Gaza mostra limites e potencial da China

Gaza mostra limites e potencial da China

Pós-guerra exigirá cooperação entre Pequim e Washington para evitar um vácuo de poder no território palestino

Desde que sucedeu o Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU, na última semana, o governo chinês tem afirmado que sua prioridade é a guerra de Gaza, com dois objetivos: a obtenção de um cessar-fogo e de uma solução permanente para o conflito entre israelenses e palestinos. Ambas as ambições contêm imensas dificuldades, e delineiam os limites e capacidades da China como potência diplomática ascendente.

Os obstáculos enfrentados pelo Brasil para aprovar uma resolução sobre a crise em Gaza não serão muito diferentes, mesmo com a China como membro permanente do Conselho de Segurança na Presidência rotativa do órgão. 

Assim como ocorreu com a guerra na Ucrânia, a discussão do conflito deve continuar emperrada pela rivalidade entre EUA e China, deixando de lado princípios da Carta da ONU, como o direito de defesa, e a urgência humanitárias da proteção de civis.

Antes do ataque terrorista do Hamas de 7 outubro, o governo chinês vinha declarando interesse em assumir um papel ativo na busca de uma solução para o conflito com Israel, embora sem identificar medidas práticas. 

A proposta apresentada em julho pelo presidente Xi Jinping foi mais uma declaração de princípios do que um plano concreto. A escalada em Gaza demonstrou que a posição chinesa é pautada pelo interesse geopolítico de deter a influência dos EUA e alinhar-se com o sul global, com nítida inclinação para o lado palestino.

O fracasso em aprovar as propostas de resolução sobre a guerra em Gaza no mês em que o Brasil presidiu o Conselho de Segurança deixou claras as diferenças entre os membros permanentes do órgão, particularmente China e EUA. 

A primeira foi barrada pelos EUA, num protesto contra a ausência de menção ao direito de defesa de Israel. A segunda, proposta pelos americanos, teve veto de China e Rússia porque os dois países consideraram que a inclusão do direito de defesa de Israel daria carta branca aos bombardeios em Gaza.

No fim das contas, ao derrubar o texto americano a China também negou a possibilidade de aprovar o estabelecimento de “pausas humanitárias” no confronto em Gaza, que havia aprovado na proposta e era a medida mais urgente em discussão. 

O representante chinês justificou o veto afirmando que a resolução era “desequilibrada” por não mencionar “a raiz do problema”, em alusão à ocupação israelense dos territórios palestinos. Para Pequim, marcar posição foi mais importante que a imediata proteção de civis em Gaza.

Mesmo sendo uma proposta americana, não havia garantia de que Israel atenderia o apelo por uma pausa humanitária. Mas o fato de EUA e China terem sabotado uma ideia que defendiam apenas para não dar moral ao outro é mais um lembrete dos efeitos destrutivos da rivalidade entre os dois países. 

Se o Conselho de Segurança oferece um palco onde o duelo fica evidente, é nos bastidores que ambos podem contribuir para que a crise em Gaza não se torne uma guerra regional, agindo em suas respectivas áreas de influência.

Também depende de um alinhamento entre Pequim e Washington o que ocorrerá no pós-guerra. Com Israel decidido a dar um ponto final ao poder do Hamas em Gaza, uma das ideias é o estabelecimento de uma missão interina da ONU para administrar o território. 

Os modelos mais recentes são os aprovados para Kosovo e Timor Leste, em 1999. Mas ambos só saíram do papel porque houve acordo no Conselho de Segurança com a anuência de Washington, Pequim e Moscou, algo que hoje parece distante.


Fonte: O GLOBO

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