Suprema Corte revisou o entendimento após a Procuradoria-Geral da República retirar a acusação que havia feito contra o presidente da Câmara
A mudança na posição da PGR aconteceu em abril deste ano, com base em uma alteração na legislação. A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araujo, argumentou que a lei passou a vedar denúncias baseadas apenas em delações premiadas, sem outros elementos que corroborem a acusação. A nova regra entrou em vigor em 2019, como parte do pacote anticrime aprovado pelo Congresso no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.
Votaram para barrar a denúncia os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. O placar unânime foi o mesmo de 2019, mas, naquela ocasião, a Turma se posicionou para tornar Lira réu no processo.
A defesa de Lira, contudo, apresentou recurso contra a decisão. O pedido começou a ser analisado em 2020, e já havia maioria para manter o entendimento original da PGR, mas a análise foi interrompida por um pedido de vista de Toffoli. De lá para cá, a Procuradoria mudou de posição e pediu o arquivamento da ação.
O ponto central da acusação inicial da PGR era a apreensão, ocorrida em 2012, de R$ 106 mil com Jaymerson José Gomes de Amorim, então assessor da Câmara dos Deputados. Amorim tentava embarcar em um voo de São Paulo para Brasília com a quantia. Ao apresentar a denúncia, em 2018, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que o dinheiro era destinado a Lira, em troca de uma indicação na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), órgão vinculado ao Ministério das Cidades.
Na ocasião, ela citou pontos que ligariam Lira à entrega do dinheiro, como telefonemas e mensagens trocados com Amorim no dia da entrega e o fato de as passagens aéreas terem sido compradas com um cartão do deputado. O doleiro Alberto Youssef, que prestava serviços para o partido, afirmou em seu acordo de delação premiada que indicou Francisco Colombo para a presidência da CBTU com a chancela de Lira. Colombo esteve 61 vezes em duas empresas de Youssef, entre 2011 e 2013.
Ao depor no caso, Lira afirmou que não tinha conhecimento de que as passagens aéreas foram compradas em seu nome e disse que não sabia do motivo da viagem de Amorim a São Paulo. Nesta terça, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini afirmou que “o arquivamento da quarta denúncia contra o deputado Arthur Lira revela a fragilidade das delações de Alberto Youssef e os riscos de fundamentar acusações apenas nas declarações de colaboradores, sem outras provas que corroborem as narrativas”.
A vice-procuradora também citou que a Corte já havia revisado o entendimento em relação a outra acusação contra Lira baseada em delação premiada. Em 2021, a Segunda Turma mudou o entendimento para arquivar uma denúncia contra o que ficou conhecido como “Quadrilhão do PP”, que incluía parlamentares do partido investigados na Lava-Jato.
'Situação sui generis'
Antes de o recurso de Lira ser julgado, uma questão de ordem levantada por Mendonça possibilitou sua participação no julgamento. Ele substituiu o ministro aposentado Marco Aurélio Mello, antigo relator do processo, que já havia votado. Mas, diante do novo posicionamento da PGR, Mendonça quis saber se poderia votar — o que foi acolhido pelos demais ministros da turma pela situação “excepcional”.
Ao votar, Mendonça chamou a atenção para a “significativa e sintomática mudança da PGR, que está a pedir a rejeição da inicial por ela mesma proposta”, e por isso divergiu do voto que Marco Aurélio havia proferido.
— A manifestação da PGR não vincula necessariamente o órgão julgador, entretanto tem-se uma situação sui generis, na qual antes mesmo da estabilização da decisão de recebimento da denúncia, o órgão acusador revê sua posição. Agora, o titular da ação penal não deseja ver o acusado processado, criando uma situação que colocaria o Judiciário na condição de acusador — afirmou.
Barroso e Moraes, que em 2019 haviam votado para aceitar a denúncia, modificaram o entendimento. Moraes ressaltou que, mesmo se a denúncia fosse recebida, o caso não teria andamento.
— A própria Procuradoria já afirmou que permanecerá inerte numa eventual produção probatória. Então, nós temos aqui a confissão de um arrependimento, neste caso eficaz, que só protelaria algo que desde já é verificado como sem condições de garantir uma ação penal com justa causa.
Pelas redes sociais, Lira disse que recebeu a decisão com “serenidade”: “Tenho a consciência tranquila de que nos 24 anos de atividade política jamais cometi qualquer tipo de transgressão. Fez-se Justiça!”.
Fonte: O GLOBO
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