Em ascensão no Brasil, grama sintética gera debate por fama de causar mais lesões; o que ciência diz sobre isso

Em ascensão no Brasil, grama sintética gera debate por fama de causar mais lesões; o que ciência diz sobre isso

Estudo recente traz nova perspectiva sobre o assunto; mas adaptação precisa ser levada em consideração

Usado nos estádios de Athletico, Botafogo e Palmeiras — e com a adoção em estudo na Arena do Atlético-MG —, o gramado sintético ganha espaço no futebol brasileiro, ao mesmo tempo que alimenta debates acalorados. De um lado, críticos ferrenhos. Do outro, a defesa daqueles que já os utilizam. Uma discussão que não se limita ao território nacional. 

Um de seus inimigos mais famosos é Lionel Messi, cujo contrato com a MLS, onde atua pelo Inter Miami, o dispensa de jogos nesta superfície. Por trás desta resistência, a justificativa de que o piso oferece maior risco de lesão. Mas, afinal, o que a ciência diz sobre isso?

As pesquisas já realizadas não trazem uma verdade absoluta sobre o tema. Nos últimos anos, algumas apontaram risco maior de lesão no sintético e alimentaram sua má fama. Contudo, um estudo conduzido na Finlândia e publicado em abril na conceituada revista de medicina The Lancet traz uma perspectiva nova.

Na verdade, trata-se de uma revisão de mais de 1.500 artigos e estudos sobre lesões em campos naturais e sintéticos. De uma maneira geral, foi encontrada uma incidência de lesões 14% menor na grama artificial. Mas, se não é uma pesquisa inédita, por que o resultado foi diferente?

O que os pesquisadores fizeram foi excluir modalidades que estes estudos, em sua maioria, incluem — como o rúgbi e, principalmente, o futebol americano. A partir daí, analisaram o material, que contém informações sobre atletas homens e mulheres, adultos e juvenis e foram coletadas em três continentes (Europa, Ásia e Estados Unidos).

Outro detalhe importante é que alguns estudos são feitos exclusivamente sobre o futebol não profissional. Com isso, incluem gramados sintéticos de gerações anteriores a atual e que não necessariamente foram submetidos à certificação da Fifa.

— Quando se fala em sintético, muita gente ainda assimila ao society. Aquela grama do peladeiro de fim de semana, com zero manutenção, que não tem o selo da Fifa — comenta Alessandro Oliveira, CEO da Soccer Grass, responsável pelo campo do Allianz Parque, em São Paulo.

Para obter o selo Fifa Quality Pro, os gramados precisam passar por uma série de testes anuais para provar que emulam perfeitamente as condições do piso natural. São avaliados o quique da bola, a rolagem, a planicidade do solo, sua capacidade de absorção de impactos, a altura da grama e a fixação das chuteiras — que não pode ser mais forte que no natural para evitar torções.

Atualmente, estes campos são feitos basicamente de três camadas. A primeira (mais interna) é de shockpad, que funciona como uma espécie de colchonete. Sobre ela vem os fios de poletileno, que simulam a grama. Este material é considerado menos abrasivo. Ou seja: reduzem os arranhões e queimaduras que tanto incomodavam os jogadores no passado.

Eles recebem um lastro de areia e, em seguida, vem a terceira camada, de preenchimento, cujo material varia de acordo com o estádio. No Allianz, é termoplástico. Na Ligga Arena, em Curitiba, um composto feito a partir de casca de coco. 

Já no Nilton Santos, de cortiça. Todos eles não aquecem diante da exposição ao sol como se passava com os sintéticos mais antigos e ainda ocorre com os de uso não profissional, que utilizam borracha comum.

Porém, o fato de a tecnologia ter evoluído não deslegitima a resistência dos atletas. E ela é grande. A ponto de, até hoje, a Fifa não adotar esta superfície nos campeonatos administrados por ela. A única exceção foi um desastre. Na Copa feminina de 2015, no Canadá, as jogadoras reclamaram bastante. O máximo que a entidade admite atualmente é o chamado híbrido, cujo material sintético corresponde a apenas 5% do total.

Na Holanda, a Eredivisie CV, responsável pelo campeonato nacional, vetou, a partir de 2025, o uso de gramados artificiais na primeira divisão. Lá também somente os híbridos serão aceitos. Uma decisão que pôs fim a uma longa luta dos atletas contra este piso.

A adaptação é uma questão preponderante para entender esta resistência. Como a grama natural é muito mais comum, é até esperado que os jogadores estranhem o piso artificial.

No Brasil, o estado ruim dos campos tradicionais — que não passam pelos mesmos testes que os sintéticos — faz com que eles sejam cada vez mais associados às lesões sem contato. Foi assim com a de Tiquinho Soares, do Botafogo, no Mineirão, no último domingo. 

No mês passado, Gabigol deixou o jogo do Flamengo contra o Fortaleza contundido e discutiu com vice de futebol Marcos Braz por reclamar do gramado do Maracanã.

Contudo, principalmente pela questão da adaptação não se pode dizer que os campos artificiais são blindados a lesões. É o que mostra a de Galoppo, do São Paulo, que rompeu os ligamentos do joelho em março, no Allianz, e ainda não retornou.

— A primeira coisa que temos que entender é que se um atleta está acostumado com um determinado piso, ele precisa de tempo de adaptação para o piso novo. Isso vale para o corredor de rua, o ginasta, o jogador de vôlei, o de futebol... 

— explica o ortopedista Ivan Pacheco, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. — A pessoa que corre na esteira e vai para a rua precisa de tempo para o sistema musculo-esquelético se adaptar. Mas no futebol não há esse tempo. Isso é um problema para os jogadores.


Fonte: O GLOBO

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