'As declarações de Lula não trazem paz alguma', diz presidente da Ucrânia sobre guerra contra Rússia

'As declarações de Lula não trazem paz alguma', diz presidente da Ucrânia sobre guerra contra Rússia

Presidente ucraniano falou à mídia latino-americana sobre suas expectativas em relação ao apoio da região e criticou o líder brasileiro

Nos últimos 529 dias de conflito, a América Latina não esteve apenas fisicamente distante da guerra na Ucrânia. Embora a invasão da Rússia tenha sido condenada de forma geral na região, apenas alguns países se juntaram à aliança ocidental liderada pelos Estados Unidos e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). 

Poucos enviaram armas para ajudar a ex-república soviética a se defender da agressão do presidente russo Vladimir Putin, impuseram sanções econômicas ou de outra natureza contra a Rússia — uma potência que continua tendo grande influência no continente e com a qual muitos continuam fazendo negócios.

Em uma coletiva de imprensa com diversos jornalistas da mídia latino-americana no Gabinete Presidencial em Kiev, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pediu apoio e compreensão. Ao convidar todos os países latino-americanos para discutir sua fórmula de paz na cúpula global que está preparando, ele não escondeu seu descontentamento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que "as declarações de Lula não trazem paz alguma".

Na maioria dos países latino-americanos, houve declarações condenando a invasão russa, mas não necessariamente ações que de alguma forma demonstrassem essa condenação. Como o senhor acha que os governos latino-americanos podem ajudar em um momento em que a Ucrânia está em uma situação terrível por causa da guerra?

Me parece que, para entender como ajudar, é preciso entender o que está acontecendo, quais são as consequências da guerra, entender que se trata de uma agressão não provocada que temos em nosso território. Esse é o primeiro passo. Aqui, por exemplo, uma das consequências são as minas: 200 km² do nosso território estão cobertos de minas. Por exemplo, você consegue imaginar minas por toda parte no Uruguai? Aqui é assim. 

Os russos vieram e minaram quase tudo. As pessoas não podem trabalhar para cultivar a terra, as crianças não podem ir à escola. (...) Quanto tempo leva para remover as minas de um território do tamanho do Uruguai? Então, quanto tempo teremos de esperar para que a guerra termine? O inimigo quer que passem muitos anos antes que possamos remover as minas. Portanto, quando alguém se pergunta como ajudar, é necessário divulgar isso para a sociedade.

Como o senhor avalia a influência do regime de Vladimir Putin na América Latina e como planeja reconstruir as relações diplomáticas da Ucrânia com a América Latina?

A guerra dá a possibilidade de diferenciar amigos de inimigos, e vocês são amigos. A única plataforma que vejo é a política, mas não estamos falando do campo de batalha, estamos falando de diplomacia. Temos de nos preparar para a Cúpula da Paz. Tenho interesse em que o maior número possível de países esteja presente. 

Temos que elaborar a essência dessa fórmula de paz para os próximos anos, a fim de eliminar as consequências dessa terrível tragédia. Ela poderia criar uma base para resolver outros problemas semelhantes no futuro também. Até o momento, não consegui organizar uma reunião diplomática entre a Ucrânia e a América Latina com minha equipe, mas é um grande desejo. (...) Não se trata apenas de armas, podemos falar sobre grãos, trigo, segurança nuclear no mundo, na Ucrânia e assim por diante.

Há uma frase atribuída ao ex-presidente mexicano Porfirio Díaz que diz que os países são invariavelmente prisioneiros da sua geografia. Nesse sentido, o que você diria àqueles que afirmam que as aspirações da Ucrânia de ingressar na Otan seria o equivalente à Rússia colocar bases militares em território mexicano?

Temos que olhar para isso de uma forma um pouco diferente. Quando dizem que a Otan está lutando com a Rússia em território ucraniano, é a Rússia que está dizendo isso. Porque eles não conseguem imaginar como um exército tão pequeno pode resistir a um exército tão grande quanto o deles. Portanto, para justificar os esforços que fazem e que não conseguem vencer. 

Alguns países, como os bálticos, por exemplo, ficariam felizes se o Exército ucraniano estivesse em seu território para protegê-los, mas depois da guerra. Não precisamos de bases americanas ou de outros países parceiros. 

A Ucrânia, geograficamente, está próxima da Rússia e de outros países, e há também um exemplo: onde a Otan está, não há guerra. E nossa atitude deve ser vista no contexto do fato de que os países que pertencem à Otan o fizeram na época porque tinham medo de que a União Soviética pudesse voltar. (...) A Otan é uma associação de segurança, mas não há guerra em seu território.

Mas também se fala sobre a segurança da Rússia. Algumas pessoas acham que a Ucrânia pode entrar no território russo, mas nós nunca quisemos guerra. Todo a nossa indústria foi retirada dos territórios ocupados. E isso é colonialismo. É por isso que a Otan é uma questão para a nossa segurança e a proteção do nosso povo.

O senhor já fez vários esforços para mostrar ao presidente Lula e ao governo brasileiro a realidade da guerra. Mas, nesta semana, Lula disse novamente que nem o senhor nem o presidente Putin estão interessados na paz. O assessor presidencial de Lula, Celso Amorim, também disse esta semana que qualquer negociação de paz deve levar em conta as reais preocupações de segurança da Rússia. Como o senhor responde a essas afirmações?

Eu acho que o presidente Lula é uma pessoa experiente. Mas eu não o entendo muito bem. Você acha que a sua sociedade não entende bem o que está acontecendo e está contando com isso? As declarações de Lula não trazem paz alguma. É estranho falar sobre a segurança da Rússia. Somente a Rússia, Putin e Lula falam sobre a segurança da Rússia, sobre as garantias que precisam ser dadas para a segurança da Rússia. Só acho que ele tem sua própria opinião. 

Parece-me que não é necessário que seus pensamentos coincidam com os pensamentos de Putin. Seu país não está em guerra com ninguém, e seu país, o Brasil, é muito mais respeitado do que a Rússia no mundo hoje. O povo [do Brasil] é respeitado, sua visão, seus pontos de vista sobre o mundo são respeitados. 

O Brasil não é um país agressor, é um país pacífico. Por que você precisa concordar com as narrativas do líder do Estado [russo], Vladimir Putin, que não é diferente de nenhum colonizador? Ele mente constantemente, manipula constantemente, desinforma constantemente as pessoas. Ele está matando nossas crianças e estuprando nossas mulheres. Para ser sincero, se o presidente Lula quiser me dizer algo, que se sente [comigo] e me diga. E acho que vamos acabar com isso. Honestamente, achei que ele tinha uma compreensão mais ampla do mundo. Acho que é muito importante ver o mundo inteiro.

Você mencionou o termo "colonialismo" e, nesse sentido, eu queria perguntar sobre aqueles na América Latina que sentem dor pelo sofrimento ucraniano, mas que não endossam o apoio formal à Ucrânia por causa dos aliados que os ucranianos têm. O que o senhor pensa sobre isso?

Não acho que tenhamos valores diferentes [das sociedades latino-americanas]. Nós rimos quando estamos felizes e choramos quando estamos tristes. Também podemos ser fãs de futebol, torcer pelo nosso time e ficar felizes ou tristes, mas somos gratos ao destino também por nossas conquistas, por nossos homens e por nossas pequenas vitórias. 

Não podemos criticar a sociedade, as pessoas, se uma parte não apoia a Ucrânia. Mas acho que muitas vezes as pessoas simplesmente não estão informadas, porque os círculos políticos limitam o espaço para a informação. Mas, potencialmente, os países latino-americanos também podem nos apoiar. Só precisamos conversar abertamente com as pessoas, explicar tudo a elas, para que haja mais conhecimento. (...) Não acho que haja muita diferença entre nós.


Fonte: O GLOBO

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