Bancos e fintechs vivem disputa de versões sobre causas do juro alto no rotativo

Bancos e fintechs vivem disputa de versões sobre causas do juro alto no rotativo

Campos Neto defende ‘equilíbrio’ no parcelamento sem taxas, mas Haddad avalia que adotar limites afetaria os mais pobres

A indicação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na semana passada, de que limitar o parcelamento sem juros poderia ajudar a reduzir os juros no rotativo do cartão de crédito trouxe a público um debate que vinha ocorrendo nos bastidores. Instituições financeiras, BC, Ministério da Fazenda e varejo formaram um grupo de trabalho para buscar uma solução para os juros do rotativo, que superam 400% — e visões antagônicas vieram à tona.

Na quinta-feira, Campos Neto citou a necessidade de “disciplinar” o parcelamento sem juros, por ver um desequilíbrio no mecanismo. Já ontem, ao novamente defender “equilíbrio”, ele reconheceu que o parcelado sem juros “é importante para a economia”:

— Precisa achar um equilíbrio — disse Campos Neto, em almoço promovido pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo, em Brasília. — Se você simplesmente limitar os juros, você corre o risco de ter os bancos retirando os cartões de circulação. Por outro lado, a função do parcelado sem juros é muito importante para a economia e o consumo.

Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que é preciso “proteger” quem cai no rotativo do cartão de crédito, mas ressaltou que o varejo poderia ser afetado por restrições ao parcelamento sem juros. Nos bastidores, o ministro diz ser contra qualquer limitação ao parcelamento sem juros.

Juros do cartão de crédito rotativo passam de 400% ao ano — Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil

Ele acredita que isso vai prejudicar os mais pobres e os lojistas. Além disso, Haddad assinala que nada impede o pagamento à vista com desconto — o que depende do vendedor e do banco.

‘Distorção’

Para interlocutores do setor financeiro que participam das discussões, o parcelamento sem juros cria um subsídio cruzado ao embutir (na própria tarifa) uma espécie de “prêmio” para eventual inadimplência. E acaba estimulando o rotativo (quando o consumidor não paga o total da fatura do cartão no vencimento), gerando uma bola de neve.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no entanto, nega que a ideia é acabar com o parcelamento sem juros. Em nota publicada na terça-feira, o presidente da entidade, Isaac Sidney, disse que o parcelamento deve ser mantido, mas que é preciso debater uma alternativa para “a grande distorção que só no Brasil existe”.

Segundo os bancos, metade das compras é feita no parcelado sem juros, cuja inadimplência supera a do pagamento à vista. A Febraban sugere que seja estudada uma “transição gradual” com todas as partes, incluindo empresas de pagamento, maquininhas, lojistas e consumidores.

Presidente do BC, Roberto Campos Neto, reconhece que o crédito parcelado sem juros “é importante para a economia”: — Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

O economista e planejador financeiro José Raymundo de Faria Júnior, da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar), concorda que o uso ilimitado do parcelamento sem juros gera um desequilíbrio em relação a quem concede o crédito e quem fica com o risco:

— Quando você vai numa loja e parcela em nove, dez vezes, o risco sai do lojista e vai para o emissor. E quando há inadimplência, ela recai sobre ele também. Isso faz com que os juros, depois, sejam altos. Mas as mudanças precisam ser graduais.

Entidade se diz surpresa

Já a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), que representa empresas como Ebanx e PayPal, rebate os estudos dos bancos que atrela o rotativo alto ao parcelamento sem juros ilimitado.

Evelyn Bueno, diretora da Abipag, diz que o segmento foi pego de surpresa com as declarações de Campos Neto na semana passada e a promessa de entrega, em até 90 dias, de uma proposta para o rotativo. Ela conta que vinha participando de conversas com o BC sobre o tema desde abril, mas que o setor não havia sido informado da existência de um desenho para solucionar o impasse.

— O tema subiu de temperatura porque boa parte do mercado foi pego de surpresa. — diz Evelyn. — O que vemos com preocupação é que a concentração do crédito e o aumento da competitividade no mercado não sejam discutidos primeiro.

A Abipag, em conjunto com a Associação Brasileira de Internet (Abranet), representante de PagSeguro e Mercado Pago, entre outras empresas, começou a veicular nesta semana uma campanha em que acusa os “maiores bancos do país e as bandeiras de cartão” de quererem criar “novas taxas” para o parcelamento.

Críticas da CNC

Na segunda-feira, a Abranet apresentou ao BC um estudo que contraria o argumento dos bancos sobre a correlação entre inadimplência e parcelamento sem juros. Carol Elizabeth Conway, presidente da Abranet, avalia que o fim do parcelamento sem juros poderia, na verdade, aumentar a inadimplência, já que o consumidor que não consegue pagar à vista teria de parcelar e ainda arcar com juros:

— Atualmente, os bancos emissores já podem, por liberalidade, limitar o número de parcelas; o que é muito ruim é que isso seja feito de forma uniforme, pois piora o produto para o consumidor e limita a competição.

Ela também defende que a inadimplência de quem compra parcelado é menor do que à vista e discorda que o parcelamento sem juros “seja o vilão”. Outras empresas digitais do setor de pagamentos dizem o mesmo. Diego Perez, presidente da ABFintechs, diz que a limitação do parcelamento sem juros vai “afetar diretamente modelos de negócio baseados nessa modalidade”.

Para Faria Júnior, da Planejar, uma mudança brusca nas regras do parcelamento inevitavelmente recairia no comércio. Mas ele também alerta que a redução ou tabelamento dos juros no rotativo, sem mudanças no parcelamento, poderia ter outro efeito negativo: a restrição do crédito pelos bancos.

Em nota, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) defende a necessidade de reduzir os juros do rotativo, que considera “exorbitantes”, mas afirma que o parcelamento sem juros deve ser mantido.

“Acabar com essa modalidade retira do mercado de consumo as famílias com renda mais baixa e parte da classe média”, afirma a CNC, ressaltando que o parcelamento sem juros é muito importante para o varejo e os serviços.

Para Mauro Francis, presidente da Associação Brasileira dos Lojistas Satélites de Shopping (Ablos), a limitação da modalidade “dificulta a vida dos consumidores, prejudica a cadeia de consumo e, consequentemente, a economia do país”.


Fonte: O GLOBO

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