Decisão do TCU sobre Galeão abre espaço para outras concessionárias 'desistirem de desistir' de aeroportos, estradas e ferrovias

Decisão do TCU sobre Galeão abre espaço para outras concessionárias 'desistirem de desistir' de aeroportos, estradas e ferrovias

Especialistas avaliam que concessionárias de estradas e ferrovias também poderão repactuar contratos

A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que, na prática, permitirá um acordo entre a Changi e o governo federal para que a operadora continue à frente do Aeroporto Internacional do Galeão, na Zona Norte do Rio, pode abrir caminho para que outras concessionárias que haviam desistido de seus ativos revejam as decisões.

Pode acelerar soluções não só para outros aeroportos com contratos problemáticos, como rodovias e ferrovias que já estão em negociação com o governo para encontrar uma saída que possa evitar a devolução dos empreendimentos à União. Na semana passada, reportagem do GLOBO revelou que o governo negocia acordos com operadoras de rodovias que podem destravar R$ 100 bilhões obras.

Isso vale para aeroportos, estradas e ferrovias, segundo advogados especialistas em infraestrutura consultados pelo GLOBO. Para eles, o TCU "não rasgou contratos anteriores”, interpretação temida no setor, mas avaliou que a relicitação de ativos no caso de desistência das concessionárias é um processo que na prática não deu certo. Por isso, permitirá a renegociação entre concessionárias e o poder concedente do ativo, o que pode ser positivo para usuários e a economia.

Aeroporto do Galeão com guichês de check-in vazios — Foto: Guito Moreto/Agência O Globo

— A relicitação é um processo que na prática não está dando certo. Então, a repactuação da concessão torna-se muito mais viável para atender o interesse público. O operador já conhece o ativo, sabe das dificuldades. E esse processo terá o acompanhamento do TCU, o que traz segurança jurídica — diz Rodrigo Jansen, sócio do escritório Leal Cotrim Advogados.

A maior parte das concessões devolvidas aconteceu no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, com estimativas muito otimistas que não se concretizaram. Entre rodovias, ferrovias e aeroportos que entraram no chamado programa de “devolução amigável”, nos últimos anos, apenas o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, foi relicitado.

Ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, no leilão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante — Foto: Divulgação

Isso aconteceu só depois de três anos da devolução pela operadora Inframérica, e com baixos interesse e ágio, o que obrigou o governo a desembolsar parte dos recursos para indenizar os investimentos da concessionária. Os especialistas dizem que se trata de um processo moroso e complexo.

No caso do Galeão, as estimativas de passageiros levaram em consideração a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Foram 17 milhões de passageiros em 2014, por exemplo. No ano passado, o terminal aéreo recebeu 5,9 milhões de pessoas. A pandemia, por exemplo, derrubou o movimento de veículos nas estradas e também nos terminais aéreos. A conta não fecha diante dos compromissos financeiros do contrato original, alega a concessionária.

TCU listou 15 condições

O TCU apresentou 15 condições para que a repactuação seja feita, incluindo a possibilidade de renegociação dos termos contratuais da licitação. Antes, estava previsto que o equilíbrio financeiro do contrato, no momento da licitação, não poderia ser alterado. Era um ponto considerado muito rígido pelos especialistas, mas evitava que se pudesse beneficiar algum concessionário com melhores condições financeiras, sem justificativa.

Agora, na prática, será possível mudar tarifas de pedágio, valor de contraprestação e prazos de pagamento. Mas, segundo os especialistas, isso não significa quebra de contrato.

— Tudo terá que ser analisado caso a caso. O reequilíbrio econômico-financeiro tem que ser feito com cautela. Da época dessas concessões até agora aconteceram muitos fatos externos e imprevisíveis e as previsões feitas quando ocorreu a licitação não se concretizaram. E isso justifica a reavaliação do equilíbrio econômico financeiro dos contratos — lembra Jansen.

Aeroporto de Viracopos pode ter solução

Uma das concessionárias que considerou positiva a decisão do TCU foi a Aeroportos Brasil, administradora do aeroporto de Viracopos, em Campinas, São Paulo. Ela administra o terminal desde 2012, mas em 2020 enviou à Agência Nacional de Aviação (Anac) pedido de devolução do ativo. Depois, reconsiderou a decisão e pediu para continuar à frente do terminal.

Viracopos: devolução de concessão do aeroporto pode tem mais chance de ter outra solução — Foto: Divulgação

Em nota, informou que vai aguardar a publicação oficial da decisão nos próximos dias para analisar as condições propostas: "A concessionária parece reunir os pré-requisitos mencionados pelo Tribunal para permanecer na administração do aeroporto. Dessa forma, a manifestação oficial de interesse em seguir no ativo, prestando serviços públicos, deve ser formalizada ao CPPI (Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos) em breve”.

Rodovias dialogam com o governo

A Ecorodovias, através da Eco101, informou que se mantém aberta ao diálogo com o governo e os órgãos de controle para explorar outra solução que atenda ao interesse público no caso da rodovia BR-101 (Espírito Santo/Bahia). A concessionária pediu à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a devolução do ativo.

A empresa assumiu a rodovia em 2013 e o contrato previa a duplicação até o fim da concessão, que era de 25 anos, até 2038. A Eco101, entretanto, disse que o processo de relicitação segue em andamento.

Pedágios eletrônicos em testes na Rio-Santos (BR-101) — Foto: Domingos Peixoto

A Arteris Fluminense informou que já discute o contrato de concessão da BR-101/RJ Norte, administrada pela empresa, com o Grupo o Ministério dos Transportes. O objetivo é encontrar uma alternativa para a repactuação do contrato que permita novos investimentos no trecho com a sustentabilidade financeira da concessionária.

A operadora desistiu, em 2020, de concluir as obras de duplicação dos 322 quilômetros até o Espírito Santo. A Arteris vê como positiva a autorização do TCU para repactuação. Neste contexto, a concessionária desistiria da devolução amigável do trecho, aprovada no ano passado pela agência reguladora, diz a concessionária em nota.

"Neste novo cenário, a repactuação permitiria a retomada de obras em menor prazo e novos investimentos no trecho", informou a Arteris Fluminense.

A CCR, através da concessionária MSVia, informou que ainda está analisando a decisão do TCU proferida ontem para entender os seus eventuais impactos no processo de relicitação em curso. Em 2019, a MSVia pediu à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a rescisão amigável do contrato de concessão da BR-163, em Mato Grosso do Sul, solicitando a devolução do trecho, com a alegação de prejuízo com a operação.

A Rumo, que desistiu em 2020 de administrar a Malha Oeste, linha férrea que liga as cidades de Mairinque (SP) e Corumbá (MS) informou que irá analisar o acórdão do TCU. Mas observou que o processo de relicitação está em andamento.

Concessões existentes — Foto: Criação O Globo

O advogado Rafael Vanzella, sócio da área de Infraestrutura do Machado Meyer Advogados, também avalia que o pedido de repactuação terá que ser feito caso a caso, com fatos que justifiquem a decisão. Para ele, o processo de relicitação se mostrou muito complexo, já que apenas um saiu do papel.

Portanto, nesse sentido, a decisão do TCU de encontrar alternativas para processos que demoram e apresentam dificuldades é positiva. Mas ele faz uma ponderação:

— Abre-se um precedente ruim se for sinalizado que agora as concessionárias não precisam respeitar o contrato original, tentando repactuar e mudar o contrato a todo momento. Isso poderia levar a concessionários não sérios a entrarem em licitações futuras e alguns depois quando a bomba explodir eles pedirem repactuação — explica ele, dizendo que é preciso que se fiscalize como o poder concedente vai fazer uso dessa autorização do TCU.

Rafael Marchi, sócio-diretor da consultoria A&M Infra, observa que a decisão do TCU abre uma janela de oportunidade para quem já pediu relicitação, mas também para aqueles que estavam “namorando” o pedido de devolução dos ativos. Para ele, certamente essas concessionárias que pensavam em devolver vão solicitar o reequilíbrio financeiro:

— Todo mundo vai fazer estudos de viabilidade. O desafio do poder concedente e das agências de regulação será fazer a repactuação sem subjetividade, não favorecendo qualquer grupo, mas acredito que essas repactuações podem destravar investimentos da ordem de R$ 80 bilhões a R$ 100 bilhões, que estão travados.


Fonte: O GLOBO

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