O que pode dar errado?

O que pode dar errado?

Lula deve sancionar hoje o projeto de lei que institui o Programa Escola em Tempo Integral, aprovada pelo Congresso

O presidente Lula deve sancionar hoje o projeto de lei que institui o Programa Escola em Tempo Integral. A proposta foi apresentada pelo Executivo ao Congresso em 17 de maio, tramitou em regime de urgência, sendo aprovada sem percalços na Câmara e no Senado. 

A ampliação do tempo que os estudantes ficam na escola é meta do Plano Nacional de Educação, tem apoio de governos estaduais e municipais, e há evidências razoáveis de que pode contribuir para o esforço de redução da evasão e melhoria da aprendizagem. Além disso, há previsão de apoio técnico e financeiro do MEC e a promessa de trabalho em regime de colaboração entre os entes federativos. Têm, portanto, todas as condições políticas para dar certo. Mas pode também dar errado.

Um risco já bastante mapeado é o de a ampliação da jornada diária - das atuais quatro ou cinco horas para ao menos sete - não resultar em melhoria da aprendizagem. Temos experiências locais exitosas, e que já foram avaliadas em estudos publicados em revistas científicas de ponta, caso da rede estadual de Pernambuco. 

No entanto, também não faltam exemplos, igualmente mapeados em avaliações rigorosas, de iniciativas no Brasil e no mundo que se mostraram ineficazes. Resumindo numa frase um debate que é obviamente muito mais complexo, simplesmente obrigar estudantes a passarem mais tempo numa escola que já não é atrativa ou eficaz em seus objetivos é uma aposta pouco promissora. Sem uma proposta pedagógica adequada ao novo modelo, teremos apenas mais de um mesmo que já não é satisfatório.

Outro risco que não pode ser desprezado é o de a ampliação do tempo na escola terminar afastando dela alunos que precisam conciliar estudo e trabalho. No cenário ideal, 100% de nossas crianças e jovens deveriam estudar sem a preocupação de complementar a renda familiar ou com o cuidado de familiares. 

No entanto, dados da Pnad Contínua, do IBGE, mostram que a principal razão citada para abandonar os estudos entre os homens foi a necessidade de trabalhar (52% das respostas), enquanto, para as mulheres, a mais comum era a gravidez ou necessidade de cuidar de pessoas e afazeres domésticos (33%).

Acelerar demais a ampliação da jornada sem uma resposta satisfatória a esses problemas externos pode agravar uma situação que já existe: alunos de escolas que passaram a ser de tempo integral migrando para estabelecimentos de tempo parcial ou, pior, abandonando os estudos. 

O projeto de lei a ser sancionado até cita que esse público mais vulnerável será prioritário, mas o efeito da ampliação pode ser em muitos casos o oposto do pretendido, especialmente em cidades com apenas uma escola ou em áreas urbanas de mais difícil locomoção para outro estabelecimento.

Há outros cuidados a serem considerados, e certamente nenhum deles é desconhecido dos formuladores de políticas públicas. Eles não invalidam o programa, que vai na direção correta. No entanto, num cenário em que quase todos parecem concordar, com prefeitos e governadores ávidos por ostentar o crédito nas próximas eleições de quem ampliou o tempo dos alunos na escola, é preciso estar ainda mais atento a tudo que pode dar errado.


Fonte: O GLOBO

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