Desparatização e emagrecimento

Desparatização e emagrecimento

Alimentação balanceada, atividade física aliada à tratamentos respaldados na ciência ainda são a receita para longevidade

A nova moda do momento é o protocolo de desparatização para emagrecimento e cura de certas doenças. Pipocam na internet “profissionais” e anúncios de farmácias que relacionam fadiga, hipovitaminose, convulsões, dores no corpo, aumento de peso, intestino preso, problemas no fígado e diabetes à presença de mais de cem parasitas que podem ser a causa desses malefícios. Oferecem kits de “desparatização detox” composto por chás, tinturas, óleos e cápsulas que prometem eliminar os vermes e devolver a saúde e o bem-estar. Será que esse tratamento funciona?

Sou formada há mais de 25 anos pela Faculdade de Saúde Pública da USP, cuja grade curricular dá ênfase ao estudos das doenças comuns na população brasileira. Lembro que a parasitose, associada à falta de acesso à alimentação, foi a principal causa de desnutrição em crianças em razão da ausência de saneamento básico e más condições de higiene (água tratada e esgoto) principalmente no interior do país. A imagem das crianças com baixo peso e quase sem massa muscular contrastava com o abdômen inchado em razão da presença de vermes causadores de falta de apetite, atraso no desenvolvimento, baixa estatura, anemia, entre outros.

O exame parasitológico de fezes (EPF) é uma das formas mais utilizadas para o diagnóstico das verminoses. O EPF é uma análise laboratorial que consiste na avaliação de pequenas amostras de fezes do paciente. O tratamento é feito com a administração de antiparasitários.

A endocrinologista Patricia Peixoto, graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que esse tratamento de desparatização não tem fundamento nem respaldo das sociedades médicas. A médica esclarece que a infecção por parasitas intestinais pode comprometer a absorção de nutrientes e vitaminas, levando a quadros de emagrecimento, diarreia, anemia e fadiga. 

Ela ressalta ainda que pessoas com diabetes e/ou obesidade apresentam alterações em suas respostas imunes, ficando mais suscetíveis a infecções virais, bacterianas e por outros microrganismos, com recomendação de esquema vacinal especifico pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), mas sem nenhuma recomendação de uso profilático de antiparasitários.

Há estudos que investigam a relação entre parasitas, sistema imune e inflamação, e alguns trazem dados surpreendentes, como de que os helmintos podem oferecer proteção contra dislipidemia, síndrome metabólica, diabetes e doença cardiovascular aterosclerótica, espécies de ancilostomídeos podem ter um efeito protetor na inflamação intestinal contra doença de Crohn, colite ulcerosa e doença celíaca, e o Strongyloides stercoralis (lombriga) pode reduzir o risco de diabetes tipo 2, modulando a expressão de citocinas pró-inflamatórias. Mas a medicina baseada em evidências não pega dados e os aplica sem análise criteriosa. Caso contrário, passaríamos a recomendar que tais parasitoses não fossem mais tratadas.

Ao aprofundar em pesquisas que pudessem justificar o emprego de kits de “desparatização detox”, Patricia aponta que os raros estudos que buscaram identificar se a infecção por parasitas intestinais poderia provocar um processo inflamatório levando a alterações metabólicas e ganho de peso, não encontraram tal correlação. Portanto, a justificativa de que inúmeros parasitas podem causar obesidade, diabetes e alterações metabólicas carece de fundamentos científicos consistentes, e estes tratamentos devem ser desaconselhados.

Chá de banana, água com limão, vinagre em jejum, dieta carnívora, chá de carvão e água com sal são alguns dos exemplos de receitas milagrosas que aparecem todos os dias na mídia e nos consultórios para a “cura” da obesidade, diabetes e outros males da vida moderna. Lembro que alimentação balanceada, atividade física aliada à tratamentos médicos respaldados na ciência ainda são a receita para longevidade, saúde e qualidade de vida.


Fonte: O GLOBO

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