Campeão da Libertadores com o Fluminense, Felipe Melo ressalta ferida cicatrizada para o clube: 'Marcados para toda a eternidade'

Campeão da Libertadores com o Fluminense, Felipe Melo ressalta ferida cicatrizada para o clube: 'Marcados para toda a eternidade'

Em entrevista ao GLOBO, experiente zagueiro projeta Mundial de Clubes, ainda se vê com coisas a realizar na carreira, e não sente que precisa dar respostas para ninguém

Tricampeão da Libertadores aos 40 anos, Felipe Melo é um dos líderes da família do Fluminense — como o próprio zagueiro define — que conquistou a América, de maneira inédita, no último sábado. Volante que se reinventou como defensor nos últimos anos, ele se tornou o primeiro jogador da História a vencer duas edições do torneio no Maracanã, fato que ressalta com orgulho. 

Vestindo a camisa tricolor desde o início do ano passado, e com contrato renovado até o final de 2024, Felipe ainda se vê com muita história para construir, e se dedica bastante fisicamente, além de manter uma relação muito próxima com a religião. Direto e sincero, como sempre, deu entrevista exclusiva ao GLOBO falando sobre a expectativa para o Mundial de Clubes, entre 12 e 22 de dezembro, os puxões de orelha em John Kennedy e os planos para o futuro.

Aos 40 anos, você ganha sua terceira Libertadores na carreira, superando muitas desconfianças. Sente que esse título foi uma resposta?

Não dou resposta para ninguém, não. Eu tenho meu sonho, meus objetivos, e jogo em cima disso. Agora, isso prova, de fato, que existe uma galera (uma boa galera), que fala de futebol e não sabe o que fala. Infelizmente. Só que, no Brasil, as pessoas têm a facilidade de serem irresponsáveis para falar de futebol, porque ninguém cobra. Foi campeão, "ah me enganei, acabou". Já me incomodou muito, mas hoje não me incomoda em nada. Eu dou risada, cara. Tem gente que ganha dinheiro sem saber o que faz.

E em relação ao elenco do Fluminense, que conseguiu esta realização, mesmo sendo apontado como de idade avançada?

É um elenco, de fato, de idade alta, mas ganhou. E quem fez o gol foi um garoto de 21 anos. É uma mescla, normal. Se a gente for colocar que o cara é velho e não pode mais trabalhar, vai estar todo mundo ferrado, em todos os segmentos.

Como foi o processo de recuperação para estar pronto para jogar a final?

Trabalho de manhã, trabalho de tarde, trabalho de noite. E muita oração na madrugada, para entrar em campo e poder ajudar o Fluminense na conquista desse título inédito. Foi uma briga comigo mesmo. Porque eu não tinha participado, como titular, das duas últimas Libertadores que eu tinha conquistado, apesar de ter sido muito importante nas campanhas. 

Em uma, eu quebrei o pé, e acabei entrando no decorrer da partida contra o Santos. Contra o Flamengo, fui apontado como um dos principais jogadores para levar o time para a final. Acabei me contundido e entrei também ao decorrer do jogo. Então, era uma cobrança minha, de poder estar presente, e como titular da equipe. Graças a Deus, deu tudo certo.

Qual foi o diferencial da experiência dessa conquista com o Fluminense, no Maracanã?

Primeiro de tudo, eu queria alcançar essa marca que não existia, que nenhum ser humano na face da terra tem: o único a levantar duas libertadores no Maracanã sou eu. Então, eu queria bater essa marca, tê-la para mim. E é a primeira vez na minha carreira, primeiro título que eu conquisto, que eu tenho todos os meus familiares possíveis presentes.

Claro que não era possível de outros estarem, porque moram fora do país, enfim... pai e mãe, minha avó, os meus quatro filhos, minha esposa, tios, primo, meu irmão, minha tia, amigos próximos. Então, esse título se torna ainda mais especial, a emoção muito grande, no hino nacional...

Por que chorou naquele momento?

Eu sou um patriota. Eu começo a chorar porque eu escuto o hino nacional. Dou uma olhadinha para o lado, a torcida do Fluminense em êxtase, e a torcida do Boca que, há de se ressaltar também, é uma bela de uma torcida. O jogo no Maracanã. E eu olho para o alto, vejo no camarote a minha família, meu irmão sem camisa na hora do hino, e meu pai chorando. Eu desabei, não consegui. Tentei não chorar, e fazia força para não chorar, e eu ficava fazendo bico (risos). Mas foi um momento de muita emoção, realmente.

A Libertadores significa alguma coisa especial para você?

Sim, a gente se torna o maior time do nosso continente. É obsessão para todos. Você pode ficar sem vencer nenhuma competição, mas se você ganhar a Libertadores, acabou. O Fluminense merecia ganhar essa Libertadores. Todo mundo sabe que eu sou cristão, muita fé em Jesus Cristo, e eu agradeço demais a Deus, porque foi aberta uma ferida em 2008, e essa ferida foi cicatrizada no 4 de novembro. 

Muitas pessoas chegaram e falaram: "Poxa, meu pai não está mais aqui. A minha mãe não está mais aqui. Meus avós não estão mais aqui." E eu sei que, onde eles estiverem nesse momento, estão contentes. Eu estou aqui, honrando a memória dos meus avós, dos meus pais, de pessoas que não estão mais entre nós.

Felipe Melo: tricampeão da América e um dos líderes do Fluminense que venceu o título inédito da Libertadores — Foto: Leo Martins / Agência O Globo

O elenco sentiu esse legado, sentiu a responsabilidade de curar o trauma?

Sim, mas foi conversado. Eu fui um dos que falou o seguinte: "Olha, ainda não conseguimos um feito inédito. Em 2008, conseguiram chegar numa final, mas nós viemos para cá para conseguir algo que ninguém nunca tinha conseguido na história, que é ser campeão." 

Isso, sim, é algo inédito. Esse é o fato marcante para a história do clube, e nós conseguimos. Algo que ninguém, até então, tinha conseguido. Alguém pode repetir agora. Mas somos nós, de fato, que estamos marcados para a história do clube, para toda a eternidade.

Sobre o John Kennedy, que foi o herói do título e da campanha. Sabemos tudo que ele passou. O que você viu nele nesse caminho? Via que ele teria esse potencial de dar a volta por cima?

Acho que volta por cima não é nem o certo a se dizer. Porque ele é um atleta que teria que colocar a cabeça no lugar e concentrar, de fato, no futebol. Eu lembro que o garoto já era especial desde a base, uma promessa que, hoje, é uma realidade. Então, não é uma volta por cima. É claro que, para se tornar um atleta de ponta, tem que ter disciplina. 

Ele tem que entender que ele tem que ser profissional. E eu acho que, pouco a pouco, o John tem entendido isso. Mas, de fato, ele está no grupo certo, no clube certo. Um clube que abraça, que tenta, de todas as formas, dar carinho. Confesso que, muitas vezes, eu já puxei a orelha dele, mas é um garoto que escuta também, e sabe quando erra, se arrepende. 

E estamos aqui para ajudar, não para crucificar ninguém, um grupo de atletas que se amam, que é uma família. Eu falei isso quando eu cheguei aqui. Por isso que deu tudo certo, e eu estou muito feliz mesmo por ele. É merecedor disso aí. E eu espero que isso seja apenas mais um degrau que ele tenha subido, porque tem muita coisa para conquistar ainda.

Chegou a ter algumas conversas com ele?

Conversei algumas vezes com ele. Confesso para você que eu fui forte nas minhas palavras. Mas, em outras vezes, teve afago, teve carinho da minha parte para com ele. Porque eu também sou um ser humano, erro muito, e nós temos que entender a raiz do problema do ser humano, mais do que do atleta, entender de onde vem os problemas. 

E aqui tem pessoas capacitadas para isso. O próprio (Fernando) Diniz é psicólogo, entende isso. É por isso que tirou o melhor do atleta, e ele pôde entrar em campo e fazer o gol do título.

O Mundial de clubes vem aí. É possível ter o Al-Ittihad, time do Karim Benzema, pela frente, na semifinal. Já está projetando desse desafio na sua cabeça?

Eu falei que a gente não vai repetir o erro que outros cometeram, de falar esse negócio de "pode esperar... vai chegar...". E um monte de gente maldosa falou que eu acabei alfinetando o Flamengo. Eu conquistei um título importante com o Fluminense e vou alfinetar o nosso rival? Não alfinetei ninguém.

Só acho que não podemos repetir esse erro, porque, se ganha, dá tudo certo, mas se perde, vira meme. A gente não tem que pensar no time do Benzema ou no time do Egito (Al-Ahly). Quem vier, a gente tem que estar preparado, e entender que vai ser muito difícil.

Falando de Flamengo, você é formado no clube, e ganhou títulos de destaque por dois grandes rivais: Palmeiras e Fluminense. Resta alguma coisa em relação ao que sente pelo Flamengo?

Eu não tenho problema nenhum de falar sobre o Flamengo, porque é um clube que eu tenho muita gratidão. Foram mais de dez anos dentro do Flamengo, clube que me formou, que me criou. Como eu posso não ter gratidão por esse clube? Se eu não tivesse sido formado pelo Flamengo, eu não estaria aqui no Fluminense, agora, usufruindo, podendo viver essa história maravilhosa. 

Jamais, eu vou faltar o respeito com o Flamengo e a torcida, assim como jamais faltarei respeito com qualquer clube em que eu já trabalhei. Não alfinetei o Flamengo, mas é um exemplo para gente, assim como já houve vários erros de outros clubes. Assim como nós pegamos exemplo de quem foi muito bem em alguns anos, como o Flamengo em 2019, o Palmeiras em 2020, o Atlético-MG... como o Fluminense está sendo um exemplo agora. 

Nada de polêmica. Mas, de fato, os clubes que eu amo no Brasil, tenho que ser bem sincero: o Palmeiras é um clube que eu amo, e o Fluminense é um clube que eu aprendi a amar, e que eu vou levar para o resto da minha vida.

Numa possível final, muito se fala de Fluminense e Manchester City favoritos. Caso os dois avancem, projeta o encontro com Guardiola e Haaland?

Caso avancem, vai ser o campeão da Champions com o campeão da Libertadores. O City hoje é o melhor time do mundo, tem demonstrado isso, é tricampeão da Premier League. Já está aí novamente brigando. Uma facilidade tremenda, a gente sabe que a qualquer momento pode sair gol. Então, acontecendo isso, a gente vai se preparar muito. 

A gente tem que sonhar, cara. Meu sonho era a Libertadores com o Fluminense. Ganhamos. Por que não sonhar com o Mundial? Continua sendo um sonho... profetizar, e ir para campo realizar.

Felipe Melo: tricampeão da América e um dos líderes do Fluminense que venceu o título inédito da Libertadores — Foto: Leo Martins / Agência o Globo

Em relação ao futuro da sua carreira: você tem contrato até o final de 2024. Vai jogar mais uma temporada inteira? O que pensa?

Tenho que renovar esse contrato por mais um mês, pelo menos. Tem que falar com o Mário (Bittencourt, presidente) depois, porque a gente tem o Super Mundial (será realizado nos EUA, em 2025), né? Tenho que jogar esse Mundial aí, pelo amor de Deus, conquistamos aqui (a Libertadores). Claro que eu não vou cravar que eu vou encerrar depois disso, mas está bem encaminhado, psicologicamente falando, para que eu possa encerrar no final do próximo ano. Vamos ver o que vai acontecer. 

Depois eu quero continuar no futebol. Não sei como, vou continuar. Eu já posso treinar qualquer equipe no mundo, porque tenho a carteirinha da AFA (Associação Argentina de Futebol), foram três anos fazendo (curso) lá e eu consegui. Pelo amor que eu peguei pelo Fluminense, quem sabe não continuo aqui, tentando ajudar de alguma forma... Vamos ver o que o presidente vai propor, se vai ter alguma oportunidade ou não. Mas continuarei no futebol.

Acha factível falar em ganhar uma quarta Libertadores?

Era impossível ganhar a Libertadores com o Fluminense e nós ganhamos. Mas eu falei que era impossível para o ser humano, porque, para Deus, não existe impossível. E o Fluminense é muito gigante. O Fluminense ia ter que ganhar uma Libertadores, uma hora ou outra, não tem jeito. 

Acabou a brincadeira e a sacanagem que faziam com esse clube, sabe? Mais do que isso: foi a maior Libertadores da América dos últimos tempos, contra Boca, River, Olimpia, vencida pelo Fluminense, no Maracanã. Tudo perfeito. A torcida do Boca falou que ia vir para cá e ia "copar". A torcida do Fluminense, meu irmão, não deixou, em nenhum momento, escutar a torcida do Boca. A todo momento, gritando. Fantástico.

Tem o seu filho jogando na base do Fluminense. Passa pela sua cabeça querer jogar com ele?

Quero jogar com ele ano que vem. Moleque está bem na base. Apesar de ser a primeira temporada dele no Fluminense, já está evoluindo bastante. Os feedbacks que eu tenho da base é que é uma das promessas do Fluminense. 

E por que não? É um garoto que tem 17 anos, vai fazer 18 no final do ano. Por que não sonhar em jogar um campeonato estadual, poder levantar um caneco com ele? Temos essa decisão da Recopa, contra a LDU, que também vai ser também muito difícil e importante. Agora, isso é coisa do Diniz, do pessoal. Eu só falo para ele trabalhar, treinar muito, para sonhar.

Você faz um curso de Teologia e está sempre postando conteúdo nas redes. Pensa em trabalhar com isso no pós-carreira?

Não, não, não. Eu faço missões há muito tempo, muitos anos. Eu disponibilizo verba para um pessoal levar a palavra de Deus a vários lugares precários. E a gente aproveita para entrar com uma escolinha de futebol, com alimento... Enfim, a gente está sempre ajudando e abençoando as pessoas. Como diz a Bíblia: "Ide e pregai o evangelho". 

Estou fazendo Teologia, mas, assim, tudo para conhecimento mesmo. Todo dia, quando eu acordo, a primeira coisa que eu faço é ler a Bíblia, estudar um pouquinho, mas é para coisas pessoais. A Bíblia fala em vigiar e orar, e é o que eu tenho feito na minha vida.

Pensa em ser comentarista?

Não sei se eu vou receber algum convite para ser comentarista. Se receber, por que não? De futebol, eu acho que eu entendo, né? Acho que também tenho uma boa dicção, sei falar bem, pode ser (risos)... Mas a história que está sendo criada no Fluminense... queremos continuar construindo várias páginas boas para o clube. 

A ideia agora é o Mundial, que está próximo, daqui a pouco nós temos a Recopa, o Estadual, e depois vai vir Libertadores novamente. A gente sonha com tudo. Depois, chegando mais para o meio ou final do ano, vou entender se vai ser feita a transição ou não.

Perguntas rápidas para fechar. Melhor atacante que já marcou?

Cristiano Ronaldo.

Jogador que mais admira?

Juan Sebastian Verón.

Um jogador desleal que encarou?

Nunca enfrentei jogador desleal.

Melhor companheiro (zaga ou meio de campo)?

Nino.

Falta algo na carreira?


Mundial. Recopa.

Como define essa temporada do Fluminense?

Espetacular. Inédita. Eterna.


Fonte: O GLOBO

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