Macron enfrenta França dividida e risco de oposição radical à direita e à esquerda no segundo mandato

Macron enfrenta França dividida e risco de oposição radical à direita e à esquerda no segundo mandato

Presidente mais uma vez se beneficia de voto contra extrema direita, mas grande parte dos franceses segue insatisfeita e problemas como custo de vida anunciam anos turbulentos à frente

Porto Velho, RO - Emmanuel Macron pode se orgulhar de algumas marcas em sua reeleição à Presidência da França neste domingo. 

Pela primeira vez desde o estabelecimento da Quinta República, em 1958, com a introdução do sufrágio universal direto e de um regime semipresidencialista, um mandatário francês se reelege sem enfrentar um período de coabitação, quando o primeiro-ministro integra a oposição. 

Há 20 anos nenhum presidente francês se reelegia. Aos 44 anos, desconhecido do público francês até 2014, quando se tornou ministro da Economia, ele recompôs inteiramente o cenário político francês, esvaziando os tradicionais partidos de centro-direita e centro-esquerda.

Esta reformulação foi tamanha, entretanto, que agora Macron enfrenta um país muito mais dividido, e um ceticismo forte de grande parte do eleitorado. 

Opositores à direita e à esquerda de linha bem mais dura do que a que dominou a política francesa por décadas se fortaleceram, e prometem pressioná-lo nos próximos cinco anos para, por um lado, adotar valores conservadores, e, por outro, abandonar medidas pró-mercado. 

Como resultado, Macron deve enfrentar turbulências em seu segundo mandato, seja no Parlamento, seja nas ruas.

Teste legislativo

As eleições legislativas em 12 de junho serão o primeiro grande teste do presidente. Desde 2002, quando a eleição para o Legislativo passou a acontecer cinco semanas depois da escolha do presidente, os mandatários recém-eleitos levam vantagem para alcançar maiorias parlamentares, geralmente devido a baixos índices de votação entre os apoiadores dos demais candidatos.

Segundo uma pesquisa do instituto Harris Interactive, Macron — possivelmente em uma aliança com Os Republicanos, partido da direita tradicional — pode esperar dominar entre 326 a 366 assentos, uma maioria entre os 577 deputados. Segundo a pesquisa, a extrema direita elegeria entre 117 e 147 assentos, enquanto a esquerda ficaria com entre 73 e 93 deputados.

A disputa, no entanto, ainda está aberta. Apesar de sua derrota, a Reunião Nacional, de Marine Le Pen, alcançou a melhor votação de um partido de extrema direita na História da França. Há cinco anos, Macron venceu com 66,10% dos votos, enquanto agora reelegeu-se com 58,54%, com 41,46% dos eleitores preferindo Le Pen. 

A abstenção de 28% no segundo turno, porém, foi a mais alta desde 1969, quando o país sentia os efeitos dos grandes protestos estudantis do ano anterior. Apenas 38,52% dos eleitores inscritos votaram em Macron, o índice mais baixo desde 1969

Marion Maréchal-Le Pen, sobrinha de Marine que, no primeiro turno, apoiou o ainda mais radical Éric Zemmour, já pediu uma união das forças ultraconservadoras. “Sem coalizão, Macron terá todos os poderes e Mélenchon será o primeiro grupo de oposição”, Maréchal escreveu no Twitter. “Com uma coalizão, podemos transformar o campo nacionalista na maior força da Assembleia!”

Já Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, almeja construir uma aliança entre a esquerda. Na semana passada, ele reuniu-se com os ecologistas, com os comunistas e até com o Novo Partido Anticapitalista, sigla nanica de extrema esquerda. 

Em entrevista à rádio Franceinfo ontem, Manuel Bompard, ex-diretor de campanha de Mélenchon, disse que o programa de Mélenchon na campanha deve servir “como ponto de partida para as discussões que devem ocorrer”. Entre os “pontos essenciais”, segundo ele, estão a aposentadoria aos 60 anos, o congelamento de preços e o planejamento ecológico.

— É normal, ele conquistou 22% — disse Bompard sobre as exigências.

Para amanhã está marcada a primeira reunião entre Mélenchon e representantes do tradicional Partido Socialista (PS), que só conquistou menos de 2% dos votos. O partido é o mais resistente a uma aliança com Mélenchon, por entender que isso esfacelaria sua identidade. 

A relação com a União Europeia é um dos pontos de tensão entre os partidos: Mélenchon deseja ter maior autonomia econômica em relação ao bloco, enquanto o PS entende que isso não é viável ou desejável. O senador socialista Rachid Temal criticou a oferta de Mélenchon como uma “rendição ao programa da França Insubmissa”.

Se a perspectiva para a eleição legislativa por ora parece sob controle para Macron, o presidente tem menor controle sobre a ameaça de as ruas novamente eclodirem. 

Em 2018, o aumento dos preços nas bombas desencadeou a rebelião dos “coletes amarelos”, a pior agitação social da França desde 1968, com meses de perturbação em Paris e bloqueios em toda a França. 

O movimento perdeu fôlego nos últimos anos, mas prosseguem suas causas subjacentes — um sentimento de desamparo e injustiça em setores rurais e periurbanos, esquecidos por Paris.

Inflação em alta

Le Pen foi a vitoriosa entre as camadas mais pobres, e, após os gastos com a pandemia e com a guerra na Ucrânia, os preços de todos os tipos de produtos básicos, como o arroz e o pão ou o óleo de girassol fabricado na Ucrânia, aumentam. 

A energia também vem subindo de forma disparada. O governo conteve os preços da eletricidade e ofereceu descontos nos preços na bomba até depois da eleição, mas no futuro não distante deverá rever as medidas.

Parte crucial da plataforma do presidente, a Reforma da Previdência, com o aumento da aposentadoria de 62 para 65 anos é um tema espinhoso, que pode facilmente deflagrar outra onda de insatisfação. No segundo turno, Macron afirmou considerar diminuí-la para 64 anos.

Medidas de caráter ecológico, têm espaço importante na agenda do presidente, e, durante a campanha do segundo turno, em um aceno para os eleitores ambientalistas, ele prometeu ir “duas vezes mais rápido” para reduzir as emissões de carbono, o que pode implicar em ações impopulares, como contra os combustíveis fósseis. 

O movimento antivacinas também tem força significativa na França, e, esmagadoramente, seus participantes têm ojeriza a Macron.

Segundo uma pesquisa Ipsos-Sopra Steria divulgada ontem, 57% dos franceses esperam agora o presidente reeleito os “una, “mesmo que isso signifique adiar algumas reformas”, enquanto 77% deles esperam “agitação e tensão no país nos próximos meses”. Em seu discurso de vitória, Macron prometeu não “a continuidade”, mas “a invenção coletiva de um método”.

— Cabe a nós trabalhar juntos para alcançar essa unidade que nos permitirá viver uma vida feliz na França. Os próximos anos certamente não serão tranquilos, mas serão históricos, e cabe a nós escrevê-los para as próximas gerações — afirmou


Fonte: O GLOBO

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