No Ramadã, atacante do São Paulo concilia jogos e jejum de água e comida: 'Sacrifício que fazemos'

No Ramadã, atacante do São Paulo concilia jogos e jejum de água e comida: 'Sacrifício que fazemos'

Muçulmano, Azeez Balogun busca seu espaço enquanto mantém firme o preceito religioso

A fé é parte integrante da identidade do futebol brasileiro. Rituais, rotinas e promessas que envolvem a religião cercam os dias de jogos, mas em meio a essa diversidade há quem precise se dedicar de corpo e alma, literalmente, à sua crença. No período do Ramadã, sagrado para o islamismo, atletas do mundo inteiro têm que se dedicar a um jejum de alimentos e água, uma prática que também é seguida no Brasil, como no caso do atacante Azeez Balogun, do São Paulo.

O nigeriano de 19 anos integra o time sub-20 do São Paulo desde fevereiro do ano passado — é o primeiro do país a atuar pela base do clube paulista, que vem investido em talentos do mercado africano. 

Nascido em Ibadan, ele teve seu contrato de empréstimo pela Unique Futbol Academy renovado no mês passado e segue buscando seu espaço. Nas últimas semanas, o atleta muçulmano precisa atuar sob um regime especial, sem poder comer ou beber durante a luz do sol — incluindo em períodos de jogos.

— O Ramadã é como um sacrifício. Na nossa religião, para ser salvo, você tem que cumprir esse sacrifício. Para mim é um pouco difícil, porque só posso comer e beber água à noite, às 18h30 ou 19h. Temos que observar o sol. Eu sigo a rotina islâmica, temos o momento de rezar à noite e depois você pode comer. É complicado, mas estou tranquilo com isso. É um sacrifício que nós, muçulmanos, fazemos — explica o jogador.

O jejum durante o período do Ramadã é um dos cinco pilares que constituem islamismo. Os muçulmanos com as devidas condições de saúde que passam da puberdade precisam se abster de comer e beber durante a luz do sol, além de outras restrições, como as relações conjugais e pensamentos ou ações considerados ruins .

É um período de purificação, introspecção e oração para a religião. O Ramadã, por sua vez, é o nono mês do calendário islâmico, de característica lunar. Portanto, muda de datas a cada ano. Neste ano, começou no dia 22 de março e termina no próximo dia 21, nesta sexta-feira.

A data ganhou grande repercussão no futebol europeu nas últimas semanas, quando a Premier League emitiu uma recomendação aos árbitros para que paralisassem partidas noturnas para que os atletas muçulmanos pudessem quebrar o jejum na beira do campo. Na França, a federação gerou controvérsia ao proibir que os árbitros paralisassem as partidas para isso. Em outros campeonatos, como o italiano, houve episódio de atleta quebrando o jejum com o aparente auxílio de companheiros de time.

Cardápio especial

No Brasil, Azeez e outro companheiro de São Paulo, o meia senegalês Iba Ly, se adaptam como podem à limitação, especialmente com jogos das categorias de base acontecendo durante a luz do dia. O nigeriano usa alarmes para se atentar aos períodos de oração (outro pilar do islamismo são as cinco orações, ao amanhecer, ao meio-dia, no meio da tarde, no pôr do sol e à noite) e às diferenças de horários do Brasil e de seu país. Para seguir desempenhando em campo, tem a ajuda de especialistas do clube.

— Eu converso com a nutricionista, me dão boa comida e suplementos. É isso que me ajuda nos treinos, nos jogos, nas viagens. O São Paulo faz muito para me ajudar com esses suplementos e com a comida. Como muito bem quando quebro meu jejum à noite. É ótimo para mim.

Nutricionista do clube, Juliane Lirio explica a rotina. Ela conta que a água faz falta em especial durante os períodos de jejum. Outras adaptações por questões religiosas envolvem a substituição de carne suína por frango e ovos.

— A gente faz algumas adaptações para o Iba e para o Azeez. Como eles só podem fazer duas refeições no dia, a primeira às 4h30 da manhã, eles levam (a refeição para o quarto) à noite mesmo. Vêm jantar 18h30, quando o sol se põe. Na hora do jantar, sobem com uma lancheira, que seria o lanche das 4h30. Geralmente é pão de forma integral, queijo minas, prato ou muçarela, um iogurte proteico, a suplementação do dia, um suco e uma fruta, além de uma barrinha de cereal.

Azeez conta que vem se adaptando bem à vida no brasil, incluindo a comida, o povo e a língua. Os companheiros o ajudam com o português. "A adaptação ao jogo foi difícil, tudo é diferente, tem muitos jogadores talentosos. Foi um pouco difícil quando cheguei a São Paulo. Mas agora estou me acostumando", diz ele. O jejum é apenas um dos desafios que o nigeriano, que já quebrou paradigmas na carreira, tenta tirar de letra:

— Quando explico aos meus amigos, muitos dizem que não conseguiriam fazer isso, ficar 12 horas sem comer é algo diferente. Digo que é como fazemos, é assim desde que nascemos. Alguns realmente entendem como fico, me canso sempre depois dos treinos, vou para meu quarto tomar um banho e descanso. Depois, acordo, rezo e faço algumas coisas para recuperar meu corpo. Eles entendem isso.


Fonte: O GLOBO

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