Com população de 30 mil, ianomâmis têm apenas 890 bebês com até 1 ano; após covid, desnutrição ameaça vida de crianças

Com população de 30 mil, ianomâmis têm apenas 890 bebês com até 1 ano; após covid, desnutrição ameaça vida de crianças

Total de integrantes nessa faixa etária é o menor desde 2018, com exceção de 2021 por causa da pandemia

Diante de uma crise humanitária declarada no início do ano, a etnia ianomâmi registrou em 2023 o menor número de bebês vivos desde 2018, excluindo o ano de 2021, que sofreu os efeitos da pandemia de Covid-19. Hoje, de uma população estimada em 30 mil pessoas, apenas 890 são crianças com menos de um ano, segundo os indicadores do relatório semanal do Centro de Operação de Emergências (COE), mobilizado em janeiro para organizar as estratégias de resposta e medidas de saúde pública na Terra Indígena Yanomami.

O número caiu em comparação à contagem feita pelo governo no ano passado, que registrou 1.121 bebês dessa faixa etária. Também é menor em comparação a 2020, 2019 e 2018. É maior apenas que 2021, quando o total foi de 758. O Ministério da Saúde, que disponibilizou os dados ao GLOBO, não tem sistematizado o número de crianças ianomâmis por faixa etária antes de 2018.

O governo federal declarou emergência em saúde no território ianomâmi em 21 de janeiro. Desde então, a população indígena conta com a presença das Forças Armadas e reforço do SUS no território.
Números de bebês ianomâmis — Foto: Editoria de Arte

Líder indígena e presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena da Terra Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami acredita que as aldeias levarão anos para se recuperar:

— Os ianomâmis foram abandonados nos últimos sete anos, houve um colapso na saúde indígena com o aumento de invasões no território. Muitos garimpeiros entraram e contaminaram o solo e água, levaram malária. Oito meses não são suficientes para consertar a saúde ianomâmi — avalia ele.

Desnutrição e malária

Ana Caroline Marques, indígena de Aracruz, no Espírito Santo, foi, por meses, a única médica da UBS de Auaris, região dentro do território ianomâmi. Atuante nas comunidades desde 2022, ela afirma que testemunhou um “claro abandono” e desassistência sanitária com a população:

— O início do ano estava mais crítico. Não havia remédios, materiais, nada. Tiramos do bolso, fazíamos vaquinha. Está melhorando, mas ainda há casos, sim, que vão desde desnutrição a insuficiências respiratórias graves.

De acordo com o Ministério da Saúde, de 2019 a 2022 foram verificadas 505 mortes de crianças com menos de um ano no território. As principais causas de morte são desnutrição e malária.

— É um território grande, são muitas comunidades, e temos regiões desassistidas. Há períodos em que temos um fluxo muito elevado de atendimento. No início de janeiro, lembro de uma semana em que tivemos mais de 200 casos de malária — conta a médica.

Nas últimas idas ao Congresso para falar sobre o tema, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse que a crise dos ianomâmis só terá fim após retirada de todos os garimpeiros ilegais. A expectativa de Guajajara é que todos os invasores sejam expulsos até dezembro. O Ministério dos Povos Indígenas, em nota, afirma que segue empenhado em garantir assistência aos ianomâmis, em trabalho conjunto com outros ministérios. 

A pasta diz que "o descaso de anos que causou a desassistência aos Yanomami e culminou na grave crise sanitária, ambiental e humanitária que atingiu o território indígena traz consigo especificidades que exigem maior tempo de recuperação, como por exemplo a contaminação de mercúrio nas águas dos rios, que levam anos para se recuperar, e afeta diretamente a saúde física e psicológica dos indígenas". O ministério acrescenta que reitera o compromisso de reestruturar as políticas voltadas à promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas, "como saúde indígena, segurança alimentar e proteção territorial na TI Yanomami”.

A diminuição da base da pirâmide etária indica queda na natalidade e tende a provocar o envelhecimento da população. Esse fenômeno, somado a doenças que levam a mortes, é o que tem colocado a população em risco.

Ao GLOBO, em agosto, o líder xamã dos ianomâmis Davi Kopenawa disse que o povo “continua a morrer” e que há dificuldade para a chegada de médicos e equipamentos. Ele apontou o garimpo como principal ameaça: segundo ele, existem 30 mil ianomâmis na região, mas há cerca de 100 mil garimpeiros dentro e fora do território.

O garimpo na área começou a crescer em 2016, ganhando força na gestão Bolsonaro. A atividade ilegal cria lagoas de água parada que servem de criadouros de mosquito, provocando uma explosão dos casos de malária. Sem atendimento ou medicamento, os indígenas vão adoecendo, numa curva exponencial típica de epidemia. Além de contaminar a água com substâncias químicas, o garimpo causa o assoreamento de rios. Assim, crescem também os casos de diarreia.

O Ministério da Saúde considera os casos de malária e desnutrição ainda como “desafios estruturais” e diz que, apesar de melhorias, “o trabalho está longe de acabar”. “Ainda há desafios estruturais, como os graves casos de desnutrição e malária. Estes estão sendo tratados progressivamente na medida que a desintrusão cria condições para a estruturação das unidades de saúde e investimentos no saneamento da região. Foi criado ainda um plano de combate à malária que inclui busca ativa para encontrar indígenas contaminados, bem como um aumento substancial na testagem realizada”, destaca a pasta em nota.


Fonte: O GLOBO

Postar um comentário

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem