'Há rejeição das capitais à reforma tributária, porque ganham muito com ISS’, diz pesquisadora da FGV

'Há rejeição das capitais à reforma tributária, porque ganham muito com ISS’, diz pesquisadora da FGV

Consultora internacional e coordenadora executiva do grupo de trabalho IVA do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, Melina Rocha diz que 90% de estados e municípios apoiam texto

A Reforma Tributária, que entra numa semana decisiva na Câmara dos Deputados, tem tudo para ser aprovada, apesar da rejeição de setores da economia, como serviços e agropecuária, e de governadores e prefeitos, afirma a pesquisadora da FGV Melina Rocha. Ela tem se debruçado sobre o tema para apresentar estudos que mostram os ganhos com a unificação dos impostos sobre consumo.

Teve discussões acaloradas na defesa da reforma no Twitter, como com o economista Felipe Salto, que chegou a classificar o relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como um monstrengo. A pesquisadora avalia que 90% dos prefeitos e governadores estão apoiando o novo sistema. Com Melina, O GLOBO encerra a série de entrevistas sobre a Reforma Tributária.

O governo tem falado que a reforma tributária vai ser neutra em termos de carga tributária, a quase totalidade dos municípios será beneficiada e o ganho de produtividade e o crescimento econômico vão compensar as perdas. Os críticos dizem que não é possível ter uma reforma dessa proporção sem perdas. É possível ter tantos ganhadores?

A primeira coisa é a simplificação que a reforma vai trazer sem ter uma legislação diferente em cada estado, com um ISS de cada município. Acaba com a complexidade tributária, diminuem a insegurança jurídica e o custo de compliance causados principalmente pela fragmentação das bases dos impostos sobre consumo. Só ter um ou dois tributos, harmonizados, já diminui exponencialmente o custo das empresas.

Elas vão ter custo reduzido, vão melhorar o ambiente de negócios, investimento e competitividade entre empresas, sem os benefícios fiscais. A reforma vai ter impacto positivo na economia, se vai aumentar em 10%, 20% ou mais o PIB (Produto Interno Bruto), só vamos saber com a implementação da reforma, mas que vai ter um aumento do PIB é certo.

Entre 193 países, 174 têm IVA (imposto sobre valor agregado, que na reforma vai unificar os impostos federais IPI, Pis e Confins, o estadual ICMS e o municipal ISS).

Mas o setor de serviços reclama que terá forte aumento de carga tributária?

Eles falam que a reforma vai prejudicar 70% da economia (peso dos serviços no PIB), mas boa parte de administração pública entra como serviço, mas não é tributada, não vai ser afetada. Boa parte dos serviços que são prestados no meio da cadeia, para empresas que são contribuintes no IVA, vai ser beneficiada. Quando prestam serviço para outras empresas, essas empresas estão pagando 5% de ISS que não podem recuperar.

Com a reforma, o IVA vai virar crédito. Por isso, o custo desse serviço vai diminuir. Hoje, o setor não tem crédito de nada, nem da energia elétrica, da internet, nada. O prestador no meio da cadeia vai ser beneficiado. Pequena parcela de serviços que presta para o consumidor final pode ter algum impacto, mas a maior parte dos prestadores para consumidor final, 90%, estão no Simples e no MEI.

Somente 13,7% que prestam serviço para consumidor poderiam ser potencialmente impactados, por atenderem uma camada de renda que tem condições de pagar.

Está havendo resistência de prefeitos e governadores, que temem perda de autonomia. A reforma consegue passar?

O IVA dual (um para os impostos federais e outro para os subnacionais) é muito bom, nenhum estado ficará sujeito à União. O CBS (que unificará IPI, PIS e Cofins) terá administração separada. Os estados e municípios não perdem autonomia. O IBS (que unirá ICMS e ISS) repartido entre estados e municípios não fere autonomia.

Estados vão ter uma gestão compartilhada e poderão regular as alíquotas, de forma harmonizada, como acontece na Índia e no Canadá: é uma só legislação, e cada estado e cidade fixa a alíquota que bem entender.

Mas não é mais possível manter a guerra fiscal. Com o princípio do destino (recolher imposto onde o produto ou serviço foi consumido e não onde foi produzido, como é hoje) não está se ferindo o pacto federativo.

Mas a centralização e controle da distribuição dos recursos é questionada pelos estados. Isso não tira autonomia dos governadores? Ronaldo Caiado (GO) chegou a dizer que não queria ficar recebendo ‘mesada’.

Apenas uma minoria de governadores colocam essa resistência. A maior parte apoia o conselho federativo, com administração compartilhada e integrada do IBS. Estados e municípios reunidos vão determinar conjuntamente o regulamento, a interpretação única para que haja uma maior segurança jurídica para os próprios entes federativos, evitando que haja conflito e guerra fiscal.

Na verdade, os estados nunca tiveram autonomia de conceder benefício fiscal. Os benefícios, num contexto de guerra fiscal, eram concedidos ilegalmente. Sem ter a unanimidade do Confaz (Conselho Nacional de Politica Fazendária), esses benefícios sempre foram ilegais. Goiás fala que não vai mais poder dar benefício para atrair investimentos, mas nunca pôde, na verdade.

Não perde a autonomia porque nunca teve essa autonomia. O que pouco se fala é que só o Conselho vai garantir que o contribuinte tenha a devolução do crédito tributário a que tem direito de forma rápida e eficiente. Se for como alguns estados estão propondo (como São Paulo), de os estados repassarem os créditos, isso sim pode causar conflito, e o contribuinte, ter dificuldade para ter esse crédito, como acontece hoje.

Teme que a reforma seja desidratada no Congresso diante de tantas resistências. Quais são os maiores riscos?

O governo federal, até por criar uma secretaria (extraordinária da Reforma Tributária), mostra apoio, e o Fundo de Desenvolvimento Regional vai ter a participação da União, diferentemente do governo anterior, que não aceitava injetar recursos no fundo.

A maior parte dos estados e dos municípios está apoiando. Há rejeição das capitais que ganham muito com ISS (que vai ser unificado com o ICMS), mas 90% são favoráveis à reforma.

Além disso, Câmara e Senado parecem estar em acordo de que a reforma é prioritária. Muito debate foi feito desde 2019, várias audiências públicas, muita análise e estudos sobre as consequências da reforma, como nunca tivemos antes.

O debate está amadurecido, com parte da população, dos especialistas, dos políticos com grau de conhecimento muito grande. Não tinha visto ainda essa conjunção de fatores a favor da reforma.

Mas há muita pressão.

O relator está segurando essas demandas. Politicamente é muito difícil, há muitas empresas que se beneficiam do atual sistema e querem manter o benefício. É normal. Faz parte do jogo politico, mas é preciso ter consciência da consequência de introduzir mais benefícios, que é aumentar a carga para outros serviços e setores.

No projeto, a carga tributária tem que ser mantida a mesma. Se diminuir a alíquota para certos setores, vai ter de aumentar para outros. A reforma veio exatamente para acabar com essa diferença. Tomara que nossos políticos não ouçam essas demandas e que tenhamos o mínimo de benefícios possível.


Fonte: O GLOBO

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