, sair do “feijão com arroz” poderia ser arriscar demais.
Por sua vez, Abel é um treinador que se adapta ao jogo que será disputado, mudando a estratégia de acordo com o estilo do adversário antes da partida e ao longo dos 90 minutos. Após três anos, chegadas e saídas de atletas, o português segue em busca de soluções, sobretudo após perder Dudu por lesão. Recentemente, barrou Rony e Artur, com explicações embasadas, e disse que ambos mereciam ter saído antes.
Segundo mais lento
Alçado ao cargo no Botafogo com o aval dos atletas, Lucio Flavio ainda não demonstra a mesma capacidade e o domínio do elenco. Nem teve tempo para isso. Logo, o contexto influencia. Com estratégias e missões diferentes, com ou sem sucesso, os outros três treinadores do alvinegro neste ano — Luís Castro, Cláudio Caçapa e Lage — mantiveram o padrão de mexer sempre no começo do segundo tempo. Alterações no intervalo foram feitas na metade dos jogos disputados pelo trio. Já Lucio Flavio, em seu começo de trabalho, demora mais a mudar e não faz trocas no intervalo.
Desde que ele estreou, o Botafogo é o único time que não fez uma substituição no break entre o primeiro tempo e o segundo. Assim, Lucio Flavio se torna o segundo treinador que mais demora a mexer: 67 minutos. Na Série A, só está atrás de Wesley Carvalho, do Athletico (71). O levantamento do GLOBO não considera trocas por lesões, só por escolha do treinador. O trio alvinegro anterior demorava, em média, 55 minutos.
É claro que o contexto precisa ser levado em consideração. Contra Fluminense e América-MG, por exemplo, o Botafogo fazia boa partida com o time que finalizou a primeira etapa. Mas, diante do Athletico — principalmente quando o jogo foi reiniciado — e Cuiabá, essa falta de leitura ficou nítida.
Um exemplo é o próprio Palmeiras x Botafogo do turno, vencido pelo time carioca por 1 a 0. À época, o meia paraguaio Segovinha pedia passagem. Com boas atuações, especulava-se sua estreia no time titular, e Castro cogitou lançá-lo no Allianz Parque. Contudo, o português observou, no estudo do jogo, que a perigosa bola parada do time de Abel Ferreira era feita com seis homens de boa estatura no ataque. Com o paraguaio, Júnior Santos iria para o banco, e o time perderia um sexto homem na marcação.
O xodó da torcida foi reserva e só entrou no intervalo, quando o time já vencia e sua velocidade e domínio de bola seriam fundamentais. Para isso, Castro também colocou Danilo Barbosa, mais alto, no lugar de Tchê Tchê, não correndo riscos nos cruzamentos.
Quem destoa é Lucio Flavio, que nos seus quatro jogos chegou com a missão de pouco mexer, mas talvez peque pelo excesso. Decisivo ou não, é este tipo de leitura que, por enquanto, é uma incógnita com o treinador e uma comissão técnica montada às pressas após a saída de Bruno Lage.
Bom exemplo
Nada disso quer dizer que o Botafogo e sua base forte não sejam capazes de vencer o Palmeiras em transformação. Mesmo em contextos e com técnicos distintos, o time de 2023 sempre se saiu bem em jogos grandes e decisivos, como contra o próprio alviverde, além de Grêmio e Fluminense. No último encontro com o rival carioca, aliás, houve uma estratégia clara de atacar o lado esquerdo tricolor e as costas de Marcelo, e os pontos daquela vez caíram na conta de Lucio Flavio. Hoje, porém, ele terá Abel Ferreira pela frente. E a pressão para não errar ou se omitir.
Fonte: O GLOBO
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