Parceria entre Museu do Amanhã, UFRJ e Instituto Humanize viabiliza programa de estudos da Unesco comandado pelo ecólogo Fabio Scarano para criar um mundo que seja de fato sustentável
Scarano está à frente da Cátedra Unesco de Alfabetização em Futuros, sediada no Museu do Amanhã. Nesta entrevista, ele explica por que ser alfabetizado para o futuro é a principal aptidão que as pessoas devem ter no século XXI.
Por que a Unesco criou uma cátedra sobre o futuro?
A Unesco tem um programa de cátedras com diferentes temas e uma das linhas é sobre futuros, que considera essencial para construir um mundo de fato sustentável. Essa linha tem mais de 50 cátedras em vários países. Na América Latina elas estão em Brasil, México, Colômbia e Uruguai. A nossa é uma parceria da UFRJ, do Instituto Humanize e do Museu do Amanhã.
O que é ser alfabetizado em futuros?
O nosso presente coloniza o nosso futuro. Por isso, temos dificuldades de imaginar futuros diferentes do presente. Ser alfabetizado em futuros é um exercício de descolonização do presente. E é difícil porque nossa imaginação está enraizada nele. No fundo, quando pensamos o futuro, fazemos um exercício sobre o presente.
As pessoas têm muito medo de pensar no futuro. E o nosso presente tem se mostrado muito duro, diferente do que se pensava que seria o século XXI. Como o presente tem um conjunto de problemas, é importante ampliar a imaginação para poder sonhar outros futuros. Porque só sonhando esses futuros poderemos vir a realizá-los.
Como funciona a cátedra?
A cátedra é um programa de quatro anos com atividades de pesquisa, de ensino e do engajamento. A Unesco tem uma metodologia, que adaptamos à realidade brasileira. Uma parte tem estudos científicos. Outra é a extensão, levando o conhecimento para o grande público. E, para isso, o Museu do Amanhã é muito importante, por meio de suas exposições, com um alcance grande. Aqui no Brasil essa cátedra é emblemática.
Por quê?
Porque é a primeira no mundo a ser sediada num museu e a contar com a colaboração de uma universidade. A cátedra busca formar facilitadores que ajudem profissionais e estudantes a planejar o futuro. Mas também ouvimos as crianças e as estimulamos a pensar de formas não convencionais.
E o que as crianças dizem?
Entrevistamos crianças de 10 e 11 anos. Queríamos saber como elas viam as escolas no futuro. E elas querem escolas sem paredes porque acham que isso as impede de ver o mundo. É uma visão, é uma forma de imaginar cenários e possibilidades. As pessoas precisam aprender a pensar de forma independente.
Como se alfabetiza alguém para futuros?
A ideia é fomentar a reconexão com o mundo. Hoje ficamos imersos em nós mesmos, conectados a um mundo digital. Mas nunca fomos tão desconectados do mundo real à nossa volta.
Qual método usam?
Nos baseamos em três pilares. O primeiro é o da autoanálise, isto é, o que cada pessoa acha que será o futuro. Há também o componente de subversão, que explora por que o futuro pode não ser como desejamos. E o terceiro é a ativação da esperança. É conjugar o verbo esperançar de Paulo Freire.
Não está fácil ter esperança...
Sim. A pandemia agravou o sentimento do “fim do futuro”, de Zygmunt Bauman. Muitos dos sonhos do século XX fracassaram. A tecnologia não nos levou ao mundo que sonhávamos. Mal saiu da pandemia, o mundo se vê literalmente mergulhado em extremos climáticos, com furacões, incêndios e enchentes. Guerras e ressurgimento de extremismos políticos e religiosos. As redes sociais exalam raiva e a inteligência artificial tem suscitado desconfiança. Mas o futuro não precisa ser assim. Não existem apenas problemas. Há soluções.
Como?
No comportamento individual, isso se expressa em agir como se pensa. A ideia é a da esperança ativa. Se você não tem esperança, perspectiva, você não age. Um exemplo é a inação em relação às mudanças climáticas. Precisamos pensar no futuro para fazer as coisas certas no presente.
E quais as linhas de pesquisa?
Há várias. Uma delas investiga o futuro ancestral. O futuro como era visto pelos povos originários do Brasil. A segunda estuda como sociedades e cidades que encontram caminhos para funcionar em harmonia no antropoceno, a era dos humanos.
Como funciona a cátedra?
A cátedra é um programa de quatro anos com atividades de pesquisa, de ensino e do engajamento. A Unesco tem uma metodologia, que adaptamos à realidade brasileira. Uma parte tem estudos científicos. Outra é a extensão, levando o conhecimento para o grande público. E, para isso, o Museu do Amanhã é muito importante, por meio de suas exposições, com um alcance grande. Aqui no Brasil essa cátedra é emblemática.
Por quê?
Porque é a primeira no mundo a ser sediada num museu e a contar com a colaboração de uma universidade. A cátedra busca formar facilitadores que ajudem profissionais e estudantes a planejar o futuro. Mas também ouvimos as crianças e as estimulamos a pensar de formas não convencionais.
E o que as crianças dizem?
Entrevistamos crianças de 10 e 11 anos. Queríamos saber como elas viam as escolas no futuro. E elas querem escolas sem paredes porque acham que isso as impede de ver o mundo. É uma visão, é uma forma de imaginar cenários e possibilidades. As pessoas precisam aprender a pensar de forma independente.
Como se alfabetiza alguém para futuros?
A ideia é fomentar a reconexão com o mundo. Hoje ficamos imersos em nós mesmos, conectados a um mundo digital. Mas nunca fomos tão desconectados do mundo real à nossa volta.
Qual método usam?
Nos baseamos em três pilares. O primeiro é o da autoanálise, isto é, o que cada pessoa acha que será o futuro. Há também o componente de subversão, que explora por que o futuro pode não ser como desejamos. E o terceiro é a ativação da esperança. É conjugar o verbo esperançar de Paulo Freire.
Não está fácil ter esperança...
Sim. A pandemia agravou o sentimento do “fim do futuro”, de Zygmunt Bauman. Muitos dos sonhos do século XX fracassaram. A tecnologia não nos levou ao mundo que sonhávamos. Mal saiu da pandemia, o mundo se vê literalmente mergulhado em extremos climáticos, com furacões, incêndios e enchentes. Guerras e ressurgimento de extremismos políticos e religiosos. As redes sociais exalam raiva e a inteligência artificial tem suscitado desconfiança. Mas o futuro não precisa ser assim. Não existem apenas problemas. Há soluções.
Como?
No comportamento individual, isso se expressa em agir como se pensa. A ideia é a da esperança ativa. Se você não tem esperança, perspectiva, você não age. Um exemplo é a inação em relação às mudanças climáticas. Precisamos pensar no futuro para fazer as coisas certas no presente.
E quais as linhas de pesquisa?
Há várias. Uma delas investiga o futuro ancestral. O futuro como era visto pelos povos originários do Brasil. A segunda estuda como sociedades e cidades que encontram caminhos para funcionar em harmonia no antropoceno, a era dos humanos.
Nela exploramos o conceito de neoecossistemas, ou seja, ecossistemas que aparecem a partir de lugares criados pelo ser humanos, as cidades, os reflorestamentos. E temos ainda uma terceira linha, a que chamamos de “futuro do futuro”, o pós-desenvolvimento. Visões de mundo diferentes dos objetivos do desenvolvimento sustentável. Pensar o mundo sem sustentabilidade.
Por que o senhor, um cientista da ecologia, foi escolhido? Tem a ver com a crise ambiental do planeta?
De certa forma, sim. Mas quem primeiro foi procurado para isso foi o Museu do Amanhã. Integro o comitê científico e de saberes do museu.
Há relação entre as plantas e a alfabetização de futuros?
Trabalhei com plantas a maior parte da minha vida. E a minha pesquisa sempre procurou compreender como as plantas lidam com o ambiente, porque elas antecipam, se preparam para as chuvas, para as estações. Tudo o que é vivo lida com antecipação. Também trabalhei muito com a investigação das mudanças climáticas. Para isso, você lida com projeções, ferramentas racionais de antecipação do futuro. Mas há outro componente na antecipação, que é a intuição, o nosso instinto. E é preciso intuir para planejar um futuro.
Por quê?
O ser humano, ao se julgar controlador e separado do resto da natureza, perdeu um pouco a capacidade de intuir, que é essencial para a antecipação, como as plantas fazem. Conseguimos ter perspectiva. Mas perdemos em boa parte a intuição. Isso é por falta de contato com o mundo. Não nos vemos na natureza. Ao longo dos anos, sempre trabalhando com as plantas, passei a me interessar muito com esse processo no ser humano. Por isso, as ferramentas de alfabetização do futuro me interessaram muito.
Qual a importância dessa cátedra?
Ela tem a ver com pensar como enfrentar nossas muitas crises: humanitária, ambiental, econômica, sanitária, de valores. A sustentabilidade emergiu como um valor. Mas o capitalismo, com sua incrível capacidade de fagocitar as coisas, transformou tudo o que quer vender em sustentável. Isso gerou dúvidas. Então o que é sustentável? Se tudo é sustentável, então nada de fato é. Essa crise de valores é profunda. O valor precede a ética.
Por que o senhor, um cientista da ecologia, foi escolhido? Tem a ver com a crise ambiental do planeta?
De certa forma, sim. Mas quem primeiro foi procurado para isso foi o Museu do Amanhã. Integro o comitê científico e de saberes do museu.
Há relação entre as plantas e a alfabetização de futuros?
Trabalhei com plantas a maior parte da minha vida. E a minha pesquisa sempre procurou compreender como as plantas lidam com o ambiente, porque elas antecipam, se preparam para as chuvas, para as estações. Tudo o que é vivo lida com antecipação. Também trabalhei muito com a investigação das mudanças climáticas. Para isso, você lida com projeções, ferramentas racionais de antecipação do futuro. Mas há outro componente na antecipação, que é a intuição, o nosso instinto. E é preciso intuir para planejar um futuro.
Por quê?
O ser humano, ao se julgar controlador e separado do resto da natureza, perdeu um pouco a capacidade de intuir, que é essencial para a antecipação, como as plantas fazem. Conseguimos ter perspectiva. Mas perdemos em boa parte a intuição. Isso é por falta de contato com o mundo. Não nos vemos na natureza. Ao longo dos anos, sempre trabalhando com as plantas, passei a me interessar muito com esse processo no ser humano. Por isso, as ferramentas de alfabetização do futuro me interessaram muito.
Qual a importância dessa cátedra?
Ela tem a ver com pensar como enfrentar nossas muitas crises: humanitária, ambiental, econômica, sanitária, de valores. A sustentabilidade emergiu como um valor. Mas o capitalismo, com sua incrível capacidade de fagocitar as coisas, transformou tudo o que quer vender em sustentável. Isso gerou dúvidas. Então o que é sustentável? Se tudo é sustentável, então nada de fato é. Essa crise de valores é profunda. O valor precede a ética.
Se estamos numa crise de valores, em seguida vêm revisões éticas. E a ética é que dá base para a política. Esse estudo de futuros tem um caráter pessoal, que é se indagar como vemos o futuro e acabar se perguntando sobre nós mesmos. Mas também existe um caráter subversivo no sentido político mais amplo, da necessidade de mudar a vida, o mundo para que se torne melhor. Esse é um desejo profundo, que precisa ser praticado todos os dias.
Fonte: O GLOBO
Fonte: O GLOBO
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