Um crescente corpo de evidências comprova a influência do meio ambiente e dos hábitos de vida na fertilidade humana
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1 a cada 6 pessoas (17,5%) no mundo enfrentam dificuldades para engravidar. O diagnóstico de infertilidade é definido por não conseguir uma gravidez após ao menos 12 meses de tentativas e afeta o “bem-estar mental e psicossocial das pessoas”, defende o órgão.
Há muitos fatores que impactam essa tendência. A gravidez tardia é o principal e talvez o mais óbvio, dado que a fertilidade da mulher diminui consideravelmente a partir dos 30 anos. Mas a verdade é que um crescente número de estudos comprova o impacto do ambiente e do estilo de vida nessa tendência.
O mais recente deles mostra que até mesmo a estação do ano pode influenciar na chance de gravidez. O trabalho, realizado pelo Fertility Medical Group, em São Paulo, concluiu que a primavera é a estação com maior taxa de fecundação entre pacientes submetidas à fertilização in vitro (FIV). O outono, a pior.
— Vimos que na primavera a taxa de gravidez é 30% maior que no outono, que é a estação com menor taxa de sucesso. Também analisamos a taxa de abortamento, que foi 63% menor para embriões transferidos na primavera — diz Edson Borges, especialista em medicina reprodutiva e diretor científico do Fertility Medical Group.
A segunda “melhor estação” para engravidar, depois da primavera, é o verão, seguida do inverno. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram o desfecho de 3.725 tratamentos para fertilização in vitro, que totalizaram 4.952 embriões transferidos. Os resultados completos do estudo foram apresentados no XXVII Congresso Brasileiro de Reprodução Assistida, realizado recentemente em Aracaju (SE).
Borges explica que um estudo anterior, feito há cerca de 10 anos pela equipe, já havia indicado que a taxa de fecundação era mais alta para procedimentos de fertilização in vitro realizados na primavera. Entretanto, na época, não havia a prática de congelar embriões e fazer a implantação depois. Atualmente, o congelamento de embriões é quase uma regra na área. Na Fertility, por exemplo, 85% dos embriões são congelados antes de serem implantados.
— Descobrimos que a medicação usada para estimulação ovariana atrapalha a função do endométrio, fazendo com que a taxa de gravidez caia um pouco. Por isso, a maioria dos embriões é congelada para fazer a implantação depois — explica Borges.
Os pesquisadores decidiram, então, fazer um novo estudo para confirmar se a estação do ano realmente interferia nos resultados da gestação ou se era apenas uma característica do embrião fresco, por exemplo. O impacto da estação do ano se confirmou no novo estudo.
Embora o estudo tenha sido realizado entre pacientes submetidas a um tratamento de reprodução assistida, o especialista afirma que os resultados também valem para quem está tentando engravidar de forma natural.
A principal hipótese para explicar essa associação está nas modificações da luminosidade na produção de hormônios que favorecem a fertilidade feminina. Diversas evidências já demonstraram que a fecundidade em mamíferos depende da luz do dia e da temperatura, e que o aumento da duração do dia está associado a mudanças no cérebro que são responsáveis por mediar atividades reprodutivas.
— Na primavera tem mais luz. A hipófise trabalha melhor e isso aumenta os níveis de progesterona. Sabemos que isso ocorre em mamíferos e que a fertilidade dos animais fica melhor na primavera, mas até agora não tínhamos comprovado que isso acontece em humanos também — diz Borges.
Outro estudo recente, feito por pesquisadores da Pesquisadores na Austrália mostrou que a implantação de embriões formados a partir de óvulos coletados no verão resultou em uma probabilidade 30% maior de bebês nascerem vivos do que se os óvulos tivessem sido recuperados no outono, por exemplo. Os pesquisadores também descobriram um aumento de 28% nas chances de um nascido vivo entre as mulheres que tiveram os óvulos coletados durante os dias com mais sol em comparação com os dias com menos sol.
Existem muitos fatores que influenciam a fertilidade. A idade, em especial da mulher, é apontada como principal. A mulher já com uma quantidade determinada de folículos, células que vão desenvolver os óvulos. É a chamada reserva ovariana. A partir dos 35 anos, essa reserva cai num ritmo gradativo.
Entretanto, outros fatores de estilo de vida como consumo de álcool, tabagismo, sedentarismo, obesidade e alimentação também têm um forte impacto nisso. Agora a ciência começa apontar também a importância dos fatores ambientais na saúde reprodutiva humana.
— Hoje sabemos que a epigenética tem tanta influência ou mais do que a própria genética. Cada um tem uma propensão, mas o que faz desenvolver ou não determinadas disfunções é o estilo de vida e o meio ambiente — pontua o ginecologista obstetra especialista em Reprodução Humana Rodrigo Rosa, diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo.
Além dos estudos citados acima, que mostram a influência das estações do ano, outros trabalhos se dedicam a entender a influência de substâncias químicas, poluentes e mudanças climáticas na saúde reprodutiva humana.
Por exemplo, sabe-se que a exposição a certos produtos químicos e poluentes pode afetar a fertilidade e a saúde geral ao longo da vida. Ftalatos e fenóis, substâncias comumente encontradas em produtos para a pele e para a casa que contém cheiro ou cor também prejudicam a saúde reprodutiva.
— Já existem estudos que associam dioxicina, que é um poluente ambiental, com endometriose e outros mostrando diversos poluentes quem aumentam a incidência da síndrome do ovário policístico. Ambos os problemas influenciam na fertilidade — diz Rosa.
Pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, investigam, por exemplo, como o ambiente social e o que se vivencia na infância pode afetar a saúde reprodutiva. Há também estudos sobre o impacto negativo das mudanças climáticas na capacidade evolutiva de reprodução.
A alimentação é outro fator associado tanto ao estilo de vida quanto ao ambiente que tem um impacto comprovado na fertilidade. Segundo Rosa, o consumo de açúcar em excesso reduz em 30% a chance de concepção. Agrotóxicos, pesticidas e herbicidas de forma geral e também diminuem a fertilidade como um todo.
— A alimentação é a base para qualquer casal que queira engravidar de uma forma mais saudável — afirma o diretor clínico da clínica Mater Prime.
Uma nutrição adequada é um dos pontos principais não só para uma vida mais saudável, mas para melhorar a saúde reprodutiva. A recomendação é optar por uma alimentação que segue os moldes da dieta mediterrânea: dar preferência ao consumo de frutas e vegetais frescos, alimentos ricos em ômega-3 e azeite de oliva e reduzir o consumo de carne vermelha, açúcar e alimentos processados e ultraprocessados. Sempre que possível, deve-se optar por alimentos orgânicos para reduzir a exposição a pesticidas nocivos.
Manter a prática regular de atividade física de intensidade moderada e ter um sono adequado também melhoram a fertilidade.
Fonte: O GLOBO
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