Para a surpresa de ninguém, o Regime Centralizado de Execuções não funciona
Porto Velho, RO - Não demorou quase nada para que as Sociedades Anônimas do Futebol, embora organizadas sob a mesma estrutura, seguissem caminhos absolutamente diferentes em seus negócios. E um dos pontos que as divide é o endividamento. A pergunta “como se pagam as dívidas feitas pelas associações civis nas últimas décadas?” encontrou diferentes respostas no futebol brasileiro.
Bahia e Coritiba assumiram os modelos mais seguros. No Bahia, o City Football Group se dispôs a pagar todo o endividamento prévio com aporte de capital. O dono chega, paga a conta e acabou. Óbvio que algumas negociações por descontos deverão levar tempo para ser encerradas, mas, para simplificar, o fato relevante é que as dívidas serão quitadas integralmente no curto prazo.
O Coritiba está próximo de ter a sua venda anunciada para a Treecorp, fundo de investimentos brasileiro. Será o debute no futebol brasileiro dos engravatados da Faria Lima, famosa avenida paulistana onde se concentram bancos e instituições financeiras. Detalhes ainda são mantidos sob sigilo, pois conselheiros e sócios do clube paranaense ainda precisam decidir se vendem ou não.
No caso do endividamento, no entanto, já sabemos do modelo adotado. O Coritiba entrou em recuperação judicial e foi o primeiro, no Brasil, a ter seu acordo homologado pela Justiça. Primeiro, a associação negociou desconto próximo a 75% com a maioria de seus credores e estabeleceu um plano de pagamento. Depois, já com a dívida organizada, concretizará a venda para os investidores.
Botafogo e Cruzeiro têm dívidas muito maiores, próximas do bilhão, e tinham pressa para vender os clubes respectivamente a John Textor e Ronaldo, então fizeram o caminho “contrário”. Primeiro, anunciaram as vendas e deixaram que os novos proprietários assumissem o futebol. Depois, foram atrás das soluções definitivas para as dívidas das associações. E elas ainda não foram alcançadas.
O Botafogo está a um passo de desistir do Regime Centralizado de Execuções (RCE), monstrengo inventado por parlamentares via Lei da SAF, e optar pela recuperação extrajudicial, como um meio para obter descontos e novos prazos para boa parte das dívidas de sua associação. Na sexta-feira passada, foi formalizado o pedido interno para que o Conselho Deliberativo autorize o movimento.
Para a surpresa de ninguém, o RCE não funciona. Não porque o Judiciário esteja desrespeitando de alguma maneira a legislação, narrativa que começa a pregar entre botafoguenses, mas porque a lei foi propositalmente mal redigida. Senadores fizeram textos ambíguos e apressados, incentivados por dirigentes, e deixaram o abacaxi para que juízes e desembargadores o descascassem. Deu errado.
Já o Cruzeiro seguiu pelo caminho da recuperação judicial, menos inseguro, mas também tem suas peculiaridades. A SAF acaba de anunciar que não pagará a dívida pela contratação de Rodriguinho, de R$ 31 milhões, ao Pyramids, do Egito. A ver se a Fifa aceitará a desculpa de que o clube não pode desrespeitar a fila de credores da recuperação judicial, ou se forçará a empresa a pagar o pato.
Não se trata de um juízo de valor — melhor ou pior —, mas de avaliação de risco. Clubes que estavam super endividados não zeraram seus problemas só porque foram vendidos; na verdade, o pepino só trocou de mãos. E é bom ficar de olho no desenrolar de cada história. Se os planos formulados em cada operação derem errado, as dívidas voltarão a prejudicar o futebol desses clubes em campo.
Fonte: O GLOBO
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