Orçamento de pasta recriada no governo Lula e comandada por Cida Gonçalves é tido como insuficiente para colocar de pé as políticas públicas e fazer frente ao avanço da violência de gênero no país
Porto Velho, RO - Recriado na atual gestão, o Ministério das Mulheres tem sofrido com a falta de estrutura e orçamento baixo nos três primeiros meses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A pasta liderada pela ministra Cida Gonçalves tem recorrido a outros ministérios e a deputadas da bancada feminina para conseguir tirar as políticas públicas necessárias do papel.
O pacote de ações lançado neste 8 de março, por exemplo, envolveu 19 ministérios, além de instituições como Banco do Brasil, Caixa e BNDES. Apesar de a transversalidade ser vista com bons olhos por especialistas, a necessidade de recomposição do orçamento é tida como urgente.
—Ainda que o princípio da transversalidade seja muito bem-vindo, ele não é suficiente. O Ministério das Mulheres precisa ter um orçamento compatível com as demais pastas. Colocá-lo em segundo plano é, mais uma vez, deixar as mulheres de fora do fazer político. Transversalidade e cooperação não bastam, é fundamental que haja recursos— diz Beatriz Della Costa, codiretora do Instituto Update.
Hoje, o ministério soma uma dotação de R$ 122,4 milhões, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento. Parte desse valor veio da PEC da Transição, aprovada em dezembro.
No mês passado, em reunião com uma parte da bancada feminina da Câmara, Cida não escondeu a preocupação com a questão orçamentária e pediu às deputadas emendas para erguer o ministério.
Segundo apurou o GLOBO, a ministra explicou que a pasta vai se dedicar neste primeiro momento a reestruturar o Ligue 180, construir novas unidades da Casa da Mulher Brasileira e aprovar um projeto de igualdade salarial, apresentado nesta quarta-feira. No entanto, para ir além do planejamento básico, ela diz que precisará do apoio das parlamentares, já que não dispõe de mais recursos.
—O orçamento atual é insuficiente, principalmente num país em que os índices de violência contra a mulher aumentaram, como mostrou estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública — diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que ainda acrescenta. — Resgatar o Ligue 180 e construir mais casas da mulher brasileira é um primeiro passo importante. Mas como pensar políticas de prevenção, estruturar delegacias e centros de referência com tão pouco dinheiro? — questiona ela.
Sâmia avalia que o governo começou “muito bem” com a nomeação de Cida, que é, nas palavras dela, uma ministra técnica e militante.
— As dificuldades vão se apresentar no campo orçamentário. A própria ministra tem consciência disso e já falou publicamente — completa a deputada.
Em nota, o Ministério das Mulheres disse que tem trabalhado para aumentar os recursos para as políticas públicas para as mulheres. Lembrou que o projeto de lei orçamentária previa apenas 10% do orçamento que a pasta tinha em 2015 — ou seja, R$ 23 milhões:
“Nos dois primeiros meses de governo conseguimos reverter parcialmente essa perda de orçamento e, seguindo a premissa de transversalidade do governo Lula, dialogamos com outras pastas para construir as ações que estão sendo lançadas neste 8 de março”, afirmou o ministério, acrescentando que vai continuar trabalhando para aumentar os recursos orçamentários junto à União.
— A transversalidade é muito importante, mas para que a gente possa verificar se de fato ela está ocorrendo, é fundamental que sejam criados indicadores de desempenho de gênero associados aos programas orçamentários nos mais diferentes ministérios. São necessários ainda investimentos para a produção de dados agregados de gênero em cada política pública que seja executada — diz Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Em SP, secretaria sem CNPJ
A falta de estrutura não é exclusiva do ministério. Em São Paulo, a secretaria de Políticas para a Mulher, criada na gestão do governador Tarcísio de Freitas, também patina no terceiro mês de governo.
Pessoas próximas à secretária Sonaira Fernandes (Republicanos) disseram reservadamente ao GLOBO que ainda falta estrutura e orçamento para elaborar políticas públicas. Por enquanto, só quatro pessoas foram nomeadas para a pasta, segundo informações do Diário Oficial do Estado. O quinto funcionário de Sonaira está lotado na Casa Civil e é quem dirige o carro emprestado para a pasta, que, diferentemente de outras secretarias, ainda não tem motorista.
Além de poucos servidores, O GLOBO apurou que a secretaria ainda não tem um site próprio ou mesmo um CNPJ — o que impede, por exemplo, a assinatura de convênios —, e nem orçamento para executá-los. A situação é motivo de insatisfação da secretária, que vem notificando a Casa Civil desde janeiro atrás de resolução, segundo um aliado.
A preocupação da secretária, vereadora licenciada por São Paulo, é que tenha pouco tempo para apresentar ações positivas e ganhar força para sua reeleição em 2024, já que em abril do ano que vem precisará se desincompatibilizar da secretaria para disputar a eleição.
No Diário Oficial, também não foram localizados quaisquer atos da pasta desde que Sonaira assumiu, a não ser as próprias nomeações de servidores. As ações voltadas às mulheres na nova gestão até agora dizem respeito principalmente a projetos de lei sancionados por Tarcísio, como o que autoriza o pagamento de auxílio aluguel a vítimas de violência doméstica.
Nesta quarta, o governador autorizou a criação de duas linhas de crédito para mulheres empreendedoras no estado por meio da Desenvolve SP. Também assinou decretos instituindo nove diretrizes de atuação da secretaria.
Em nota, a Secretaria de Políticas para a Mulher disse que todo o orçamento necessário para as ações e programas está garantido. Acrescentou que a pasta já conta com recursos das Secretarias da Saúde e Segurança Pública e servidores cedidos por outras pastas. Sobre o CNPJ, afirmou que será transferido de outra secretaria extinta, "processo que se encontra em seus trâmites finais". O site também está em desenvolvimento.
Fonte: O GLOBO
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