Thaisa volta à seleção após cinco anos para Liga das Nações e traça meta: 'Tem de ter Paris'

Thaisa volta à seleção após cinco anos para Liga das Nações e traça meta: 'Tem de ter Paris'

Bicampeã olímpica, a central também comenta sobre a reestreia pela seleção nesta quarta-feira, contra a Coreia, em Brasília, sobre a relação com seu joelho 'problemático' e sobre a opção por congelar óvulos e ser mãe quando se aposentar

Porto Velho, RO -
Após cinco anos, a central bicampeã olímpica Thaisa está de volta à seleção. A jogadora de 35 anos, que desde o Mundial do Japão, em 2018, não vestia mais a camisa do Brasil, não só aceitou o convite de José Roberto Guimarães para disputar a Liga das Nações, como também abriu uma janela lá no “fundinho do coração”. Ela disse ao GLOBO que avalia a possibilidade de estar nos Jogos Olímpicos de Paris-2024.

Pela Liga das Nações, o Brasil enfrenta a Coreia do Sul hoje, às 21 horas (com Sportv2), no Ginásio Nilson Nelson, em Brasília. Thaisa, que não viajou para a etapa inicial do torneio no Japão, treinou entre as titulares. O Brasil está quinto lugar na classificação, com 10 pontos – três vitórias em quatro jogos – e ainda enfrenta Sérvia, Alemanha e Estados Unidos.

— Minha meta nesse retorno é ganhar tudo o que a gente disputar — disse Thaisa, que respondeu se a lista incluía Paris, no ano que vem: — Talvez sim. Estou pensando campeonato a campeonato. Ver como meu corpo vai responder a tudo isso porque a carga de treinamento na seleção é muito mais intensa do que no clube. 

Eu já estava desacostumada. Mas, com certeza, gosto de grandes desafios. Minha vida toda girou em torno de grandes desafios e quando a gente coloca uma grade meta à frente, a gente se empurra cada vez mais, se cobra cada vez mais. E pensando em grandes metas, tem de ter Paris. E a partir do momento que eu coloco uma grande meta, ferrou. Olho direto e reto para isso.

Thaisa explica que desta vez, após excelente temporada pelo Minas, quando foi eleita a melhor central da Superliga, sentiu que poderia encarar a temporada com a seleção. A jogadora, bicampeã olímpica, seis vezes campeã do Grand Prix (hoje Liga das Nações) e dona de uma prata e um bronze em Mundiais, e de um vicecampeonato na Copa do Mundo e outro na Copa dos Campeões, nunca disse que se aposentava da seleção. Pediu um tempo.

— Acho que a seleção nunca sai do nosso coração, estava lá no fundinho, no inconsciente. São tantos anos que parece criar raízes — conta a jogadora, que disse ter se sentido uma criança na volta ao CT em Saquarema. — Foi empolgação total mesmo.

A jogadora lembra que após grave lesão no joelho esquerdo em 2017, quando atuava na Turquia, correu contra o tempo, contra tudo e contra todos. Foi desacreditada por médicos e chegou a ouvir que ficaria manca. O ano de 2018, último com a seleção, foi de grande intensidade a ponto da central pedir descanso. Mesmo fora da seleção, manteve contato com Zé Roberto. E a cada temporada, eles “avaliavam” um possível reencontro.

— Meu retorno em 2018, pós-cirurgia, foi pesado. O Zé Roberto mesmo falou que nunca tinha me visto treinar tanto. Foi surreal. Treinava enlouquecidamente porque queria voltar ao alto nível. Quando acabou o ano, não aguentava ver a bola de vôlei.

Thaisa conta que após a pandemia e a interrupção do calendário internacional, voltou a pedir um tempo para Zé Roberto. E que somente na temporada passada, sentiu que poderia encarar o calendário internacional.

— Sempre falava para o Zé Roberto: 'Eu vou (para a seleção), mas preciso terminar a temporada de clubes e entender como o meu corpo estará'. Acabava a temporada e eu estava destruída. Na temporada passada, aconteceu a mesma coisa mas em comparação com o ano anterior, me sentia melhor e achei que poderia pensar no assunto. Nesta temporada, terminei bem e aceitei a convocação — explica Thaisa, que confessa, porém, que seu corpo ainda não está adaptado à intensidade dos treinos da seleção.

Ela conta que sente mais confiança no joelho esquerdo, hoje o seu “calcanhar de Aquiles”. Segundo ela, o “joelho direito, que também é operado, está na paz de Deus”. Ela já chegou a dizer que o joelho esquerdo beirava os 80 anos. Agora, após cinco anos de descanso da seleção, disse ao GLOBO que ele até rejuvenesceu.

— De uns 80, foi para uns 60 anos. Tá bom, né? — brinca a atleta, que explica: — Óbvio que tenho meus cuidados, que sinto dor. Hoje entendo o que meu joelho pode dar e o que não pode. Que momento posso forçar e que momento segurar. O tipo de tratamento e de fortalecimento que pede. Estou mais segura em explorar ao máximo o que ele pode me dar. Não é mais meu joelho zeradinho mas está dando pro gasto, graças a Deus. Sou grata por ele me levar a todos os lugares que quero estar

Para esta semana, o Brasil não contará com a capitã Gabi, que disputou recentemente a decisão da Liga dos Campeões da Europa e tem um desconforto no joelho esquerdo, será preservada para as próximas etapas. E com a ponteira Ana Cristina que sofreu uma lesão no menisco do joelho direito ao executar um passe no treinamento da manhã desta segunda-feira.

Veja os principais temas da entrevista:

Você volta a seleção após cinco anos. O que te fez mudar de ideia?


Desde quando decidi não ir, estava em contato com o Zé Roberto e falava: 'Eu vou, mas preciso terminar a temporada de clubes e entender como o meu corpo estará'. E todas vez eu estava destruída. Eu realmente não consegui. Não fazia sentido estar na seleção, exausta, destruída, sem dar o meu 100%, justamente em um lugar que tenho de dar 200%. Na temporada da Olimpíada, ele também me chamou. E aconteceu a mesma coisa. Eu estava com muita dor. Não conseguia me imaginar em quadra de novo, pós-Superliga. Mas nessa vez, eu já me sentia um pouco melhor. Já entendia melhor o meu corpo. E achei que poderia pensar no assunto. E nesta temporada, terminei bem. O Zé Roberto sempre tentou me trazer de volta e eu sempre fui muito sincera com ele. Eu tinha de ser coerente e respeitar meu corpo. No momento que senti que meu corpo estava respondendo melhor... eu aceitei.

Você nunca disse que estava se aposentando da seleção...

Precisava... Meu retorno, em 2018, depois da cirurgia, foi pesado. O Zé Roberto mesmo falou que nunca tinha me visto treinar tanto na vida. Foi surreal, eu treinava enlouquecidamente porque queria voltar a jogar em alto nível. Quando acabou aquele ano, eu não aguentava ver a bola de vôlei.

No fundinho, você ainda tinha uma esperança de voltar à seleção?

Pode ser algo inconsciente, que eu não acessava por estar tão exausta. Acho que a seleção nunca sai do nosso coração. São tantos anos, desde base, que parece que cria raízes.

O que sentiu quando entrou o CT de Saquarema de novo?

Estava muito empolgada, a primeira semana foi de empolgação total. Eu parecia uma criança.

Como foi recebida pelas atletas mais jovens?

Algumas eu já conhecia, treinado ou jogado contra. Vejo que algumas ficam meio assim... meio sem jeito, envergonhadas. Não sei se acham que sou brava, não sei. Por isso ainda não tive acesso. Mas é um processo. Vão entender que estou super aberta e que sou 'normal'. Porque às vezes elas pensam: 'Caraca, bicampeã olímpica', ficam tensas, mas o que quero passar é que estou aberta e que estou aqui para somar, juntinho com elas. Pretendo dar o meu máximo para que elas possam entender que o correr atrás, o varrer o chão, como a gente fala, é para todo mundo.

Qual a sua meta com esta volta?

Ser campeã em tudo que a gente jogar.

E isso inclui Paris-2024?

Talvez sim. Estou pensando campeonato a campeonato. Ver como meu corpo vai responder a tudo isso porque a carga de treinamento na seleção é muito mais intensa do que no clube. Eu já tinha me desacostumado. Meu corpo não está muito adaptado ainda. Me sinto fadigada, pesada, mas é ótimo porque daqui a pouco vai soltar e vou me sentir bem. Mas, com certeza, eu gosto de grandes desafios. Minha vida toda girou em torno de grandes desafios e quando a gente coloca uma grade meta à frente a gente se empurra cada vez mais, se cobra cada vez mais. E pensando em grandes metas, tem de ter Paris.

Tóquio, a última Olimpíada: o que sentiu ao ver o Brasil no pódio? Deu saudade?

No primeiro ano longe da seleção eu consegui vibrar muito e ser apenas torcedora. Depois quando comecei a me sentir melhor, menos cansada, eu já comecei a olhar e sentir aquilo... 'ah, deveria estar ali, né?' Mas sempre torcendo muito e sofrendo real. Eu não pensei que quero Paris nesta época. Surgiu agora, quando eu voltei de fato. Porque eu acho que dá. Porque a partir do momento que eu coloco como a minha grande meta, ferrou. Olho direto e reto para isso.

Carol Gattaz, que se lesionou, está nessa luta. E disse que uma porta se abriu desde que disputou Tóquio. E que agora é por Paris que ela levanta da cama e vai para o treino. Vocês são amigas, tem a questão do cuidado com o corpo em comum... Falam sobre ir para Paris?

Dói no coração da gente o que aconteceu com ela, uma fatalidade. Já passei por três cirurgias e fico muito mal pelas atletas, seja qual for, mas quando é com uma amiga, que eu gosto, que estamos juntas no clube... É como se fosse comigo. Sei que ela vai superar tudo isso e voltar forte para caramba. Se ela não tem essa certeza, eu tenho por ela. E estou torcendo muito para que aconteça e será incrível se a gente puder ir juntas para Paris-2024. Corro atrás do meu, torço por ela e se tudo der certo...

Depois desse tempo de cinco anos longe da seleção, você acha que o seu joelhos, que você dizia ter 80 anos, rejuvenesceu?

Eu acho que ele rejuvenesceu sim (risos). O joelho esquerdo é o mais problemático. O direito também passou por cirurgia mas está na paz de Deus. Tudo é um processo e o meu corpo mudou muito pós-cirurgia. Foi um pouco demorado mas está muito melhor hoje. Óbvio que tenho de ter os meus cuidados, que eu sinto dor, mas hoje consigo controlar. De uns 80, acho que foi para uns 60 anos. Tá bom, né?

Você tem mais confiança agora do potencial do joelho esquerdo?

Sim, entendo o que ele pode dar e o que não pode. Que momento posso forçar e que momento tenho de segurar. O tipo de tratamento e de fortalecimento que ele pede... Estou mais segura em explorar ao máximo o que ele pode me dar. Claro que não é mais meu joelho zeradinho mas está dando pro gasto, graças a Deus. Sou grata por ele me levar a todos os lugares que quer estar. Ele funciona do jeitinho que dá, mas tudo ótimo!

Qual a melhor lembrança da seleção?

São muitas mas não tem como não destacar do jogo contra a Rússia em Londres-2012. Nenhuma lembrança supera essa. Saí daquele jogo e dizia que poderia qualquer outro porque nada mais me abalaria. Saí de quadra com 24 pontos, foi bizarro...

O que esperar da seleção nessa segunda etapa da VNL?

O nosso time está evoluindo e ganhando corpo e confiança. Não sei se serei titular ou não e estou bem tranquila em relação a isso. Esse é um momento de rodar atletas e avaliar, entender o time como um todo. Acho que ainda precisamos de alguns jogos para crescer e vejo muito potencial no nosso time.

E sua volta será em casa, no Brasil...

Delícia, em casa. Falava para meu marido que não consigo nem descrever em palavras a sensação que tenho hoje. É uma felicidade, uma gratidão... Depois de tudo o que aconteceu, ter este privilégio de estar de volta e ainda em casa com a torcida e meu marido. De 2018, desacreditada né? Será que jogaria de novo? Médicos querendo colocar prótese, uma confusão, uma manca que não conseguiria se deslcar em quadra... E voltei agraciada com as palavras do Zé Roberto, dizendo da minha importância, do quanto ainda posso assustar as adversárias e ajudar a equipe. Poxa... como assim? Que virada de mesa. O mundo dá voltas e capotou!

Seu marido, o Rafael, ex-jogador de basquete, é coach? Ele te ajudou neste processo?

Muito, o tempo todo. Eu também me formei coach em duas oportunidades e usei esse conhecimento para mim mesma. Para trabalhar internamente. Fiz para mim. Posso ajudar outras pessoas, mas foi algo para mim. Rafael é o meu porto seguro, mas não é aquele cara que passa a mão na minha cabeça. Pelo contrário. Puxa minha orelha, dá bronca, fala o que tem de ser falado. Não é 'meu amorzinho para cá e para lá'. Esquece. Brinco que ele é a versão masculina daThaisa. Porque ele também é bravo e muito sincero...

Na Turquia, quando se lesionou com gravidade, precisou tomar uma injeção que te limitaria a engravidar por um período longo. Você congelou os óvulos? Você acha que, no seu caso, conseguiria ser mãe e voltar às quadras ou quer ser mãe quando se aposentar?

Pelo processo pesado que passei para voltar a jogar por causa do joelho esquerdo, eu quero aproveitar a fase em que estou bem, que jogo em alta performance e que tudo está fluindo bem fisicamente. A gravidez pode ser pior do que uma lesão no sentido que vai mexer com o corpo todo, a cabeça, os hormônios... Falo em relação ao retorno de uma atleta. Então, quero aproveitar essa fase e quando achar que tenho de parar eu paro e vou ter meu filhinhos. 

Hoje, se eu parar para ter filho e ter de passar por todo este processo de voltar à boa forma para o alto rendimento... eu não sei se tenho muita vontade de pensar nesse processo a volta. Eles (óvulos) estão lá guardadinhos, né? Isso tirou um peso da minhas costas. Porque eu adiei muito... Sempre pensava no ano seguinte e vinha um campeonato importante, e foi assim até hoje. Eu ficava muito nervosa com isso. Essa foi uma evolução para nós mulheres. Porque não é só no esporte que as mulheres sofrem. Em várias áreas tem muito preconceito com a mãe que volta ao batente.

Se fosse fazer uma tatuagem hoje, que simbolizasse a fase que passa, qual seria?

Amo tatuagem e parei de contar na vigésima oitava (risos). Acho que faria algo sobre gratidão e felicidade. Mas teria de pensar mais. Porque marca o corpo e a alma. Estou me sentindo muito em paz. Seria nesse contexto.


Fonte: O GLOBO

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