Carteira digital de trânsito, serviços on-line do INSS, status de vacinação pelo celular: são vários os serviços públicos disponíveis na palma da mão ou a um clique no Brasil de hoje. O país é um dos com mais ampla oferta de serviços digitais no mundo.
Está em 12º no ranking das Nações Unidas de 2022, mas peca em duas frentes fundamentais para que o cidadão tenha pleno acesso ao governo digital: infraestrutura de telecomunicações e integração entre as diferentes áreas e esferas do governo.
Ao se considerar a infraestrutura, o país cai para 49ª posição no mesmo ranking da ONU, atrás de Uruguai, Chile e Argentina, conforme mostra a segunda reportagem da série Estado Eficiente, que aponta caminhos para os governos melhorarem os serviços públicos à população.
— Uma moça grávida, quando começa a fazer o pré-natal num posto de saúde, o INSS já deveria estar avisado que daqui a uns meses ela precisará de licença-maternidade. E se pediu o benefício, o município já deveria saber que vai haver demanda por uma vaga em creche naquela localidade — exemplifica Alexandra Cunha, coordenadora da área de Tecnologias e Governos do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Mas essa mãe, hoje, tem que enfrentar fila no INSS, fazer todo o cadastro novamente e, depois, ir para a fila da creche e fazer todo o processo de novo:
— São três cadastros que não conversam, três pessoas preenchendo os cadastros e mau atendimento para essa mãe. E, muitas vezes, a exclusão de um benefício que é dela por direito — diz Alexandra.
20 bases de dados
Rogério Mascarenhas, secretário de Governo Digital do Ministério de Gestão e Inovação, reconhece que a integração dos serviços é um “dos grandes problemas”. Há hoje 20 bases de dados integradas, com 890 serviços, mas os principais acessos ainda são para ver CPF, CNPJ e Certidão Negativa de Débitos.
Ele diz que o grande salto para o cidadão será a Carteira Nacional Digital, que vai abrir as portas para todos os serviços, “acompanhando a jornada de vida das pessoas”:
— Hoje é 1,2 milhão, e até novembro serão 6 milhões — afirma.
Ranking da ONU
Hoje, o Brasil está entre os 12 países com maior oferta de serviços públicos on-line, mas cai para a 49ª posição quando se considera também o acesso da população à infraestrutura de telecomunicações. Veja, abaixo, os mais bem colocados no ranking da ONU de serviços on-line do governo:
- Estônia
- Finlândia
- Coreia do Sul
- Dinamarca
- Cingapura
- Nova Zelândia
- Austrália
- Casaquistão
- Japão
- Holanda
- Suécia
- Brasil
Outro gargalo é a oferta ainda restrita ao governo federal. Enquanto 75% dos serviços mais procurados no governo federal são digitais, nos estados essa parcela cai a 45%. Manuella Ribeiro, pesquisadora do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), diz que, em 2021, a inscrição em concursos, cursos e escolas era feita virtualmente por 47% das prefeituras, e o agendamento de consultas, por 32%:
— Houve mudanças entre 2019 e 2021. A pandemia impulsionou a mudança.
Uma das soluções para aumentar o acesso virtual são os centros de atendimento, como Poupa Tempo, que funcionam como portas de entrada para esses serviços. O cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV, diz que esses centros integrados articulam o acesso digital à prestação direta muito rapidamente:
— Não adianta uma série de serviços se, depois, a resposta é lenta.
Ele chama atenção também para a transparência das ações e o excesso de controles que reduzem a eficácia dos recursos oferecidos:
— A digitalização não é uma panaceia.
A analista de comunicação Catarina Casini, de 24 anos, não abre mão dos meios digitais. Ela deixa sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) física em casa e só usa a versão digital. Por meio do Gov.br, Catarina verifica a carteira de vacinação e se há multas de trânsito, além de aproveitar a declaração do Imposto de Renda pré-preenchida:
— Prefiro usar documentos digitais, não corro o risco perder.
A carteira de trabalho de Catarina também é digital. E ela usa o aplicativo do FGTS, lançado em 2016 pela Caixa, que tem cerca de 39 milhões de usuários ativos. Desde 2020, quando foi lançado, 77% dos saques do Fundo foram feitos totalmente pelo app. Já o Caixa Tem, criado em 2020 para os pagamentos do Auxílio Emergencial, tem hoje 42 milhões de usuários.
Desigualdade no acesso
Segundo Manuella, as pesquisas do Cetic.br mostram a desigualdade no uso da tecnologia no serviço público. Um dos gargalos é levar os serviços digitais para cidades pequenas que, às vezes, têm apenas um profissional nessa tarefa. Para a pesquisadora, a falta de recursos humanos é mais crítica do que a de equipamentos ou infraestrutura de conexão à internet.
Outra pesquisa, a Cetic Domicílios, que é feita todos os anos, mostra que, em 2022, 65% dos usuários de internet de 16 anos ou mais usaram pelo menos uma ferramenta de governo eletrônico nos últimos 12 meses. Só que o percentual foi maior entre os moradores áreas urbanas (67%), entre os mais jovens, de 16 a 24 anos (71%), e entre quem tem renda familiar mensal acima de dez salários mínimos (90%). Para quem ganha um mínimo, a taxa cai a 49%.
— O serviço pode não alcançar as pessoas porque elas não têm acesso à internet ou não têm a habilidade para usar os dispositivos — diz Manuella.
Essa é a realidade de Tatiana Barros, de 36 anos. Mãe de uma menina com microcefalia, de 6 anos, está desempregada e conta apenas com o salário do marido, que é montador de móveis. Ela tem direito a benefício do governo, mas não tem acesso à internet para consultar os valores e a data de crédito:
— Para a gente colocar internet aqui é caro. Às vezes tenho que sair para ir na casa de alguém. Quando tem dinheiro, vou na lan house.
Segundo o secretário Mascarenhas, 150 milhões de CPFs têm registros na plataforma Gov.br. A digitalização do governo já permitiu uma economia de R$ 5 bilhões anuais para o cidadão e o Estado, afirma.
Fonte: O GLOBO
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