Com envelhecimento da população e queda na arrecadação do INSS, o próximo governo, em 2027, será obrigado a mudar regime
O ritmo de crescimento dos benefícios do INSS exigirá uma nova reforma da Previdência já no próximo governo, mostra estudo com base nos dados do Censo de 2022. Segundo o levantamento, o avanço dos pagamentos de aposentadorias e pensões foi três vezes a expansão da população brasileira nas últimas quatro décadas, uma tendência que deve se manter, pressionando as contas públicas.
O descompasso é resultado do envelhecimento da população, com cada vez menos jovens contribuindo para sustentar o sistema, e agravado pela informalidade do mercado de trabalho, em que muitos empregados não têm carteira assinada e não recolhem para a Previdência.
Segundo o economista Rogério Nagamine, autor da pesquisa publicada no Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), entre 1980 e 2022 os benefícios previdenciários tiveram alta de 3,9% ao ano, enquanto o aumento da população foi de apenas 1,3%.
Em 1980, o Brasil pagava um benefício para cada 15,3 habitantes. No ano passado, essa relação já era de um benefício para cada 5,4 habitantes.
Quando se inclui nessa conta pagamentos assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), dado a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, que não contribuíram para a Previdência, os dados reforçam a discrepância. Houve um aumento de 383,4% nos benefícios no período de 42 anos frente a um crescimento de 70,6% da população.
Reavaliação do MEI
Na avaliação de Nagamine, o Censo indica a necessidade de mudança nas regras de aposentadoria já a partir de 2027. Isso porque, com o rápido envelhecimento da população, as despesas com benefícios vão consumir cada vez mais recursos de áreas prioritárias, como saúde e educação, além de comprometer outras políticas públicas.
— Os dados do Censo mostram que é preciso um planejamento de médio e longo prazos para evitar problemas fiscais, diante do envelhecimento da população — afirma o economista.
Ele destaca que o debate sobre o financiamento do regime de aposentadoria se impõe não só por conta da demografia, mas pelo avanço da informalidade, com a expansão, por exemplo, de atividades por aplicativos por profissionais que não contribuem e dependerão do INSS no futuro.
Carlos Alberto Vieira, motorista de Uber: depois de 14 anos de emprego formal, ele foi demitido há seis anos — Foto: Guito Moreto
É o caso do motorista de aplicativo Carlos Alberto Vieira, de 42 anos. Depois de 14 anos de emprego formal, ele foi demitido há seis anos. Tentou voltar ao mercado, sem sucesso, e a saída foi recorrer às plataformas de transporte, onde consegue faturar uma média de R$ 3,5 mil mensais. Sem reservas financeiras e proteção social, Vieira se preocupa com o futuro, quando deixar de trabalhar:
— Cheguei a cogitar pagar ao INSS como autônomo, mas as tarifas dos aplicativos só pioram. O custo é alto e não sobra dinheiro. Fico preocupado como vai ser quando estiver mais velho, até porque aparecem mais despesas com médicos, remédios...
Para Marcelo Neri, economista e diretor da FGV Social, é preciso dar seguridade a esses trabalhadores, sem inviabilizar as operações:
— Equiparar contribuições previdenciárias e encargos trabalhistas ao emprego formal talvez inviabilize a operação. Acredito em um meio do caminho, que garanta direitos, mas que incentive o crescimento.
Apesar da necessidade de ampliar a cobertura da Previdência, Nagamine sugere, por exemplo, reavaliar o programa do Microempreendedor Individual (MEI), com alíquota previdenciária facilitada (5% sobre o salário mínimo):
— O programa tem sido caracterizado por inadequada focalização e tem permitido a substituição de emprego com carteira de trabalho.
Aumento no número de beneficiários do INSS — Foto: Editoria de Arte
Em 2021, diz ele, MEIs representavam cerca de 10% dos contribuintes do INSS, mas respondiam por cerca de apenas 1% da receita do regime. Além da alíquota, que precisaria ser mais bem calibrada, Nagamine critica o valor do faturamento anual do programa, que é de R$ 81 mil, e o governo quer subir para R$ 144,9 mil.
Manicure há mais de duas décadas, Jaqueline Lima da Silva, de 51, tornou-se MEI há dez anos, quando os salões de beleza começaram a substituir os profissionais com carteira assinada por prestadores de serviço. Com a contribuição de 5% que vai lhe garantir apenas um salário mínimo de aposentadoria na velhice, ela não projeta conforto ou segurança financeira, mas mais trabalho:
— Tiro de R$ 2 mil a 2,5 mil por mês hoje, o que é pouco, mas nem me imagino ganhando só um salário lá na frente. Se pudesse, contribuía mais, mas não dá. Vou continuar trabalhando mesmo aposentada.
Peso do salário mínimo
O ex-secretário de Previdência Leonardo Rolim, que participou da elaboração da reforma do regime no governo anterior, afirma que estimativas apontam que, apesar do crescimento das despesas previdenciárias, elas se mantêm estáveis em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) até o início da próxima década.
Porém, a política de valorização do salário mínimo ressuscitada pelo atual governo pode antecipar a reforma, já que os benefícios têm como referência o piso nacional. Medida aprovada pelo Congresso na última semana estabelece que o mínimo será corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes, como era até 2019.
— Se o PIB crescer, como todos desejam, as despesas com benefícios vão superar as receitas e causar desequilíbrios no sistema — destaca Rolim.
Para Paulo Tafner, economista e presidente do Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), o cenário é mais difícil. O argumento é que, mesmo se o PIB cair, o salário mínimo pressiona as contas previdenciárias devido à correção da inflação.
Ele lembra, ainda, que a última reforma deixou de fora trabalhadores rurais, BPC e manteve diferenciada idade mínima de aposentadoria entre homens e mulheres, que vivem mais:
— A gente precisa de uma (outra) reforma logo. O próximo governo vai ter que fazer. Não tem jeito.
Luís Eduardo Afonso, professor da Universidade de São Paulo (USP), concorda com a necessidade de correções na Reforma da Previdência, como o aumento automático da idade mínima para aposentadoria:
— A gente tem um terço da população economicamente ativa não contribuindo, o que é um conjunto muito expressivo de trabalhadores. A expectativa de vida vai continuar subindo, e vamos precisar rediscutir isso. O aumento da idade de aposentadoria ao longo do tempo é impopular, mais sofrido para os trabalhadores, mas não tem como fugir, está ligado diretamente à mudança demográfica.
Fonte: O GLOBO
Tags:
Economia