‘É uma política completamente errônea’, diz presidente da Biblioteca Nacional sobre recusa por SP dos livros didáticos do MEC

‘É uma política completamente errônea’, diz presidente da Biblioteca Nacional sobre recusa por SP dos livros didáticos do MEC

O imortal Marco Lucchesi afirma que o analógico e o virtual são complementares na formação dos jovens

Autoridade no mundo dos livros, o poeta e escritor Marco Lucchesi escreveu esta semana na plataforma X (ex-Twitter) um post em tom de desabafo: “Seria impensável que, em pleno século XXI, precisássemos defender o papel crucial do Livro, da Cultura, da Civilização. Aqui chegamos...”. 

A indignação (sem citar nomes na rede) surge em meio à polêmica sobre o material didático digital das escolas estaduais de São Paulo, que substitui os tradicionais livros do MEC, numa política criticada em entrevista pelo imortal e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), autor de 50 livros, hoje à frente da Biblioteca Nacional.

O senhor postou que ainda precisamos defender o papel crucial do livro, da cultura e da civilização. Assistimos à recusa de SP dos livros do MEC para os estudantes da sua rede. Como avalia essa política?

É uma política completamente errônea, que não corresponde às necessidades básicas de uma formação cultural. Sobretudo porque confunde o tipo de utilização de meios. Não se trata de substituição, mas de soma de esforços, de coparticipação de meios. O analógico e o virtual não são inimigos e nunca podem ser dissociados, particularmente quando se trata da formação inicial das primeiras letras. 

Os suportes na evolução da história do livro e das ideias convivem. Lembrando que o livro é um design veneziano, está aí há 500 anos. Depois chegou o virtual. O erro de São Paulo foi ter colocado o virtual como grande tema e o analógico simplesmente como uma reprodução secundária e auxiliar. Não é isso: são duas linguagens distintas e complementares.

O senhor conhece o material do MEC, que inclui também livros de literatura?

Não conheço exatamente o material. Mas o que se trata nesse caso é de ter a delicadeza da abordagem dos meios necessários para os sujeitos que são o fim desse processo, e não de uma ideia completamente equivocada de que a última conquista da tecnologia deve desbancar outras formas analógicas. É um erro completo, que seria admissível na década de 1990, mas hoje demonstra desconhecimento fatal do processo do aprendizado.

O anúncio de que o material digital será impresso para os alunos “consumi-los”, algo que não seria possível com os livros do MEC, faz sentido?

Não faz sentido algum, a emenda sai pior que o soneto. Porque não se trata de ancorar o virtual no analógico, como se não houvesse um discurso, uma construção própria que distingue o material virtual, o design virtual de um design analógico. Mais uma vez é uma tentativa de recuperar um fundamento que não corresponde ao desejado.

Há livros que não podem faltar na formação dos jovens?

A questão fundamental não é atribuir papel redentor a uma forma de expressão, não há discussão de mídia superior ou inferior. O que está em jogo é a formação pedagógica da leitura, a construção da subjetividade e as tarefas distintas e complementares ocupadas pelo virtual e pelo analógico. Os livros não podem faltar na formação dos jovens em nenhum momento de nossas vidas. 

Os títulos são vários e distintos, mas essa tarefa cabe aos professores, alunos, gestores, críticos, escritores. Portanto, a escolha deve respeitar a sinergia dos vários agentes que percorrem e atravessam esse mundo fascinante, complexo e desafiador que é o da leitura.


Fonte: O GLOBO

Postar um comentário

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem