Putin diz que Wagner 'simplesmente não existe', e EUA afirmam que grupo não é 'significativo' na Ucrânia após motim

Putin diz que Wagner 'simplesmente não existe', e EUA afirmam que grupo não é 'significativo' na Ucrânia após motim

Grupo paramilitar, afirmou o Kremlin, 'nunca foi uma entidade legal', três semanas depois do levante contra alta cúpula militar russa

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou na quinta-feira que o grupo Wagner "simplesmente não existe", quase três semanas após a organização mercenária organizar um breve e fracassado levante contra a alta cúpula militar do Kremlin. Os americanos, por sua vez, disseram nesta sexta que os combatentes não são uma força significante na Ucrânia, em meio a indagações sobre o futuro da organização liderada por Yevgeny Prigojin.

Na quinta, o jornal Kommersant publicou uma entrevista com o chefe do Kremlin, que foi perguntado se o Wagner seria mantido como uma força de combate. Pelo acordo que cessou o levante, mediado por Minsk, os combatentes concordaram em abaixarem as armas, se mudarem para a Bielorrússia ou assinarem contratos com o Ministério da Defesa. Na quarta, Moscou noticiou que o grupo havia devolvido às autoridades "milhares de toneladas" de armamentos e munições.

— Bem, o Wagner não existe! — Putin exclamou. — Nós não temos uma lei para organizações privadas paramilitares! Ele simplesmente não existe.

Em seguida, o presidente disse que "o grupo existe, mas legalmente não existe", afirmando que a regularização ainda é um assunto pendente de debate na Duma, Câmara Baixa do Parlamento russo, cujos esforços para legalizá-las se intensificaram desde o levante. Nesta sexta, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, repetiu a declaração do mandatário afirmando que "uma entidade legal como o Wagner não existe e nunca existiu" e que este é "uma questão legal que precisa ser explorada".

Já o Pentágono disse por meio do porta-voz Pat Ryder que os mercenários não participam mais em "nenhuma capacidade significativa" das operações de combate na Ucrânia. O Wagner ganhou destaque durante a sangrenta e prolongada batalha pela cidade em Bakhmut, cuja conquista em maio foi o maior triunfo para Moscou no campo de batalha neste ano.

— Neste momento, não vemos as forças do Wagner participando com nenhuma capacidade significativa de operações de combate na Ucrânia — afirmou o representante da Defesa americana em entrevista coletiva, completando que a inteligência de Washington crê que "a maioria" dos combatentes do Wagner ainda estão em áreas da Ucrânia ocupadas pela Rússia.

O catalisador para o motim do Wagner, segundo informações da inteligência ocidental, teria sido as tentativas do Ministério da Defesa para integrar os paramilitares às Forças Armadas regulares, reduzindo o poder de Prigojin. Em maio, a Duma aprovou uma lei destinada a devolver ao Estado o monopólio da violência: por ela, todos os combatentes, mobilizados, voluntários ou presidiários seriam obrigados a se submeter à hierarquia do Ministério da Defesa.

Os parlamentares também aprovaram uma norma para contratar para lutar na linha de frente delinquentes que estejam cumprindo suas penas. Ambas medidas, impulsionada por militares com quem Prigojin estava há meses em pé de guerra, fazendo críticas públicas e demandando mais munições, significavam na prática que o Wagner não poderia mais formar um exército privado de mercenários.

Até então, Prigojin aproveitava do terreno não regulamentado que Putin mantém para facilitar a ação de sujeitos — aliados ou úteis para ele — que não poderiam atuar dentro da Lei da Federação Russa. Era nesta zona cinza, fora da legalidade, que operava o grupo enquanto era útil às autoridades russas.

Na entrevista ao Kommersant, o presidente descreveu pela primeira vez desde o levante de 23 e 24 de junho os pontos que foram debatidos durante uma reunião com 35 comandantes do Wagner, entre eles Prigojin. O encontro, que ocorreu cinco dias após o levante, foi confirmado pelo governo russo na semana passada, acentuando indagações sobre o futuro da organização paramilitar.

— Por um lado, durante a reunião, fiz uma avaliação do que haviam feito no campo de batalha. Por outro, do que fizeram nos eventos de 24 de junho — disse Putin. — Mostrei a eles opções possíveis para serviços subsequentes, incluindo o uso de suas experiências de combate. Foi isso.

O chefe do Kremlin sugeriu ainda que criou uma fissura entre os comandantes do Wagner e Prigojin, afirmando que uma das escolhas para os combatentes seria continuar a lutar sob a liderança de seu comandante direto, um homem identificado apenas como Sedoy — palavra que em português quer dizer "cabelo grisalho". Segundo Putin, nada mudaria para quem escolhesse tal opção. Questionado sobre qual foi a recepção à ideia, ele afirmou:

— Muitas pessoas acenaram [positivamente] com a cabeça — disse Putin, antes de afirmar que Prigojin teve uma leitura diferente e parafraseá-lo para o jornal. — "Não, os caras não concordam com essa decisão" — o chefe do Wagner teria dito, segundo o presidente russo.

Como parte do acordo mediado pelo presidente russo, Alexander Lukashenko, o Wagner interrompeu seu avanço em direção a Moscou, enquanto os russos se comprometeram a suspender qualquer caso criminal contra Prigojin. O mercenário-chefe teria ainda concordado com o exílio na Bielorrússia, algo cuja concretização foi posta em xeque por relatos de que Prigojin tem livre tráfego pela Rússia.

O jatinho Legacy 600, da brasileira Embraer, tem sido visto visto fazendo vários voos domésticos em território russo desde o motim. Questionada, Moscou afirmou que não tem condições ou interesse de monitorar o vaivém do mercenário, um amigo antigo de Putin que fez fortuna neste início de século à frente do serviço de catering favorito do Kremlin.

Prigojin diz ter fundado o grupo Wagner quando a Rússia tomou a Península da Crimeia em 2014 e da guerra subsequente. Desde então, enviou tropas para ajudar o Kremlin a fortalecer o regime sírio de Bashar al-Assad e construiu uma rede na África que se estende da Líbia ao Sudão, incluindo o Mali e a República Centro-Africana. Em solo russo, ganharam protagonismo em Bakhmut, onde Prigojin disse ter perdido 20 mil homens.

São várias as acusações de abusos e de exploração dos recursos naturais, mas o grupo tem um papel particularmente importante no Mali e na República Centro-Africana. Prigojin deslocou seus homens para a área em meio aos esforços russos para suprir vácuos deixados na região e disputar influência com chineses e americanos.

Para o Kremlin, a presença dos paramilitares era uma forma de exercer presença sem recorrer a botas russas no terreno. E, segundo o chanceler russo, Sergei Lavrov, os homens continuarão a trabalhar em tais países como instrutores, mas não está claro em qual capacidade ou sob o comando de quem.

Apesar das incertezas internas, a linha de frente continua ativa: um ataque de drones russos destruiu prédios de transportes e serviços públicos, além de dois edifícios residenciais, na cidade ucraniana de Kryvyi Rih. De acordo com a Força Aérea ucraniana, ao todo, foram abatidos 23 drones durante a madrugada.

Governadores russos, por sua vez, relataram ataques de drones ucranianos em cidades fronteiriças — um deles, escreveu no Telegram o governador Roman Starovoit, de Kursk, caiu perto da cidade de Kurchatov, causando danos parciais a um prédio. Outros cinco foram interceptados na quintana região vizinha de Alexsandr Gusev.

Em meio à sua contraofensiva em curso há mais de um mês, os ucranianos afirmaram terem recuperado territórios no sul do país, incluindo vários assentamentos na cidade de Orikhiv. Em um reforço de peso para Kiev, o Pentágono confirmou na quinta-feira que os controversos explosivos fragmentários, vetados por mais de 100 países, já começaram ser mandados para a Ucrânia. O país do presidente Volodymyr Zelensky já havia afirmado horas antes que o envio havia começado.


Fonte: O GLOBO

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